segunda-feira, 30 de setembro de 2019

WILLIAM JAMES, A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA


Inicio aqui outra modalidade de postagem do meu blog. Agora, passo a comentar ou resenhar alguns livros na medida em que os leio. O primeiro livro desta linha de postagens é “William James, a construção da experiência”, de David Lapoujade, lançado pela editora M-1 Edições, 2017.


Gostaria de iniciar dizendo que Lapoujade é um especialista em filosofia anglo-francesa. Além disso, foi discípulo de ninguém menos que Gilles Deuleuze. É preciso lembrar que Deleuze é foi um dos principais filósofos contemporâneos e, por exemplo, na Antropologia de fins da década de 1990 em diante, exerceu bastante influência na chamada “virada ontológica”. Basicamente, nas últimas duas ou três décadas na antropologia “pós-pós-modernidade”, estamos assistindo a uma oxigenação nos debates antropológicos sobre a relevância de temas “pós-culturais” e pós-representacionais.

No que tange o livro em si, queria apenas dar um tom mais geral, não muito detido ao seu conteúdo. Por pragmatismo, em William James, Lapoujade fala de um método muito mais do que uma teoria em si. Esse método, todavia, está para além da filosofia e da psicologia. No livro, ao se aproximar de uma concepção de social e de sociedade baseada no pensamento de Gabriel Tarde, e não da sociologia clássica, de Émile Durkheim, Lapoujade demonstra as afinidades de pensamento entre Tarde e James.

Uma coisa é fundamental para se destacar: enquanto Deleuze fala de “rizomas” e “fluxos” como uma metáfora para as relações sociais entre “seres” humanos e não humanos. Mas esse pensamento, em geral, já estava presente nos “fluxos” em James e nas ideias sociológicas de G. Tarde. Neste sentido, o livro nos traz uma noção de “fluxos” de coisas que acontecem de maneira plural e criativa. Assim, a atenção não recai para o externo aos indivíduos, por exemplo, mas sim para a capacidade de eles e elas criaram o novo.

Por outro lado, James aparece como alguém que relaciona esse pensamento sobre fluxos de ideias e de conhecimento, por exemplo, para explicar a relação entre crença e confiança. Ao fazê-lo, ele diz que o pragmatismo então é um método para avaliar boas e más filosofias (e outras formas de pensamento, como a experiência religiosa). Por isso, terminando o livro falando de “comunidades de pensamento”, Lapoujade nos traz um William James que nos ajuda a “ter esperança” e “confiar” na possibilidade de se criar um mundo melhor a partir de diferentes “comunidades de pensamento”. Ou, dito de outro modo, ainda podemos ter confiança e fé em um mundo melhor.



quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Ideologia, Ciência e Religião II: A ciência é uma palavra “esperando tradução”


