quinta-feira, 29 de abril de 2021

Teoria ator-rede 2: a denúncia acabou!

 

Imagem de internet
Por que a teoria do ator-rede é tão diferente da teoria social e antropológica?

 

A denúncia acabou, eis um tópico do segundo capítulo do livro “Jamais formos modernos: ensaios de antropologia simétrica”, de 1991, traduzido em 1994 pro português. Mas que denúncia é essa?

[...] Luc Bolstanski e Laurent Thévenot esvaziaram a denúncia moderna em um livro tão importante para esse ensaio quanto o de Steve Shapin e Simon Schaffer. Fizeram, em relação ao trabalho de indignação crítica, o que François Furet já havia feito em relação à Revolução francesa. "A denúncia acabou": este poderia ser o subtítulo de Economies de la grandeurs (1991). Até então, o desvelamento crítico parecia ser algo dado. Era apenas questão de esoclher uma causa para a indignação e opor-se às falsas denúncias, colocando nisso toda a paixão desejável. Para nós, modernos, desvelar era a tarefa sargada. Revelar sob as falsas ocnsciências os verdadeiros cálculos ou sob os falsos cálculos os verdadeiros interesses. Quem ainda não sente, escorrendo pela boca, um resto de espuma desta raiva? Boltanski e Thévenot, porém, inventaram o equivalente de uma vacina antirrábica, comparando tranquilamente todas as fontes de denúncia - as Cidades que fornece os diversos princípios da justiça -, e cruzando as mil e uma maneira de que dispomos hoje, na França, para montar um caso na justiça. Eles não denunciam outros. Não desvelam. Antes, mostram as artimanhas que nós todos usamos para acusar-nos mutuamente. O espírito crítico torna-se um recurso, uma competência entre outras, a gramática de nossas indignações. (Latour, 1991, p. 48)

 

            Tanto no curso introdutório à teoria do ator-rede, quanto na minha tese, mas também nas minhas pesquisas anteriores, pratiquei esse “cruzamento” de maneiras diferentes de “montar a crítica” e os “casos na justiça”. Mas que significa isso?

            Na prática, Boltanski e Thévenot “param de fazer a crítica”, “para de fazer sociologia crítica”... para com a “teoria crítica” e dão uma pausa. Respiram. E perguntam: e se o “senso comum” for tão capaz quanto o sociólogo de fazer críticas e justificar suas ações?

            Exemplo: em meus cadernos de campo, venho registrando quase que diariamente alguns perfis de pessoas que me autorizaram a fazer isso. Depois eu bato papo com elas pra saber o que significa pra elas certas postagens. Meu tema é pandemia.

            Depois eu “cruzo” os diferentes modos que tanto o “senso comum” quanto o “acadêmico” “montam” sua crítica e suas justificativas. Com a teoria ator-rede eu mapeio as redes que as pessoas estão ativamente participando.

            Percebe que a “autoridade” da experiência se deslocou de mim, antropólogo, para o “informante”? Esse gesto, beeem antropológico, é mais difícil pra outras áreas. O desafio é exatamente a proposta que tenho em mente com minha pesquisa e com o curso.

 

Por ora, finalizo apenas apontando para essa tarefa: como deixar a herança colonial/moderna, de lado, mas continuar com a tarefa acadêmica de produzir pesquisas de qualidade, que não se resumam a experiências e relatos “fracos”, sem consistência?

 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Teoria ator-rede: medi-ação

 


O que é um mediador na teoria do ator-rede?

            Mediadores são objetos, coisas ou pessoas que, num curso de ação, transformaram alguma coisa em outra. Então um computador pode apenas ser um intermediário, um objeto funcionando normalmente. Mas quando ele quebra, ele precisa ser consertado. Então temos uma situação diferente, na qual o computador deixa de trabalhar e, assim por exemplo, não posso vender meu curso!

            Então... com meu conhecimento funcional de informática, consigo restaurar o disco (HD), vejo que ele tá lento ainda e, por isso, elimino uns programas fora de uso, transfiro dados para um HD externo etc. O computador voltou a funcionar satisfatoriamente. Então, onde está a mediação?

            São duas ações. Na primeira, o computador participa da minha venda de cursos, é um ator, portanto, mediador desta ação. Na segunda ação, de conserto, a mediação está nas ações de reparo e manutenção, mas ainda assim o computador está interagindo. Portanto, se ele inter-age com você, por que só você estaria agindo?

            Mas vamos para o exemplo do meu post anterior, com um objeto mais “duro”, menos “animado”: um livro de História da bruxaria. Uma editora, um grupo de pessoas, financiamento e ideias, assim como intenções, e “energias”, foram empregados em sua feitura. A ação, aqui, envolveu tinta para impressão, máquinas de impressão, gráficas, computadores, autores/as etc. O segundo passo está na circulação do livro, sua mercantilização. Algo impossível antes da invenção da prensa tipográfica moderna.

