sexta-feira, 26 de julho de 2019

Etnografia como agência e ampliação perceptiva




Gabriel Ferreira de Brito – PPGA

GB 17 jul 2019.
Neste texto, objetivo realizar uma comparação sobre etnografia em duas autoras e um autor: Mariza Peirano, Marilyn Strathern e Tim Ingold. Tal comparação tem como objeto textos que fazem parte da ementa da cadeira de Etnografia, ofertada no primeiro semestre letivo de 2019 como cadeira eletiva na Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco. Como resultado, espero demonstrar a agência hermenêutica dos autores mencionados/as. Em conclusão, sugiro que a discussão sobre o que é etnografia devia ser encarada como um exercício constante de ampliação de nossa percepção sobre o que entendemos sobre ser humano a partir de outras percepções.

Introdução
            O método de seleção e análise foi prático, pois eficazmente já utilizado anteriormente e se constitui como análise documental das mais elementares, na medida em que não abandona os rudimentos de tal tipo de análise (SÁ-RODRIGUES; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). Com prático, queremos dizer que seguimos as seguintes etapas: leitura “flutuante” ou geral dos textos; em seguida, os textos foram fichados em um arquivo em separado; depois disso a análise classificatória dos textos com base no tema proposto (etnografia) gerava um resultado, um produto textual. Desta feita, na primeira parte, apresento algumas definições de etnografia em Peirano; em seguida passo para Strathern; por último, comento Ingold. Em conclusão, apresento algumas comparações e proponho uma nova abordagem sobre o tema.

Etnografia: teoria viva
            Conforme texto lido e interpretado em debates em sala de aula, isto é: A favor da etnografia, neste momento, apresento a réplica (ficcional) de Peirano a um artigo escrito por um, à época, jovem australiano chamado Nicholas Thomas (Against ethnography). O pressuposto da autora, mencionado na introdução do livro é de que o desenvolvimento de disciplinas acadêmicas ocorre de maneira eficaz nos constantes confrontos, sejam com contemporâneos sejam clássicos (PEIRANO, 1995).
            É notável que no texto Peirano pareça associar sempre a etnografia ao trabalho de campo. Ela assim o faz, como veremos, devido à crítica ao “excesso” de produção de etnografias. Mas para seguir sua exposição, é preciso situar de onde parte sua crítica. Por isso, é necessário esclarecer que Peirano interpreta a própria interpretação de Thomas que sustentaria seu argumento sobre uma comparação entre passado antropológico (positivista) e presente (interpretativista) – e assim, para este autor, a quem Peirano situa na esteira pós-moderna, o presente teria produzido um excesso de etnografias (daí ele falar em pós-etnografia) deixando de lado a capacidade de propor teorias antropológicas como dantes (com a ressalva de que não se estaria propondo mais uma nomotética positivista).
            Peirano resgata Malinowski e, especialmente, Evans-Pritchard, para demonstrar que, como este último considerava a antropologia como uma tradutora, diferente do primeiro, a etnografia então seria um meio pelo qual a teoria antropológica se desenvolveria. Isso aconteceria pelo desafio que o antropólogo encontraria quando conceitos de senso comum confrontariam teoria e campo com os conceitos nativos. Dito de outro modo, Peirano coloca, nesta passagem, a etnografia como subsídio para a teoria antropológica. Mais à frente (1995, p. 42, 43), Peirano diz que a etnografia seria uma espécie de experimento. Ora, deduz-se que se a antropologia fornece as bases, o experimento então seria a ferramenta de teste em que a teoria seria posta à prova.
            É ainda no mesmo sentido que Peirano (p. 49/52) afirma que toda etnografia deveria sustentar re-análises e, mais ainda, que esse seria um critério de qualidade antropológica. Vê-se, assim, que o pressuposto da autora não é negado. Isto é: ela disse no início que o bom desenvolvimento de disciplinas acadêmicas se desenvolveria com o constante confronto com os contemporâneos ou com os clássicos. Então ela não se contradiz. Pelo contrário, mantém-se fiel a sua ideia inicial e, concordamos, demonstra que na antropologia, a etnografia aparece, justamente, como um exercício de confronto constante entre o que já foi dito, entre o que se diz, e entre o que se encontra a cada experimento etnográfico. O que, por outro lado, é ir contra o autor de “Against Ethnography”[1].
            Por último, neste ínterim, talvez caiba uma breve problematização sobre “o contexto”. Mas qual contexto? O da aula, da ementa e da participação. E aqui, quem sabe, também apareça a questão da escrita e do campo. Ora, se a ementa enquadra a discussão, mas não a esgota; e se as aulas de Etnografia podem ser encaradas como um momento em que informantes (docente e discentes) eram objeto do antropólogo (eu), mas se o antropólogo era também parte do campo, cabe então pensar na inclusão de outro texto a partir do antropólogo-informante (eu), sem esquecer que, neste caso, o leitor é outro informante (o docente ministrante da cadeira). Desta feita, trago então o texto de Peirano que encerra a definição da autora sobre etnografia – que é o que nos interessa.
            Se “A favor da etnografia” é um texto da década de 1990 e no qual Peirano fala da relação entre teoria (antropológica) e etnografia (meio para por em conflito a teoria e o campo), em “Etnografia não é método”, podemos encontrar uma mudança na própria definição de Peirano para a etnografia. Em tal texto (2014), a autora defende a etnografia como uma teoria vivida. Notar: ela não nega que a etnografia seja um meio para a teoria, mas agora incorpora um sentido adicional, pois desloca a teoria para o campo e, mas ainda, traz o campo para dentro do antropólogo ou antropóloga (PEIRANO, 2014, p. 3). Assim, a autora então expande o que se entende por etnografia. E esta expansão é que abre espaço para aproximá-la a concepção de etnografia de Marilyn Strathern (2014)[2], ao mesmo tempo em que a afastará de Tim Ingold (2012; 2015; 2016;), como veremos mais à frente.