            Já falei antes sobre ideologia e ciência, ciência e religião e religião e ideologia. Falarei agora, possivelmente me repetindo, das três “coisas” novamente. Mas que coisas são essas, como devemos entendê-las?
            Vamos reduzir as três coisas a ideias e práticas (ou ações). Isso possibilitará definir a diferença de uma coisa da outra. Também permitirá demonstrar onde elas se associam e se conectam e onde elas se afastam.
            Primeiro vamos falar da religião. Normalmente, religião é uma “prática” ou conjunto de práticas baseadas em ideias. Óbvio? Sim. Mas quais práticas e quais ideias? As práticas são individuais e coletivas. Por individuais, entendo aquelas ações que são baseadas nas ideias religiosas, como caridade, reza etc., são normas coletivas: ‘não pecar’, ‘se confessar’, seguir mandamentos religiosos, seguir a bíblia, não comer certos alimentos, não manter relações sexuais fora, ou antes... do casamento etc. Mas como essas práticas se relacionam ou se conectam com outros setores da sociedade?
            Primeiro falamos na família e relações entre Educação, Política e costumes (cultura). A educação religiosa, em casa, orienta normas e valores que devem guiar a criação de filhos e filhas e de “marido” e “mulher”. Segundo, na escola, a educação religiosa direciona o ensino para manter essas normas e valores, ao mesmo tempo em que prepara estudantes para as práticas profissionais no mercado de trabalho. A Política, então, baseada na religião, deveria compartilhar os valores religiosos e, a Educação, então, mantém uma política educacional que atenda os valores e normas da religião. Ao mesmo tempo, prepara estudantes para serem capacitados/as para o mercado de trabalho. Supostamente, não existe ideologia nesse caso, apenas “religião”, “política” e “educação”.
            No segundo caso, falarei da “ideologia”. Que coisa é essa? Curiosamente, a ideologia nasce na França como um projeto epistemológico e científico. Ou seja: surge como uma área dentro de um projeto científico baseado em “ideias” centradas na razão (movimento iluminista europeu). Qual o resultado disso para os dias de hoje?
            No primeiro caso, a ideologia seria uma prática “filosófico-científica”: investigar as “ideias”. Depois, não se desenvolvendo como se desejava, a ideologia perdeu seu “reconhecimento” como um campo científico, não “germinou”, sendo considerada rapidamente outra “coisa”, mas não uma ciência. Hoje em dia, ela é sinônimo de “ideias não religiosas” que defendem “valores” e “normas” “infiltradas” na Política, na Educação e na Ciência.
            Por último, falarei da Ciência. Ela é uma “prática” que possui métodos e técnicas de se produzir conhecimento de maneira eficiente e eficaz para conseguir respostas para problemas de diferentes áreas, mas inicialmente, biológicos, químicos, físicos e, depois, psicológicos, sociais, de engenharias etc. Por isso, esses “métodos e técnicas” não podem ser considerados como a mesma “coisa” que “religião”. Um cientista não reza em um laboratório pedindo com fé que um teste de associação entre um vírus e uma amostra seja comprovado. Na verdade ele ou ela até pode rezar, mas o resultado não depende de uma convenção religiosa, mas de uma convenção científica sobre valores matemáticos ideais para se confirmar se um teste alcança ou não um valor que o classifique como verdadeiro ou falso.
            Hoje em dia, contudo, a Ciência é considerada “ideológica” quando não se encaixa com as normas e valores “religiosos”. Mas quando é que a engenharia ambiental, ao estudar a toxicidade de cianobactérias acima de um nível aceito se relaciona com “ideologia” ou com “política?”; quando é que o teste de correlação entre “Zika” e “mosquito da dengue” pode ser considerado “político” e “ideológico”? Quando é que os dados da “NAZA” podem ser considerados “políticos” e “ideológicos”? Aqui o erro ocorre tanto entre cientistas “da sociedade” e de “humanas” assim como ocorre com “religiosos”.
            Em primeiro lugar, a relação entre ciência e política não pode reduzir ações de certa “Prática” a de “Outra”. Portanto, um teste de correlação entre cianobactérias e Zika pode ser relacionada à microcefalia no Nordeste do Brasil, mas isso não se resume a “uma prática política”. Na verdade, a “política” está no financiamento, OU NOS CORTES de financiamento para pesquisas científicas. Mas e a “ideologia”?
            Bom, normalmente a Ciência só é considerada ideológica quando ela atinge ideias “morais” e “normas” sociais. Mas cianobactérias e Zika vírus pode afetar “normas sociais” e “morais”. A princípio não. Eis a questão. Então a “ideologia” se desloca, seguindo esse raciocínio, para ciências que lidem com “normas sociais” e a “moral”. Como esse é o campo que é assumido como o da “família”, da “Educação”, e da “cultura”, “da Política” então o confronto é claro: “religião e ideologia” se opõem.
            O segundo modo de a “ideologia” aparecer “conectado” com a Ciência, é quando a Política de financiamento E DE CORTES defende “prioridades” sobre ONDE E COMO SE INVESTIR. Como a religião está com as áreas da “cultura”, “da educação”, da “moral”, então a Ciência é reduzida à ideologia quando ela se opõe a esses assuntos, ou quando áreas, por exemplo, como a Saúde, desenvolve resultados de pesquisa que indiquem que políticas públicas, como a de Saneamento e de Meio Ambiente, precisam ser realizadas em prol de melhorias ignoradas pela política.
            Vê-se, assim, que a ideologia se conecta com a Ciência da seguinte maneira: “ideias” que representam interesses, “normas” e “valores” direcionam as áreas de desenvolvimento científico, fechando setores e abrindo ou investindo em outros. Isso acontece normalmente com as Ciências “no meio do caminho”, aquelas que são consideradas “da Natureza” ou “ciências duras”. Digo “no meio do caminho” em relação a um campo de disputa entre “religião” e “ideologia”. Sei que aceitar essa oposição é um equívoco: mas para quem? Eis a questão: para certos grupos, os religiosos, a “ideologia” é “Outra coisa”, “outras ideias”; para opositores, “a religião é só outra forma de ideologia”. Por isso, é como se a ciência não-social e “não-humana(s)” estivesse, atualmente, em disputa, com o Governo puxando de um lado, reclamando da Ideologia; e a Oposição, puxando do outro lado, reclamando da motivação religiosa por trás da Ciência...
            Aqui, finalmente, é onde vemos uma simetria: ideologia e religião são produzidas por “ideias” e “valores” diferentes. No primeiro caso, a ideologia normalmente está associada a um a história em que a Ciência, primeiramente, se opôs ao pensamento Religioso e ao poder da Religião na Política. Por isso se fala tanto em “Estado Secular”. De outro lado, a Religião aceitou a Ciência, não sem resistência, pois por exemplo, falar em Evolução das Espécies, de DNA, de Reprodução sexual, Heliocentrismo, são coisas que precisaram de gerações e gerações para serem reconhecidas (algumas delas nem são aceitas por alguns cientistas, por exemplo). No entanto, as coisas pioraram quando ocorreu a secularização e uma força contra toda “crença” não científica e, portanto, “religiosa” da sociedade. Mais ainda, quando as Ciências Sociais e Humanas, bem como a filosofia de outrora, começou a se opor ao pensamento religioso e, curiosamente, às ideologias falsas ou “falsos ídolos”, então chegamos ao estado de “coisas” atuais: de conflito entre religião e ideologia no qual a ciência vive em um suplício medieval, quase que sendo esquartejada pelos dois lados da moeda (basta ver o que Bolsonaro falou na ONU e o que Jessé de Souza Martins disse em entrevista recente). Sim, a ciência tornou-se um “significante” (“palavra”) em disputa.
            Por último, vos digo: a prática política é, no final das contas, essa relação de poder final, em que as “ideias” que possuem mais “força” para se fazer “práticas” vencem. Portanto, não acho arriscado concordar com certo pragmatismo segundo o qual a “crença” e a “confiança” que mantém a “crença” é que definem “como fazer política... e ciência”.
           



