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Pesquisamos
fenômenos e interações sociais, ou coletivas, em curso ou que já ocorreram e
provocaram mudanças e transformações na sociedade. Uma pesquisa sociológica pode,
por exemplo, investigar o fenômeno do contágio da pandemia de Covid-19 em
Recife, PE, no período de fevereiro; pode investigar como os meios de
comunicação associaram conceitos biomédicos com nossos hábitos de higienização,
ou, quem sabe, como os discursos dos ministérios da saúde e do presidente representaram
a pandemia. Com esse conhecimento, nós sistematizamos os diversos fenômenos sociais
decorrente da pandemia e utilizamos teorias e resultados de outras pesquisas
sociológicas para comparar, por exemplo, os impactos gerados pela pandemia sobre
o comportamento das pessoas e, assim, a partir dos dados, chegamos a conclusões
de quais foram as transformações que ocorreram na sociedade (positivas ou
negativas) e o que poderia ser feito para gerar desenvolvimento social.
Já na Antropologia,
poderíamos seguir o exemplo de pesquisas realizadas sobre a epidemia de Zika vírus
de 2015 e 2016. O Estado financiou direta e indiretamente (bolsas de pesquisa e
editais de fomento à pesquisa) antropólogas e antropólogos para produzirem
conhecimento sobre as experiências de famílias que foram afetadas pela epidemia e, também, experiências nas relações
entre Secretaria de Saúde e essas mesmas famílias. O papel da Antropologia,
neste caso, foi o de sistematizar o conjunto de experiências socioculturais após
o impacto causado pelo fenômeno da contaminação pelo vírus Zika e, em seguida,
oferecer avaliações de como as mudanças decorrentes desse processo afetaram as
vidas das pessoas (positiva ou negativamente) e o que poderia ser feito a respeito.
O
conhecimento que foi produzido por cientistas sociais contribui economicamente
de forma indireta, nos caso acima, mas não deixa de fazê-lo. Quando profissionais
ligados às Ciências Sociais participam de pesquisas de mercado e consumo, por
exemplo, temos uma relação mais direta entre conhecimento produzido por
especialistas e desenvolvimento de setores de mercado. Mas é preciso entender
que estas duas formas de produção do conhecimento em Ciências Sociais são
diferentes e partem de critérios utilitários distintos: uma atende ao Estado e
ao desenvolvimento Social; a outra atende o mercado e a setores da economia,
como o de Serviços, por exemplo.
Em seleções
para pós-graduações e financiamento de projetos de pesquisa, é normal encontrar
o chamado critério de relevância social. O que quer dizer que as pesquisas
produzidas por pós-graduações precisam atender exigências de contribuição
pública. Por esse motivo: as pesquisas propostas devem atender a tais critérios
sob pena de não serem selecionadas. Por isso, não podemos acreditar no
argumento de que Antropologia, por exemplo, não “serve pra nada”. Qualquer área
científica serve a algum propósito elementar, a saber, desenvolvimento humano. Ligar
Antropologia e Sociologia aos mesmos critérios de outras áreas acadêmicas,
desconsiderando suas especificidades, é continuar com a ideologia do
desenvolvimento predatório e excludente que só beneficia aos interesses da
classe e dos grupos dominantes de nossa sociedade.