O efeito etnográfico
            Para a antropóloga britânica Marilyn Strathern, após os anos 1990, a famosa separação entre campo e gabinete parece ter passado por uma transformação em que o tempo passou a importar mais do que o local geograficamente situado do campo e da escrita. Com a noção de tempo, a antropóloga se refere mais a questão de “isolamento ou separação” (STRATHERN, 2014, p. 345) em relação ao campo espacialmente dado. Neste sentido, para ela, a imersão se torna um fator decisivo para se pensar na etnografia, e não mais a questão do espaço. Mas desta relação, o etnógrafo teria sempre em mente a atividade de escrita[3].
            Outro aspecto interessante relacionado ao campo é o seu caráter duplo. Isto é: para Strathern (2014), o campo físico gera efeitos sobre a escrita, e esta re-cria o campo, mas o efeito é, portanto, de mão-dupla, pois um está atuando sobre outro. Além disso, se o campo é “duplo”, a escrita pressupõe uma perda, pois não é possível que a escrita esteja em conformidade completa com o outro[4].
            É seguindo no mesmo caminho que Strather enfatiza a questão do momento etnográfico (2014, p. 350). Para ela, se a imersão não se resuma a presença em um campo, mas também ao efeito “retroativo” em que durante a escrita ocorra novamente a imersão, então teríamos duas relações operantes. A primeira parece girar em torno da “tração” entre o observado em campo e a própria trajetória (conhecimento) utilizada para a análise, resultando na percepção do/da etnógrafo/a entre o que provém de cada lado desta relação. A segunda é o processo de envolver esses dois lados, chamado de momento etnográfico.
            Numa passagem clássica a autora diz que tal momento é o de junção entre o que é entendido com a necessidade de entender (2014, p. 350). Assim, o momento etnográfico não aparece como simples relação de sobreposição, mas como uma relação bastante específica devedora da imersão (escrita e campo). Além disso, esse momento é também um “artefato da análise” (p. 357). E, aqui, Strathern parece se aproximar, novamente, de Peirano, quando aquela defende a etnografia como uma teoria em ação (PEIRANO, 2014).
            Retomando o eixo principal deste artigo, a etnografia, parece pertinente notar que Strathern não se propôs a distinguir a etnografia da antropologia. Há diversas passagens que um termo para substituir ou ser sinônimo do outro (STRATHERN, 2014, p. 353/4/5/6/61). Mas há um momento específico em que a etnografia parece paradoxalmente ser função daquele que vai ao campo; enquanto a da antropologia, a que está no gabinete:

Nesta última porção do século xx, os antropólogos são tão conscientes do aparecimento e do desaparecimento das formas sociais quanto o eram em seu início. Esta é urna das razões para eu não pedir desculpas pelos movimentos comparativos que fiz aqui (ajustando a exposição conjunta da Papua-Nova Guiné e da Grã-Bretanha ou, mais precisamente, da Melanésia e da Euro-América concebidas pela etnografia)... (STRATHERN, 2014, p. 367).

