Seguindo
os posts introdutórios ao pensamento
de Latour, agora apresento a sociologia associativa. No mesmo espírito dos posts anteriores, cabe destacar a
oposição de Latour a outras abordagens. Neste caso, à sociologia funcionalista,
a qual ele chama de sociologia do social. Mas é preciso novamente se manter em
mete o foco sobre a ação (ao movimento) no qual as “coisas acontecem” e “produzem
algo”.
Para
Latour – principalmente em Reagregando o social: uma introdução à teoria “do”
ator-rede -, o funcionalismo e sua vocação para explicar interações sociais por
meio de estruturas de consciência coletiva que se imporiam sobre os indivíduos
de modo coercitivo, seria uma modalidade sociológica que separava o que era “conteúdo”
ou “construção social” de um lado, e todo o resto não social, do outro. Assim,
por exemplo, existiria um reino da biologia, da economia etc., independente do
social. Para explicar, então, a ciência, seria necessário identificar como fatores
sociais influenciariam a ciência – mas não permitiriam estudar o conteúdo da
ciência. Cabe lembrar, aqui, que a sociologia da ciência com Merton e, ainda,
com o criador do princípio de simetria, ainda preservava essa separação de um
reino social “anterior” à ciência (Merton), ou “dentro” do conteúdo da ciência
(Bloor).
Com
a sociologia associativa, por outro lado, o social se diluiria, não sendo um
reino à parte de outras áreas. Desse modo, as interações entre elementos heterogêneos,
como mosquitos e seres humanos, por exemplo, resultariam em associações
produtoras “do social”. Como a ação é que está em jogo, então a observação
seria voltada para descrever o processo pelo qual o social emergiria como
resultado, não como causa da ação. Se Bloor e Merton explicariam um fenômeno por
meio de uma causa social que os provocaria, Latour descreveria como o social
foi produzido como resultado de associações, não como a causa dessas
associações.
A
partir de um exemplo pessoal, eu pesquisei como agronomia e ciências sociais
interagiam com agrotóxicos na UFRPE, em 2016. Analisando ementas de cadeiras de
ambos os cursos e realizando observação participante (assistindo aulas de
cadeiras dos dois cursos), decidi utilizar a abordagem de Latour como referencial
teórico. O que fiz foi então analisar como as aulas eram situadas e enquadradas
em cada ambiente conforme ementa, e quais eram as associações que a agronomia e
as ciências sociais mantinham com agrotóxicos. Como resultado, mapeei duas
redes de associações distintas e em conflito, nas quais diferentes seres e
substâncias eram, cientificamente, mobilizados
para a formação de pesquisadoras/es das duas áreas analisadas.
Num
contraste, poderíamos analisar as mesmas circunstâncias com a hipótese de que
existiria uma força ideológica por trás dos dois cursos, uma de trabalho contra
o capital; outra de capital contra o trabalho. Isso explicaria porque agronomia
estaria associada ao agronegócio e ciências sociais à agreocologia. Por
conseguinte, também poderia explicar porque existe mercado de trabalho amplo
para agronomia e um amplo exército industrial de cientistas sociais de reserva,
desempregados. Ou, ainda, poderíamos tentar compreender como a estrutura de reprodução
da desigualdade permitiria certa autonomia aos campos, relativa, mas ainda
assim, condicionada por outros campos, como a economia e a política.
Se
esse tipo de análise explica a desigualdade por meio de suas lentes, a sociologia
associativa não faz o mesmo, ela se propõe a observar como as diferentes
interações geram cursos de ação e alianças distintas. O lema, como diz Latour,
é seguir os atores. Não falar em nome deles; nem escolher entre um e outro.
Essa postura, normalmente criticada, não decorre apenas de uma questão ética,
mas também de uma questão teórica: se o social emerge das relações, não cabendo
explicar forças “sociais” por trás da ação, então como poderemos descrever um
processo cujo resultado ainda está em construção, se já definimos de antemão
suas causas?
Outra
controvérsia pode ilustrar uma situação distinta da controvérsia entre
agronomia e ciências sociais – já que esta parece exigir que escolhamos entre
qual dos lados está certo no modo como interage com agrotóxicos. Trata-se de
uma controvérsia que analisei recentemente: sobre a capacidade vetorial de
mosquitos comuns transmitirem o vírus Zika. Isto é (perguntaram-se
entomologistas da Fiocruz de Recife): será que os mosquitos comuns, além dos
mosquitos da dengue, conseguiriam transmitir o vírus Zika? Resultado: elas concluíram
após testes de laboratório, que sim, eram potenciais vetores. No entanto, outros
pesquisadores fizeram a mesma experiência, mas na Fiocruz do Rio de Janeiro, e
concluíram o oposto: “não, mosquitos comuns não transmitem Zika. Recife deve
estar errado”. Eu, sociólogo à época, explicaria que existia uma causa social
por trás das duas instituições que, consequentemente, estaria influenciando os
resultados científicos? Deveria apenas descrever a controvérsia e, especialista
que sou em entomologia, me tornar o árbitro da controvérsia dizendo, “a regra é
clara, meu time, recifense, está certo e ganhou o jogo porque saiu na ofensiva”?
É por isso que a regra na sociologia associativa é “seguir os atores”, pois
quem vai finalizar a controvérsia são os atores (actantes). Não “a gente”, que
pesquisa a controvérsia “de fora”.
A
ideia de rede aparece nesse “rastro” deixado pela “trilha” que os atores vão
desenhando na medida em que fazem e desfazem associações. Antes da epidemia de
Zika, por exemplo, os mosquitos comuns eram pouco estudados no laboratório de
entomologia; mas assim que a associação da doença misteriosa à época, “dengue
fraca”, foi associada com o vírus Zika, descoberto em 1947, em Uganda, a
situação mudou. O laboratório rapidamente começou a investir em pesquisas sobre
Zika e, depois, Zika e Culex
quinquefasciatus (mosquito comum). Seguindo essas associações, ao invés de
identificar causas sociais por trás da mudança de práticas no laboratório,
decidi seguir os atores. Como um etnógrafo fiquei observando todo o processo de
produção até onde ele ia e, novamente, fiz certo mapeamento das associações em
torno do Zika. Como resultado, pude compreender como a experiência de um local
(laboratório) possibilia alistar aliados (agencias de fomento, parcerias
internacionais, outras instituições) em busca da produção de respostas para
lidar com a epidemia e, em seguida, essas alianças permitem com que o resultado
das experiências seja comunicado/transportado para fora do laboratório. O que
permite com que se desenvolvam políticas públicas e, em geral, “altere as
interações sociais” ou, finalizando com Mary Douglas, modifica o modo como
lidamos com a poluição (epidemia).