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Tenho escutado
pessoas dizerem que queriam entender melhor o uso de ontologia na antropologia.
Bom, mas no modo geral, também quero dizer “pra que serve isso”, qual o uso que
podemos fazer desse termo “na prática”.
Vamos
analisar um exemplo: a minha dificuldade de entender matemática. Ora, por que
não entendo? “Burraldo”? Ou o professor “não sabe ensinar” (ele que é burro)?
Bom, nenhum nem outro. Meu argumento é que há um limite de entendimento de como
ensinar e de como aprender.
O
problema é que o limite de como aprender me parece ligado à relação entre
experiência pessoal, estímulos cerebrais que fizeram as “partes do cérebro”
ligadas à aprendizagem de uma matéria ou assunto específico não serem
desenvolvidos (no meu caso, matemática). Entretanto, não se trata só de
“estímulos”: há cérebros e experiências infinitas! Alguém pode ter um problema
neurológico, um transtorno; pode ser que na primeira infância algo não tenha
sido experienciado e isso tenha “atrofiado” um caminho possível de entendimento
da realidade etc (digo com base na importância dessa fase também para crianças
com microcefalia).
Bom,
agora pense que o professor que quer ensinar e o aluno, e o próprio aluno,
estão diante de um limite de compreensão e de entendimento. Os dois têm um
objetivo em comum. Porém, façam o que for, não saem do zero (que nem em Dark 1,
2 e até o quase o final do 3). O mesmo vale para ontologias! Ela é um termo
usado (na Antropologia!) para dizer que esse entendimento do mundo e o modo
como você age no mundo, resultam de suas experiências. São elas que definem os
limites da sua capacidade de perceber, entender e agir sobre a realidade (ao
menos provisoriamente).
No
caso do exemplo, o professor não consegue ensinar um aluno especial porque o
mundo dele está “parado” em certo conjunto de possibilidades perceptivas e, por
conseguinte, de “ferramentas didáticas”. Já o aluno (eu), acaba se “perdendo”
quando começa a conectar os números com as equações e fórmulas, pois não
consegue raciocinar “matematicamente” de modo desejado – ele também está
limitado em como aprender a aprender.
Já
com a ontologia, o que acontece não é exatamente igual com o que acontece na
matemática. É com nossas interações com pessoas que têm hábitos e
comportamentos diferentes do nosso que esbarramos nos “desentendimentos”. Aqui
a matemática não ajuda em nada; porque não se trata de “epistemologias”, não se
tratar de entender como o outro entende sua própria realidade a partir de suas
ferramentas de produção do conhecimento, ou seus saberes.
Vejamos outro
exemplo: num “encontro de saberes”, eu estava com meu velho caderninho de notas
estudando cientistas sociais da UFRPE que, por sua vez, estudavam agroecologia
e diálogos de saberes. Um professor da área de Educação, famoso agroecólogo,
estava, honestamente (dizia ele), sem conseguir lidar com a questão da água e
das plantas como sendo sagradas. Ele “entendia”, respeitava, até louvava, mas
não “sentia” o sagrado. Seu interlocutor, representante de um coletivo
pernambucano ligado às religiões de matrizes africanas, tentava “mostrar” pro
“homem branco”, por meio da linguagem, esse “sagrado”. Ora, jamais conseguiram
ou conseguirão!
“Que nem” o
caso da matemática, o caso do “sagrado” demonstra um limite da experiência. O
“erro” aí está no fato de que todo mundo tá tentando, admiravelmente,
solucionar um problema real com a ferramenta incorreta. Não é por meio do
“diálogo de saberes” (epistemologias). Essa é uma forma politicamente correta
de dizer que as coisas podem ficar no mesmo patamar. No entanto, basta que
apareça um problema que extrapole a linguagem para que logo as preferências
aparecem (prefere reza pra curar Covid-19 ou água benta? Prefere vacina, né,
minha filha?)
O problema não é abandonar os “diálogos de
saberes”. Ele é importante. E já fez muito nas últimas décadas. Porém, ele não
resolve o problema das experiências (das ontologias). Toda vez que um acadêmico
ou acadêmica típico for falar com um Pankararu, yanomami ou um babalorixá, ou
um crente, uma evangélica, ou, ainda, uma terapeuta holística e astróloga, ele
vai ficar naquela: “massa, que bacana...”. É porque se fica com os termos de
conhecer em primeiro plano. A comunicação se torna impossível, pois não há como
mensurar a realidade das experiências distintas numa mesma linguagem: aí
achamos que “conhecer” é a palavra. Jamais foi.
Por
fim, a ontologia é a palavra usada para tentar lidar com essa realidade para
propor ações que “conectem” as diferenças em ações conjuntas para transformar
realidades. O professor não precisava pensar no “sagrado”, ele tinha apenas que
ouvir o seu interlocutor e continuar fornecendo o espaço de fala que ele tem,
na Universidade, para se falar de sagrado; ao mesmo tempo, ele poderia começar
a perceber que a ciência serve pra uma coisa, o “sagrado” pra outra, mas se as
coisas foram abertas, uma nova realidade de experiência pode surgir. Ele não
precisava se esforçar para, academicamente, entender o sagrado. É pra isso que
ontologia serve. Se ele queria entender, ele teria que ter vivido o sagrado e
deixado de usar a ciência para explica-lo.
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