            Por outro lado, diante do que já se expôs aqui, Strathern não restringe a etnografia ao campo; mas parece fazê-lo com a antropologia em relação ao “gabinete”. Por isso, parece apropriado dizer que apesar de não resumir a etnografia a “mera” descrição de outros povos, ela estaria indissociavelmente ligada ao que, em nosso senso comum, entendemos como “pesquisa de campo”.

Chega de etnografia

            Chegamos, por fim, à definição – notavelmente polêmica – de Tim Ingold. Sua estratégia mais recente foi de distinguir a etnografia da antropologia e, também, da observação participante. Mas ainda há quase uma década, Ingold definia do seguinte modo (apenas) etnografia e antropologia:

O objetivo da antropologia, creio eu, é buscar uma compreensão generosa, comparativa, mas, nada obstante, crítica do ser e saber humanos no mundo que todos habitamos. O objetivo da etnografia é descrever as vidas de outras pessoas além de nós mesmos, com uma precisão e sensibilidade afiada por uma observação detalhada e por uma prolongada experiência em primeira mão... (INGOLD, 2015[2011]. Grifos meus).

            Mais recentemente, Ingold (2016) tem sido mais ácido em sua crítica as semelhanças entre etnografia e antropologia. Retomando sua comparação entre esses campos e da observação participante “entre eles”, o antropólogo britânico tem proposto um afastamento mais radical entre eles. Inicialmente o antropólogo associa etnografia ao seu produto final, um documento. Ao fazê-lo, está enfatizando que não é qualquer encontro com outras pessoas ou qualquer aprendizado com outros que faria algo ser considerado etnográfico (se o fosse, então estar em sala de aula enquanto professor de etnografia seria fazer etnografia! (INGOLD, 2016, p. 406). Para ele, a etnografia se concentra nessa tarefa ulterior de escrever sobre outros povos.
            Em seguida, Ingold afirma que etnografia e trabalho de campo não são sinônimos. De um ponto de vista lógico basta dizer que se Ingold distingue etnografia de observação participante, então nem um nem outro se resumiria ao campo. Em acréscimo a sua separação, poderíamos pensar em pesquisas de outras áreas em que se aplicam questionários e se entrevistam pessoas de determinado lugares: salas de aula de Agronomia (BRITO, 2016) ou Laboratórios de Entomologia (BRITO, 2019), por exemplo. Ora, o trabalho de campo não era sinônimo de etnografia, os fins eram outros, afinal. Segundo Ingold (2016, p. 407), o campo só emerge quando se sai dele; mas o mesmo não ocorreria com a etnografia. Então campo também não significa realizar observação participante, ao invés, implicaria em um estar com o outro no mundo, em correspondência e em contemplação. O que ele chama de compromisso ontológico.
            Por outro lado, etnografia aparece como a tentativa de elucidar o mundo da vida do outro (INGOLD, 2012, p. 408). Assim, de um só golpe, etnografia não pressupõe o compromisso ontológico (ou a correspondencia entre o antropólogo e seus informantes) – que seria prerrogativa da observação participante; nem seria um aprender e educar, presentes na antropologia. Seria, ao invés, um “compromisso” retrospectivo em que o etnógrafo descreve (elucida) o mundo da vida do outro. Mas resta saber, por fim, se etnografia seria um método para a antropologia e outras disciplinas. Deixemos que o próprio Ingold responda:
           
[...] Enquanto ofício que envolve escrever sobre as pessoas, a etnografia sem dúvida tem seus métodos, como sugerido por Mill. Mas que ela seja um método, aplicado com vistas a uma finalidade maior, é algo altamente questionável. Argumenta-se firmemente na negativa. A etnografia tem, decerto, um valor em si mesma, e não por ser um meio para algo que está além dela...(2016, p. 409).

            Em conclusão sobre esta última interpretação sobre etnografia, cabe dizer que a etnografia não é considerada um método. Ela aparece como algo específico, independente e que, claro pode servir à antropologia e outras disciplinas na medida em que os documentos produzidos por ela podem subsidiar análises sobre, justamente, esses modos de vida descritos pelo/a etnógrafo/a. Além disso, se ela não é método, nem se confunde outras áreas, então classificar cada etapa de outras pesquisas (ida a campo e escrita, momento etnográfico, deslumbramento etc., (STRATHERN, 2014); ou “teoria em ação” (PEIRANO, 2014) seria, nos termos de Ingold (2016), esquizofrenia. Para ele, fazer teoria seria justamente retornar as propostas originais da antropologia.
           