segunda-feira, 23 de setembro de 2019

DICAS SOBRE UNIVERSIDADE II - SOCIOLOGIA NÃO É ANTROPOLOGIA!

Ciência, Sociologia e Antropologia. GB 2019.

Tendo me formado em Recife, acreditava que Antropologia era “igual” à Sociologia. Decidi, do mestrado para o doutorado, passar da segunda área para a primeira. No entanto, as ciências “irmãs” não eram nenhum pouco semelhantes. Era uma ilusão conveniente acreditar nisso.

PRIMEIRO ENGANO: eu havia ouvido que as diferenças eram “caprichos” institucionais ou de departamentos. Errado. Esse foi o primeiro engano a ser desfeito. Com a disciplina/cadeira de História da Antropologia e também com ETNOLOGIA Brasileira, você meio' que descobre que a área da Antropologia é bastante DIFERENTE da área de Sociologia. Na Antropologia existe um amplo e antigo debate sobre ETNOGRAFIA, ETNOLOGIA e Antropologia. Autores como LÉVI-STRAUSS e TIM INGOLD já falaram bastante sobre o assunto. Porém, tendo cursado o mestrado em Sociologia, descobri em Métodos Qualitativos de Pesquisa Social, que ETNOGRAFIA na Sociologia perde toda sua “riqueza” e “problemática”, tornando-se “apenas” um “método de pesquisa” (o que é uma ofensa para uma etnógrafa como MARIZA PEIRANO ou a não menos famosa MARILYN STRATHERN).