            O livro é comprado, nesse mercado. Seja ele capitalista ou não, o livro foi comprado. Quem sabe para presentear uma neopagã, mas de outro país? A ação, aqui, é do livro chegando às mãos de alguém. Já são duas ações. Vamos a mais uma.

            Um pesquisador, eu, pesquisa outro “mediador” ou ator: um vírus e a Covid-19. Numa conversa, consegue emprestado o livro. É outra ação que levou a essa “conexão”. Mas, de um modo macro: a ação se conectou à ação/agência de pessoas e coisas que fizeram o livro em solo norte-americano. Nós, sul-americanos, recebemos o livro. Qual sua ação?

            Ele transporta a ação dos Estados Unidos para o Brasil. Sua mediação consiste na transformação das palavras, ideias e interesses de lá, para cá, em formato de livro. Sua ação/agência/mediação é esse longo percurso que se faz até minha mesa de trabalho. Quando, finalmente, conserto meu computador, inicio uma busca noutra “rede”, mas essa não é como “ator-rede”, ela funciona em conexão constante com o mundo inteiro. Digito algumas palavras na aba do browse e sou “linkado” com o sitio digital criado pelas mesmas pessoas que aparecem no livro que tenho ao lado do meu teclado. Agora é o meu computador interagindo com as informações que digitei nele e que vieram do livro. Todavia, quando sou direcionado para o site, algoritmos do Google estão transferindo informações para grandes bancos de dados, e por aí, outras ações vão se desenvolvendo.

            É esse processo todo de interação envolvendo livros, Google, internet, computadores, bruxas, “energias”, e interesses diversos que chamamos de mediação, não “intermediação”. São esses “não-humanos” (exceção às bruxas), que interagem conosco. A teoria do ator-rede é, portanto, uma teoria que leva em consideração essa ação não-humana como parte da descrição necessária de pesquisa. Não basta se interessar, por exemplo, com as bruxas, melhor dizendo: a parte humana da ação, as neopagãs, os editores do livro, Sundar Pichai, CEO do Google, ou comigo fazendo pesquisa e digitando essas palavras!

            A mediação, por fim, é essa cadeia de ação em que os actantes (atores humanos ou não humanos) são todos levados em consideração, como inter-atores, transformando a realidade de palavras, energia e interesses, em texto impresso (livro), ou bytes (Internet) alimentados por energia elétrica, armazenados nos bancos de dados do Google, do Instagram, do Facebook.

terça-feira, 13 de abril de 2021

Feminismo, América Latina e Teoria Ator-rede

 

O post de hoje é sobre “como Latour” e a TAR são utilizados por autores/as da América Latina.

 

            Não vou fazer um texto “ABNT”. Serei direto. Abordagens feministas e pós-colonialistas costumam ler Latour e a teoria do ator-rede (TAR ou ANT) de dois modos:

 

1 – o seu livro mais famoso, Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica (1991), é “comprado” para ser “usado” a favor do discurso anti-moderno (anti colonial).

 

2 – Latour é lido como um “europeu” e, portanto, a teoria crítica o denuncia como “branco-hétero-cis-macho-europeu” e, por isso, a TAR também é excluída.

 

            A minha intenção, contudo, é não cair em nenhuma dessas alternativas. Não porque estejam erradas ou não sejam “verdadeiras”, mas sim porque acho que podemos ser mais do que aquilo que lemos e do que “compramos” (leia-se, TAR).

Em segundo lugar, com o desenvolvimento dos meios de comunicação e internet, passou a época de apenas “consumir” o que vem do exterior, seja da Europa, da África ou América Latina, por exemplo.

Podemos “comprar” teorias de onde quisermos. Mas podemos “consumir” elas para produzir e “exportar” teorias também. Continuamos “importando” Marx, Latour, Beauvoir, basicamente, suspeito, por recalque: “santo de casa não faz [fazia] milagre”.

Agora “santo de casa faz milagre sim”! É por isso que teorias decoloniais, por exemplo, na antropologia, defendem um Ailton Krenak, com sua “ontologia” e Lélia Gonzales e sua “epistemologia negra”.

É por isso que Isabelle Stengers, na filosofia, defende o neopaganismo americano e toda sua “ontologia”. Sim, estamos além do “paradigma epistemológico”: “By, by Comte-Durkheim-Weber-Marx”

Existe um diálogo interessante entre feminismo, América Latina e filosofia da ciência, que dialoga com a TAR e com Latour. Uma filósofa famosa da década de 1980 é Donna Haraway, entre outras, que usa o conceito de “ciborgue” para pensar além de gênero.

Já na América Latina, um nome que faz essa ponte é Hebe Vessuri, da Argentina. Mas não tô aqui citando todo mundo... A ideia é dizer que esses usos da TAR são exatamente isso: usos.

Você, como pretende usar a TAR?

 

 

Duas religiões econômicas no comércio

 - Terminei. Vamos? - Diz minha pequena. - Posso ir ao banheiro? - Diz minha segunda pequena. Alguns minutos depois, caminhamos sobre o asfa...