Considerações finais
A análise comparativa de três proeminentes especialistas na etnografia deve causar vertigem a um aspirante à etnografia. Isso parece também indicar distinções institucionais e regionais. Todavia, tanto ficar preso aos textos ora lidos, em vertigem, ou nos resumir a uma evasiva sobre regionalidade e produção do conhecimento ignoram outros aspectos que parecem também importantes.
Parece que os/as autores/as mencionados/as possuem certos elementos em comum, mas as oposições, principalmente com Ingold, provocam nossas definições tradicionais sobre etnografia. Todavia, se nos aproveitarmos de alguns dos argumentos até agora analisados, poderemos produzir uma nova interpretação. Tal exercício parece válido na medida em que não apenas os distingue ou os aproxima, sendo apenas mais uma interpretação, mas sim porque traz o que há de mais comum entre eles: a hermenêutica e a agência.
Peirano parece ter sido bem atenta a questão do movimento comum tanto ao desenvolvimento de disciplinas, entendendo sua não perenidade conceitual como virtude. Strathern nos trouxe a ideia da reificação resultante do momento etnográfico, apontando para a ideia de que tal momento produz um artefato textual. Não muito diferente, Ingold nos disse que a descrição sobre o modo de vida dos outros produz um documento ulterior (artefato textual?). Ao mesmo tempo, Ingold falou sobre a observação participante como uma correspondência, um compromisso ontológico e, sobre antropologia, trouxe sua importância como prática educativa sobre modos de ser e de conhecer. Tudo parece apontar, apesar das nuances e diferenças, para a ideia de que estamos diante de um consenso sobre movimento e fluxos em que a prática antropológica e etnográfica se dão. A grande questão é se Peirano e Strathern estão atentas a diversos “momentos etnográficos”, Ingold os desconsidera (e curiosamente o faz alegando justamente que o momento de salas de aula não seria um “momento etnográfico”). Para ele, parece que a etnografia se restringe “ao modo de vida dos outros”, nunca ao nosso. Ao pensar desse modo, ele mantém seus pressupostos mais teóricos para a antropologia e a etnografia apenas subsidiaria, quando oportuno, à antropologia; ao passo que essa esta última, com recurso à observação participante, poderia levar a diferentes fins. Trabalhando desse jeito, acreditamos que Ingold ganha de um lado e perde de outro. Num sentido pragmático parece definir fronteiras mais concretas entre as disciplinas (o que é louvável). Mas isso também o faz ignorar que a hermenêutica que ele exerce também é comum aos povos que ele deseja “descrever” ou com quem deseja “aprender”. Fazê-lo, então, separa os campos, mas não olhando para si mesmo e seus pares como “estudáveis”, ele não pode comparar seus campos tão bem definidos com o senso comum. Algo que não passa despercebido nem à Peirano, quando ela compara os conceitos antropológicos ao senso comum, nem à Strathern, quando ela fala da reificação das palavras produzindo efeitos (legais, jurídicos, políticos, antropológicos etc.).
Por fim, podemos dizer o seguinte: nossa interpretação gera mais um produto (um documento). Nele, inserimos e comparamos três interpretações sobre etnografia. Sobre este tema, levo em conta não o significado mais adequado do que seria etnografia, mas prefiro amarrar os textos, respeitando suas diferenças, e concluir apontando para alguns aspectos: i) a hermenêutica etnográfica produz efeitos práticos (Strathern) e/ou documentos (Ingold); ii) se a disciplina se desenvolve conceitualmente por confrontos e está sempre em movimento (Peirano), então devemos notar que o que estamos fazendo não difere de outras práticas hermenêuticas; iii) se podemos definir a etnografia como algo específico, diferente da antropologia (Ingold), então o que talvez tenhamos que observar não seja o exótico ou o outro, mas os efeitos decorrentes das práticas dos atores, sejam eles Melanésios, Azande ou pernambucanos. Com essa mudança, não prendemos a etnografia em camisas de força, pois se Ingold, por exemplo, quer amarrá-la, perpetuando uma definição, ao mesmo tempo em que fala da antropologia como um modo de aprender, de ser e de conhecer, então o olhar etnográfico talvez devesse estar atento à relação entre experiência etnográfica sobre a percepção e sua relação com os próprios espaços acadêmicos como um campo em que os ritos (aulas) também moldam a prática etnográfica. Algo que não passou despercebido ao menos à Peirano.


Referências

BRITO, Gabriel Ferreira de. Agrotóxicos ou defensivos agrícolas? Um estudo sobre a posição de agrônomos/as e de cientistas sociais sobre o uso de agrotóxicos. 2016. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso (monografia de Ciências Sociais) – Universidade Federal Rural de Pernambuco.