O SEGUNDO ENGANO a ser desfeito foi sobre METODOLOGIA. Na Antropologia tenho observado professoras e livros [LIVROS AGEM] defendendo uma metodologia que “nasce” da relação do observador com seu campo e que, portanto, a objetividade se constituiria de maneiras “incomuns” para outras áreas. Tendo passado pela Sociologia, mas fazendo pesquisa de campo na área de Saúde, com ENTOMOLOGISTAS, tive o privilégio de “sair dos gabinetes” e pude observar  como a metodologia era empregada no laboratório; como eu mesmo, Sociólogo, a empregava; e como a Antropologia utiliza metodologia. São formas muito distintas de fazer ciência – Max Weber, então, foi bem sucedido ao não reduzir as Ciências Humanas e Sociais ao mesmo método “matemático” das Ciências da Natureza. É por isso, aliás, que fiquei profundamente incomodado com a entrevista de Jessé de Souza Martins, quando ele afirma que o problema das Ciências Sociais foi perder a “objetividade” e o “rigor metodológico” deixando-se levar por “ideologias”.

O TERCEIRO ENGANO é, na verdade, uma coisa que venho observando ao longo desse ano: escolher antropologia e sociologia ao mesmo tempo, para aumentar as chances de conseguir acesso ao doutorado. Eu mesmo fiz isso. Não estou, por outro lado, julgando as razões e os motivos para isso. Apenas queria registrar que essa postura pode dar bem errado. No meu caso, esse engano ocorreu com meu “primeiro choque”, quando um amigo disse, “etnografia não é (apenas) campo” (ou algo assim). O segundo choque veio durante a banca, quando uma antropóloga demonstrou certo incômodo com a minha “metodologia ter ‘pesado’ a mão em métodos quantitativos”! De fato, não estávamos mais na Sociologia. As semelhanças começavam a se desfazer...

Tive a oportunidade de escrever um artigo com um professor. Esse foi outro choque! Na Antropologia existe uma problematização muito forte sobre o papel da escrita e da relação entre o observador e seus “nativos”. Apesar de isso não ser incomum à Sociologia, a questão da “escrita” e do “lugar de fala” estão intimamente relacionados de modo que um sociólogo ou socióloga simplesmente demoraria para se “acostumar”. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando escrevi o texto com o professor, pois, no final, ele era “meu nativo”. Ou seja: ele era co-autor, mas também “objeto” de análise, já que eu me propus a escrever sobre as aulas como rotinas de aprendizagem e, ao mesmo tempo, sobre a relação entre percepção, experiência e “ontologia”. Resultado: a escrita e “o lugar de fala” me deixaram confuso: pois a escrita não era mais aquela atividade “solitária” e “autossuficiente”. Era preciso “deixar” que o outro modelasse o texto de um modo que eu, habitualmente, não faria.

Finalmente, a ilusão conveniente se desfez com a experiência de me especializar na Sociologia e, depois, ir para a Antropologia. A cada aula vou percebendo mais e mais essas diferenças. Quando era da graduação, eu não conseguia compreender essas diferenças. Isso é válido porque eu preciso lembrar que não se trata apenas de assistir aulas de diferentes cadeiras, mas sim porque eu tenho como tema de pesquisa a contribuição de Antropólogas/os no combate à epidemia de Zika e, por isso, eles e elas são meus “nativos”. Isso é algo que tem sido chamado de “meta-Antropologia”. Prefiro chamar de “Antropologia Simétrica”; mas o “meta” também faz sentido. Além disso, quem sabe se esse termo (“meta”) não se torna uma maneira pragmatista de “escolher entre diferentes antropologias” com base na ideia daquela “que mais serve” para “determinado fim” [assim se definiria o pragmatismo de William James].

