sexta-feira, 31 de maio de 2019

Crônicas: cotidiano I


Um pombo banha-se numa poça de lama. Alguns instantes depois ele voa para os fios de um poste e, em seguida, crianças com fardas de uma escola municipal vêem um pombo caído no chão.

            Numa das casas de tijolos com poucos cômodos, sem reboco, espremida entre outras casas, mais acabadas, na frente de uma canaleta mal cheirosa, duas mulheres conversam.
- isso é coisa de Satanás – ela pega um iphone e mostra uma foto.
- vamos levar pro pastor – retruca sua vizinha.

            Naquele mesmo dia, numa casa localizada em uma rua parcialmente asfaltada com cimento, britas e paralelepípedos, próxima ao beco em que as duas mulheres conversavam, o pastor conclui o culto daquele dia.
- com a ira de Deus ninguém pode.

            Uma semana depois, um jornalista de paletó, entrevista um homem mais bem vestido com ele, que carrega uma bíblia.
- pessoas do terreiro disseram que o senhor ordenou... – ele é interrompido bruscamente.
- ninguém tem o poder contra Ele. – diz o homem bem vestido.
- Então o senhor assume “Ele” deu a ordem – o jornalista remenda o que seu entrevistado disse com o aconteceu com o terreiro.
- Sim, mas... – titubeia, gagueja o homem bem vestido.

            Após atenderem a ocorrência, policiais entram em seus carros, observando que os bombeiros concluíram seu trabalho ali. Registram em seus relatório.

            Num noticiário policial, as duas irmãos assistem a TV, enquanto terminam de preparar arroz branco, feijão marrom com charque e farinha de mandioca. “Terreiro é incendiado na zona norte da cidade”, fala um repórter na TV, e continua, “bombeiros foram chamados pra conter as chamas. Policiais disseram que o incêndio está sendo investigado, mas não há provas de que tenha sido criminoso. Populares dizem que crianças viram um despacho na rua de uma Assembléia. Outros dizem que o pastor da Assembléia local afirmou que a provocação contra a fé cristã deve ser combatida com a ira de Deus.”
            José chega em casa com cara de choro.
- Mãe! Dois caras de moto levaro’ meu cerular’.

  

Duas religiões econômicas no comércio

 - Terminei. Vamos? - Diz minha pequena. - Posso ir ao banheiro? - Diz minha segunda pequena. Alguns minutos depois, caminhamos sobre o asfa...