______. Zika vírus: uma pesquisa sobre a participação da Fundação Oswaldo Cruz no combate à epidemia de Zika.  2019a.. (Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em Sociologia) 109 f . UFPE, Recife.

DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo. São Paulo, Perspectiva, 1976.

INGOLD, Tim. Chega de etnografia! A educação da atenção como propósito da antropologia. Educação, revista quadrimestral, Por Alegre, v. 39, n. 3, pp. 404-411, set-dez 2016. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/21690/15179;Chega>. Acesso: 21 jul. 2019.

______. Estar vivo: Ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Tradução de Fábio Creder, Petrópolis, RJ, Vozes, 2015a.

______. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n 37, p. 25-44, jan./jun.2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832012000100002>. Acesso: 27 dez. 2017.

NÓBREGA, Terezinha Petrucia da. Corpo, percepção e conhecimento em Merleau-Ponty. Estudos de Psicologia, v. 13, n. 2, pp. 141-148, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2008000200006>. Acesso: 22 jul l2019.

PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.

______. O encontro etnográfico. 1987. Laranjeiras, Tempo Brasileiro, 1987.

______. Etnografia não é método. Horizontes antropológicos, vol. 20, n. 42, Porto Alegre, jul-dez, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832014000200015>. Acesso: 22 jul. 2019.

Sá-RODRIGUES, Jackson R.; ALMEIDA, Cristóvão D. de.; GUINDANI, José F. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Rev. Bras. de História & Ciências Sociais. n. 1, jul. 2009.

STRATHERN, Marilyn. O efeito etnográfico e outros ensaios. Tradução: Iracema Dulley, Jamille Pinheiro e Luísa Valentini. São Paulo, Cosac Naify, 2014.



[1] Em outro texto da autora que também apareceu na cadeira (O encontro etnográfico), a preocupação de Peirano recai sobre a questão da escrita etnográfica diante do contexto em que ele ocorre e como a construção daí decorrente poderia ser encarada como auto-reflexiva para, por fim, produzir uma análise crítica da própria construção etnográfica. Algo que, no texto que ela comenta, de Vicent Crapanzano (Waiting, the Whites of South Africa), sobre Aparthaid, não acontece.
[2] Aqui é interessante antecipar que para Strathern (2014, p. 354) seria possível “retornar ao campo...”, “do ponto de vista intelectual, para fazer novas perguntas sobre desenvolvimentos posteriores cuja trajetória de início não eram evidentes”.
[3] Aqui, não há dúvidas da semelhança entre ela e, como veremos, Tim Ingold, para o qual o objetivo etnográfico, antes de tudo, seria a escrita sobre o outro (INGOLD, 2016).
[4] Esta experiência não é prerrogativa apenas da escrita etnográfica. O próprio Ingold, retomando o famoso artista plástico, Paul Klee, fala da relação entre o criar, como vida, e seu resultado, a forma, como morte (INGOLD, 2012); já o filósofo Merleau-Ponty, falando de outro famoso artista plástico, Henri Matisse, (NOBREGA, 2008), trata, especificamente, da perda que ocorre na relação entre a natureza, a arte e a percepção. Gostaria de incluir uma experiência pessoal como ilustrativa. Trata-se da mesma relação: filho de artistas plásticos e, atualmente, como hobby, desenhista, tenho ensinado pessoas próximas ocasionalmente a desenhar (filhas, companheira etc.). É incrível a experiência de observar como a transposição da natureza (morta ou não) para as linhas no papel encontra um olhar que ainda não consegue transportar o que vê para a perspectiva que deseja retratar, com técnicas (e obviamente isso não é uma tarefa fácil nem para um veterano). Do mesmo modo, com a fotografia, por exemplo, parece acontecer o mesmo. Também como hobby, tenho podido aprender com amigas e amigos fotógrafos/as profissionais sobre rudimentos da fotografia e, assim, mesmo em fotografias, percebemos que nossa percepção precisa ser “ensinada” e, ainda assim, nesta relação, a intencionalidade do que deve ser percebido, sem dúvida, tende a perder algo, como se precisássemos sempre escolher – quando sabemos o que escolher! – como retratar! Mary Douglas sempre nos alertou para este caráter voluntarioso da percepção, experiência e ritual (DOUGLAS, 1976, p. 51, 82, 86). Em suma: na etnografia parece não ser diferente.