 Então, o que eu diria para encerrar e pensando em pessoas que estão terminando a graduação e estão em vias de confeccionar suas monografias, é que existem diferenças fundamentais esses dois campos e, portanto, a escolha entre Sociologia e/ou Antropologia não deve ser diminuída, porque isso poderá modificar sua metodologia completamente. Assim, por exemplo, alguém que anda com dificuldade para escolher um tema de pesquisa ou objeto pode, muito provavelmente, está, na verdade, meio “travada” ou “travado” porque não definiu ainda qual campo escolher, se Sociologia ou Antropologia.
Infelizmente há um outro ponto que não posso esquecer: quando você quiser confeccionar um projeto para essas áreas para seleções, mostre para alguém da área antes de submeter. Eu fiz dois projetos ano passado: mas cada um eu mostrei para diferentes amigos das duas áreas e, claro, apesar de um eixo, a teoria que eu escolhia estava ligada a um debate tanto em Sociologia quanto em Antropologia, então ao menos isso não foi um problema; já a metodologia, ainda “carregada” pela minha formação em Sociologia, não agradou muito a banca. O mesmo aconteceu quando tentei História há uns três anos atrás. Não gostaram da teoria nem da metodologia! Resultado: foi minha pior entrevista de seleções.

Mas é isso... vivendo e aprendendo. Escrevi esse texto motivado a compartilhar informações e experiências com pessoas que tenho visto ter problemas para concluir suas graduações, assim como aquelas que têm tentado seleção de mestrado e doutorado nessas áreas. Porém, acima de tudo, escrevo para desfazer a ideia de que essas ciências são “irmãs”. Elas até podem ser “irmãs”, mas não são siamesas...








domingo, 15 de setembro de 2019

DICAS SOBRE UNIVERSIDADE I - ESCRITA


Tente fazer o que gosta!!!*
Escolha temas de pesquisa COM OS QUAIS VOCÊ tem afinidade.
Encontre pessoas que te AJUDEM, ninguém faz tudo só.

Escolha METAS e as divida em PEQUENAS ETAPAS. Um passo de cada vez.
O RESULTADO VEM DEPOIS, então não pense se vai ou não conseguir.

Essa semana fui ler um antropólogo chamado Roy Wagner, em outro idioma. A professora avisou: "difícil"... Li um pouco e "chiii, era mesmo". Primeiro passo, mudei a tática: ao invés de ler noutro idioma para pegar mais vocabulário, traduzi tudo logo no velho google e fui comparando com o texto original.
Depois fiz o seguinte: peguei uma resenha do livro que estava por trás do artigo que eu deveria ler (A invenção da cultura). Baixei uma entrevista dele na qual ele explica seus principais conceitos (sorte que tem).
Finalmente voltei pro texto. Resultado? O que era difícil se tornou acessível, porque me familiarizei com o autor.

As pessoas costumam esquecer que em Ciências Sociais, mas não somente, a metodologia é muito importante na hora da escrita também e, por isso, nessa hora, só se lembram das teorias e conceitos e dos resultados que querem alcançar. O que eu indicaria: leia manuais de metodologia de pesquisa. Não tem segredo. Além disso, igual que nem' o começo desse texto, junte essas leitura com "temas que VOCÊ GOSTA, com os quais têm afinidade" e, mais e muito importante, procure PESSOAS QUE PODEM AJUDAR.

Ninguém nasce sabendo. Estar numa área e gostar de certos assuntos mais que outros ajudam você a escolher melhor, mas sempre é importante poder contar com outras pessoas nesse processo.

Na minha graduação duas pessoas foram muito importantes, orientadorxs, que me ajudaram muito a escrever. Mas no passado, outras pessoas me ajudaram muito e, no final, minha escolha por ciências humanas veio se formando com ajuda de pessoas da área.



Gostaria de ter tido mais humildade para poder ter corrido atrás de ajuda antes. Mas é assim mesmo, bença.