Diferentes modos de se fazer etnologia: o caso Brasil e França


Gabriel Ferreira de Brito, PPGA, UFPE
 
Pombos, fios e perspectiva numa cidade pós-colonial.
G.B,
Neste trabalho nosso objetivo foi compreender qual ou quais são os objetos de estudo da Etnologia. Conforme se observou nas primeiras aulas por meio da observação participante em Etnologia Brasileira, em comparação com a abordagem francesa do etnólogo Bruno Latour (e WOOGAR, 1997), sugerimos como hipótese que a definição do objeto etnológico não é determinado por um consenso puramente científico, mas por meio de escolhas institucionais concernentes a cada instituição universitária e de acordo com seu próprio contexto. Em segundo lugar, a escolha não é resultado apenas de um processo hermenêutico, mas também de relações de autoridade em que o poder decisório é distribuído assimetricamente. Metodologicamente utilizamos observação participante em aulas da cadeira de Etnologia Brasileira; análise documental da ementa da disciplina, assim como de e-mails e dados retirados de blogs e salas de aula virtual relacionados às aulas da referida cadeira. Como resultado, espera-se distinguir ao menos dois diferentes modos de se fazer Etnologia: um brasileiro, outro francês.

O papel dos intérpretes textuais: uma sociedade mantida por textos
Os dados produzidos pela observação participante, codificados e depois classificados, geraram em torno de 128 códigos que foram agrupados em famílias (Ação 8, Humanos 9, Humanos pessoalmente presentes 6, Intérpretes textuais 51, Não humanos 29)1. O que saltou a vista do observador foi o recurso constante aos intérpretes textuais. Termo este designado para humanos cujos relatos, análises e descobertas foram transformadas em impressões textuais. Foram 32 intérpretes identificados apenas por meio da observação participante. Ora eles/elas eram veiculados por meio de comunicadores humanos, de forma oral, ora eram veiculados por textos que assumiam esta função, de comunicadores2.

Já na análise da ementa, foram encontradas 19 referências, com duas co- ocorrências. Um texto, do próprio professor responsável pela cadeira, aparece em três momentos do conteúdo programático. O que significa que cada momento temático ou fase do conteúdo programático, conforme podemos constatar via observação participante, seu texto dialogava com conceitos chaves da ementa que apareciam diferentes momentos da programação.
Também fizemos análise de uma ferramenta: o diário de leituras da cadeira de etnologia. Tal tipo de análise funciona do mesmo modo com que na observação participante se recorre ao diário de pesquisa e caderno de campo. Mas tal análise tem uma especificidade: não se trata de um diário de pesquisa. Ela se assemelha a uma sugestão de Latour (2012) chamada caderno de insights. Também não é idêntico a este caderno porque possui a especificidade de cumprir também a função de diário. Em outras palavras: trata-se de um diário de leituras da cadeira com espaço para reflexões e comentários conforme as leituras avançassem.
A primeira impressão decorrente da observação participante se deu em face da ênfase dada à formação do Brasil. Para alguém formado em Ciências Sociais, os nomes de Gilberto Freyre e Francisco Buarque de Holanda não soam incomuns. Todavia, desfazia-se um pré-conceito, pois supunha-se que a Etnologia se restringiria aos estudos indígenas. Tão logo as aulas tiveram início, tão logo entraram em cenas intérpretes inusitados: Bartolomeu de Las Casas e Sepúlveda, a Carta de Pero Vaz de Caminha, Padre Manoel da Nóbrega, Diário de Náus, Serafim Leite, entre outros.
Mais importante, todavia, não foi exatamente a relativa importância dada aos intérpretes da história brasileira, mas aos veículos nos quais eles eram transportados. Na soma dos dados codificados e classificados como “Intérpretes textuais”, classificamos autores e autoras citadas, seja apenas por nome, seja pelo título de seu trabalho, independente da forma (carta, artigo, livro etc.). Foram 51 intérpretes mencionados. É preciso destacar, no entanto, que a classificação se deu por influência da teoria ator-rede (LATOUR, 2012). Daí a separação em humanos e não humanos. Ainda assim, também consideramos outras categorias. Humanos e não humanos descreviam  humanos em geral (sejam eles presentes em textos, conversas – etnias indígenas mencionadas, por exemplo – ou em textos); Não humanos descreviam conceitos, ideias, lugares, doenças e objetos (presentes em sala ou não). Nossa ênfase, aqui, recairá sobre a categoria de Intérpretes textuais, pois ela permite alcançar o objetivo aqui proposto3.
Retornado à questão da importância da história do Brasil, não se trata apenas da história como “ilustração” de um período, mas da importância da alteridade em que ocorria a relação entre povos indígenas e colonos, a princípio, e depois com o Estado. Depois desses temas, a alteridade é situada no século XX, e surgem novos intérpretes, passando por nomes como Darcy Ribeiro e Roberto da Matta, entre outros. Entretanto, os mais importantes elos com a comparação que aqui buscamos (entre franceses e brasileiros), é quando chegamos aos debates da Etnologia Brasileira das décadas de 1970 em diante, chegando ao final da ementa, momento em que Márcio Goldman aparece, introduzindo o assunto da antropologia pós-social. Este tema, por sua vez, remete a um assunto bastante recente na antropologia contemporânea, a chamada “virada ontológica”. Ainda assim, tal tema “amarra” nossa exposição, na medida em  que nos remete a etnologia da ciência realizada por Bruno Latour, na década de 1970 que desembocou na chamada antropologia simétrica que, por sua vez, exerceu influência na virada ontológica, tanto quanto o chamado perspectivismo de Viveiros de Castro, que há décadas vinha estudando a noção de pessoa entre etnologias indígenas. Duas etnologias, um caminho em comum nos dias atuais? É o que parece que está em pleno desenvolvimento nos anos recentes.
Neste ínterim, é preciso retomar e encerrar a questão dos intérpretes, pois ela  traz uma questão de primeira instância a qual não devemos nos eximir: a agência não humana nas salas de aula e a constituição de uma etnologia brasileira cujas origens e influências delimitam o horizonte da prática etnológica em análise, mas como observamos, não a determinam. Tal agência se na aprendizagem antropológica na medida em que a observação participante, não a análise documental, nos permitiu observar aula por aula, a presença de livros, pois o professor que ministrava a cadeira os trazia para as salas de aula. Mais ainda: não acostumado a ver mais estudantes lendo em voz alta a pedido de um professor, eis que um discente de meia idade, em certa ocasião, segura em suas mãos um livro fornecido pelo professor e, a seu pedido, inicia leitura de
um texto. Além dessa forma de aula, o professor costumava também indicar diversas fontes de pesquisa. Tivemos a oportunidade, em certa ocasião, de encontrar na biblioteca uma coleção de livros sobre a História dos Jesuítas no Brasil em cujo prefácio se lê: “Que importa o debate acêrca [sic] da sobrevivência de culturas e a verificação de que a cultura inferior, posta em contacto [sic] com a superior, ou se desagrega ou morre?” (LEITE, Serafim, 2006, XIII). Ora, não seria justamente esse contato que mais interessaria a etnologia brasileira e, depois, essa alteridade (cultura superior em contato com a inferior na citação), o tema por excelência da etnologia brasileira?

A França e os laboratórios
A partir dos anos 1970 surgiram etnografias de laboratório na Europa e Estados Unidos. Uma delas, a que será utilizada como exemplo, foi realizada por Bruno Latour, conhecido como etnólogo francês naquele momento. Seu campo de pesquisa foi o Instituto Salk, em um laboratório de Endocrinologia (LATOUR e WOOGAR, 1997). Foi nessa época, inclusive, que Latour teve contato com a primatologista Shirley Strum4.
Foi durante a observação participante que o professor ministrante da cadeira de Etnologia brasileira desfez uma dúvida pessoal do autor deste trabalho, pois disse que se chegasse à França, ele não seria encarado como um etnólogo, já que estuda no seu próprio país. Muito pelo contrário, por outro lado, dizia ele que se chegasse em uma reunião da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), ouviria comentários bem humorados, “chegou o etnólogo”. Portanto, vê-se como varia a definição dos limites e possibilidades da prática etnológica como um todo.

De todo modo, é preciso atentar para uma questão metodológica relativa à confiabilidade dos dados. Neste momento, ainda não foi obtido acesso a uma literatura etnológica francesa (não esquecendo que o célebre Lévi-Strauss realizou estudos na Amazônia brasileira); tampouco foi realizada análise documental dos arquivos institucionais de instituições francesas para corroborar as informações de nosso informante. Por outro lado, como exercício reflexivo, supomos que os dados ora levantados sustentam a afirmação de que definições sobre o objeto etnológico difere conforme países, mesmo que os dados ainda sejam superficiais.
4 Notar mais uma curiosidade. Em diário de campo, o professor que ministra a cadeira de Etnologia nos relatou que a Etnologia nos Estados Unidos costuma estar presente em Departamentos de Primatologia. Shirley Strum diz ter conhecido Latour (STRUM, 2017) durante um seminário no qual ela apresentava resultados de pesquisa sobre, grosso modo, as relações sociais entre machos e fêmeas de macacos.