MAS SE NÃO ESTÁ CONSEGUINDO, dê um tempo pra si mesmx. Ajuda Profissional também é muito importante. Conheci muita gente que passou muito tempo sem conseguir. Outras que conseguiram buscando terapias holísticas o a boa e velha Psicologia.

Mas é isso. Estamos sempre nos adaptando a nossas escolhas e descobrindo vocações. E, como sociólogo, não posso esquecer de lembrar de como nosso cenário político-econômico-social nos afeta.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Sobre ideologia e ciência: sobre posicionamento político e metodologia científica


            Qual a melhor moldura para seu quadro: posicionamento ou ciência?*

            Se me perguntas o que é ideologia, tenho que te perguntar em resposta: de quem?
            Se respondes decepcionada: "não me respondestes", terei então que escolher, indeciso, se narro a história do termo – a filosofia e a história fazem isso melhor que minha área: a primeira poderia “pegar” o termo e discutir seus significados, sua história em parte, como já fez Marilena Chauí; a história, o que dizer? Ela poderá situar a ideologia em seus contextos históricos, dizendo o que estava em jogo, quem a criou, como se difundiu, quais os elementos inconscientes ou não tão evidentes que apenas a leitura das fontes históricas não seriam suficientes, pois a historiadora faz parte da construção do conceito assim que decide também fazer escolhas buscando a metodologia científica para pesquisar o assunto.
            Sociólogo de formação, te diria então que a situaria na sociologia e como ela fez parte desta área. Nascendo antes de Karl Marx, mas por ele apropriada, ela significava inicialmente uma “ideia falsa” que ignoraria as relações sociais reais entre a classe que extrai da natureza os bens materiais que mantém as forças de produção de toda a sociedade. A classe dominante, na estrutura de classes, que seria a proprietária dos recursos de trabalho e da produção da “riqueza material” produzida pela classe trabalhadora produziria a ideologia a seu favor. Assim, a ideologia dominante seria a da classe dominante, que precisaria inventar “ideias falsas” para enganar a classe trabalhadora para que ela acreditasse que o sistema social era justo. Não vou me alongar noutros significados desenvolvidos por Marx (e mostrarei que essa escolha apaga outras).
            Encaixando essa imagem em minha “moldura”, em minha narrativa, eu continuaria e diria que, se uma classe é dominante, então ela cria a ideologia (ideia falsa) que sustenta a organização da sociedade e, portanto, que está por trás da ciência. Assim, a ciência seria uma atividade mantida pela produção da classe trabalhadora, mas na ideologia burguesa, dos patrões, que dominam a política com sua ideologia, então a ciência estaria dominada pela ideologia burguesa. Essa conclusão não é apenas “lógica”, ela foi utilizada por socialistas e pensadores/as de esquerda para criticar toda a ciência produzida que não fosse voltada para a “luta de classes”. Resultado: o que os EUA produzia, era criticado pela esquerda. Se outros dois clássicos da sociologia “tradicional” criticavam Marx, então eles estavam a favor da burguesia e contra a classe trabalhadora.
            Nesta linha de raciocínio, assistimos no Brasil o desenvolvimento da ciência e das ciências sociais. Curiosamente, o governo atual taxa tudo que se opõe a sua visão de mundo, seus valores e, em última instância, a ciência que não faz parte dos ideais governistas, como ideologia. Ironicamente assistimos a inversão na história de quem utiliza o termo ideologia para acusar seus inimigos de terem “ideias falsas” (ideologias).
            Marx, como profeta, dizia que a história acontece duas vezes, uma como tragédia, outra como farsa. Com o governo bolsonaro, acontece os dois: a tragédia e a farsa de utilizar as ferramentas do marxismo, a concepção marxista de ideologia, contra comunistas, e contra todos classificando-os de ideólogos. Não se enganem, Marilena Chauí nos lembra que quem primeiro usou (“reza a lenda”) e  quem primeiro “distorceu” o termo ideologia, que seria inicialmente uma ciência das ideias, chamando seus opositores de ideólogos, foi Napoleão Bonaparte.

            Metodologia científica e posicionamento político

            Já vimos que no passado, o posicionamento político entre cientistas sociais estava contra a sociologia clássica não marxista e a sociologia dos EUA. Elas seriam ideológicas. Portanto, como certos sociólogos andam dizendo, não ler textos de outros autores não é uma coisa pós 1964 e da nova geração de cientistas sociais.
Agora, o que está em questão é metodologia (mais à frente falo de posicionamento de novo). Basicamente, como as ciências sociais vieram historicamente depois de ciências como a física, a química e a biologia, por exemplo, que se baseavam na matemática para suas práticas metodológicas, as ciências sociais não fizeram diferente. Aliás, fizeram. Na França, onde oficialmente a sociologia se tornou oficial, esse método baseado na matemática e, claro, em experiências, foi utilizado pelas ciências sociais; na Alemanha, outra interpretação tentou desenvolver um método próprio, e não baseado em Karl Marx, pois seu método tinha uma mistura de filosofia com história e matemática (método dialético), às vezes até chamado de antropologia filosófica, e esse método alternativo a Marx era baseado numa sociologia que entendia que deveria tornar compreensíveis os fenômenos humanos, pois pessoas não são como animais selvagens, florestas e plantas, ou compostos químicos e ondas de magnetismo e eletricidade.
Historicamente, no entanto, o primeiro método, mais “matemático” foi o que vingou no Brasil, justamente na USP, que oficializou às ciência sociais no Brasil. No Nordeste, existia Gilberto Freyre e outras pessoas tentando fazer uma ciência mais próxima ao cenário brasileiro, defendendo uma metodologia mais “raiz” e menos “nutella”. Mas, isso não aconteceu. Na segunda metade do século XX, porém, não foi apenas no Brasil que o primeiro modelo, que podemos didaticamente classificar de positivista, “deu errado” nas ciências sociais. O segundo método, defendido pelos alemães, começou a ganhar a força.
Na mesma época, o marxismo como um posicionamento político e científico, começou a declinar, principalmente após a Queda do Muro de Berlim (1989). Ao mesmo tempo, novos movimentos sociais, como o feminismo, o pós-colonialismo e movimentos antirracismo estavam defendendo posicionamentos políticos contra a ciência “ideológica”, pois o método matemático não garantia que a ciência, quando contextualizada social, cultural e historicamente, não fizesse parte das dominações. Notar que desde Marx que esse “mecanismo acusatório” já era empregado para denunciar a ideologia burguesa por trás da ciência.
Então, novamente, a pulsão, a repetição: a ciência era escrava da ideologia. O posicionamento político definia qual ciência ler e qual ciência praticar. E aqui, não estamos diante de nenhuma “inversão” ou “novidade”, estamos diante de uma prática se repetindo, mesmo que, claro, não possa se reduzir a ser cópia do passado. Apenas vemos as coisas acontecendo de maneiras semelhantes. Nosso erro foi se esconder como gatos, deixando a calda de fora. Não, não há novidade aqui.
A metodologia científica varia. Varia conforme objetivos, dados que se devem colocar, perguntas que se devam compartilhar, consensos que se devem manter ou substituir. A ideia de uma unidade científica é um mito. A ciência varia entre áreas, também. E aqui, vem uma coisa que julgo muito importante: nas ciências sociais, e aqui me refiro apenas à sociologia e à antropologia, método e objetividade são coisas quase que totalmente diferentes. Digo isso porque saí do mestrado em sociologia e entrei no doutorado em antropologia jurando que era a mesma coisa e levei uma tapa na cara. Portanto, culpar o Brasil e às ciências sociais por deixar a sociologia perder seu método e cair na ideologia é um absurdo e, salvo os posicionamentos, formações, e intenções, é falar com outras palavras o que o bolsonarismo vem fazendo.
            O que precisa ser esclarecido é que ciência e objetividade são coisas relativas. Principalmente nas ciências sociais. Buscar objetividade científica não é um caminho errado, do contrário não se estaria fazendo ciência; mas existem formas alternativas de se fazer isso. Por outro lado, reduzir a ciência não apenas à ideologia, mas deixar de ler algo porque não vai de acordo com meu posicionamento político é, sem sombra de dúvida, o mesmo que a religião fazia no passado, dogmatismo (e hoje, assim como o bolsonarismo). E sim, isso é onde cientistas sociais e de humanas perdem, pois sinalizam para o bolsonarismo que só se faz ciência ou com um posicionamento ou com outro. Quem perde? A ciência. E a quem a ciência tem o dever de beneficiar? A todos e todas. Combater os interesses políticos que decidem quem financia, quem faz política social, quem se beneficia do desenvolvimento tecnológico, por exemplo (agronegócio ou agroecologia e orgânicos?), é só um de tantos interesses por trás da ciência. É por isso, aliás, que as coisas precisam ficar claras: fazer ciência pode ser fazer política com outros meios, mas ciência e política são práticas específicas, apesar de interdependentes. Do contrário, não haveria diferença entre fazer um carro ou uma estrada e fazer um decreto ou uma lei. Não, definitivamente não se pode fazer o mesmo que o governo faz ao reduzir as ciências humanas e sociais à “doutrina” e à “ideologia”.

P.S. Eu te amo. Ops: essa é só uma leitura possível. Portanto, descarte esse texto. Mas pesquise diferentes fontes confiáveis. Defender sua posição é esconder outras é, justamente, anticientífico.

Texto escrito como crítica a uma entrevista recente de Jesé de Souza Martins. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/592388-os-sociologos-distraidos-e-a-invasao-ideologica-nas-ciencias-sociais-entrevista-especial-com-jose-de-souza-martins?fbclid=IwAR0toJenLKI2-AE_HGbkcK5lqGTUThQGeZ2JXon68RibKJQ8af9KMmfKyDo

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Vírus Zika e microcefalia: como fazer ciência (s) no Brasil de hoje?


A matéria "Estudo identifica fator ambiental evitável que intensificou efeitos da zika, como microcefalia" foi comunicada em setembro deste ano, dia 3. Há anos, todavia, cientistas da área de Saúde em geral vêm buscando responder por que mulheres do Nordeste foram as mais afetadas pela microcefalia.
Com um pouco de pesquisa histórica, compreendemos que o problema do saneamento básico - ressaltado na matéria em questão - é muito antigo e, como a área de entomologia nos ensina, é um problema que afeta diretamente a relação entre doenças, meio ambiente e pessoas.
Na matéria, uma bactéria presente em abundância nas águas do Nordeste foram consideradas como um tipo de "aliadas" da Zika, pois aumentavam os efeitos degenerativos no cérebro. Portanto, a bactéria, a Zika e saneamento básico precário são associados e nos dizem que 88,4% das mulheres afetadas pela Zika eram do nordeste brasileiro vítimas da falta de uma gestão ambiental de saneamento básico".
Como cientista social, o que encontramos em adição a essa correlação que passa pela história e pela entomologia, é uma nova ligação: entre saneamento, "sobrados e mucambos", entre, finalmente, pobreza e doença. Ouvi, certa vez, uma pesquisadora que estudava Zika dizer que gostaria de ver dados que confirmasse a correlação entre a Zika e as mulheres negras, por exemplo, pois faltavam os artigos.
A ciência, como se vê, demora, às vezes, para comprovar com sua metodologia e distintas técnicas, aquilo que a sociedade "já sabia", mas que não tinha cientistas como porta-vozes que falassem por eles e elas; a não ser antropólogas e sociólogas que etnograficamente vinham estudando essas diferentes realidades, como a famosa Débora Diniz, que precisou sair do Brasil às pressas sob ameaças a ela e sua família.
Enfim, agora temos os dados de diversas áreas científicas entrando em harmonia; basta saber agora como continuar fazendo ciência no Brasil diante do desmonte da Educação e da Ciência que vem sendo feito pelo Governo Federal.

Duas religiões econômicas no comércio

 - Terminei. Vamos? - Diz minha pequena. - Posso ir ao banheiro? - Diz minha segunda pequena. Alguns minutos depois, caminhamos sobre o asfa...