No tocante à etnologia latouriana, seus resultados foram provocativos e, em alinhamento com outras “etnologias” ou etnografias de laboratório consideradas construtivistas (KNOR-CETINA, 1983), a noção de natureza como dada, categoria invariável, e cultura (como aparece em Levi-Strauss) como relativa, começou a ser questionada (e daí também vem a inclusão do tema da agência de não humanos nas ciências sociais). Para essas abordagens, a natureza e a cultura produziriam a realidade; os fatos não seriam mais apenas “descobertas”, mas, também, “construções”.
Esse tipo de abordagem caminhou para, nos anos 1990 (LATOUR, 1994; VIVEIROS DE CASTRO, 2002) em diante, tentar superar o par natureza-cultura que, no caso da etnologia brasileira, mas não somente, eram basilares para os estudos sobre alteridade. Foi nesse ínterim, como já mencionado, que se pensou, no Brasil, por exemplo, em uma antropologia pós-social na esteira da virada ontológica (GOLDMAN, 2012). Desse resultado, parece, por fim, que se chegou a um ponto de possível convergência entre etnologia brasileira e etnologia francesa (ver GOLDMAN, 2015).
Em conclusão, a hipótese deste trabalho parece não ter sido confirmada, visto que somente com dados sobre “por que Latour seria considerado Etnólogo”, ou “porque na ABA um antropólogo que estuda índios de seu próprio país seria considerado etnólogo, não na França”, não trazem evidências de autoridade e assimetrias de poder. Muito pelo contrário, elas trazem apenas diferenças. Estas sim deveriam ser investigadas para que fosse possível alcançar os objetivos aqui propostos. Por outro lado, é preciso se ter em mente que os dados ora apresentados, apesar de incipientes, apontam para as diferenças institucionais, o que, afinal, parece sugerir que o resultado esperado foi alcançado. Isto é: distinguir ao menos dois diferentes modos de se fazer Etnologia: um brasileiro, outro francês.

Referências

BRITO, Gabriel Ferreira de. Zika vírus: uma pesquisa sobre a participação da Fundação Oswaldo Cruz no combate à epidemia de Zika. 2019a (Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-graduação em Sociologia) 109 f . UFPE, Recife.

GOLDMAN, Márcio. Antropologia Pós-Social, perspectivas e dilemas  contemporâneos: entrevista com Márcio Goldman. Campos, 13(1), 93-108, 2012.

              . “Quinhentos anos de contato”: por uma teoria etnográfica da (contra) mestiçagem.     In:       Mana, 21              (30),      641-659,           2015.             Disponível  em:        <

KNOR-CETINA, Karin. The Ethnographic Study of Scientific Work: Towards a Constructivism Interpretation of Science. In: KNOR-CETINA, Karin. (ed.). Perspectives on the Social Study of Science. London, Sage, 1983. pp. 115-140. Disponível em: <https://d-nb.info/1101582359/34> . Acesso: 24 jan. 2018

LATOUR, Bruno.; WOOGAR, Steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de janeiro, Relume Damará, 1997.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica. Rio de Janeiro. Ed., 34, 1994.

2004.                . Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador, EDUFBA, 2012; BAURU, São Paulo, 2012.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo I. (Século XVI – O estabelecimento). Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 2006.

STRUM, Shirley.; LATOUR, Bruno. Redefining the social link: from baboons to humans. Social Science Information, 26, 4, pp. 783-802, 1987. Disponível em:

STRUM, Shirley. Baboons and the Origins of Actor-Network Theory. An interview with Shirley Strum about the shared history of primate and science studies. BioSocieties,               n.                          12,          158-167,                                   2017.     Disponível                        em:

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B., 2002. “O nativo relativo”, in MANA 8(1):113-
148.               Disponível             em:             <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104- 93132002000100005&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso: 9 set. 2018.

sábado, 20 de julho de 2019

Ubiratã e Godofredo


 Parte Final

- Vamos levar Papai e Mamãe, Bira? – falou Godô para seu amiguinho que o levou para Terra Alta e Água Grande.

- Meu povo pode não gostar, nem os peixes, porque eles falam que as pessoas da cidade não conseguem mais sonhar. – Respondeu Bira, do povo da floresta.


-Mas não posso ir sem meus pais! – Reclamou, tristemente, Godô.

 

- Tá certo, Godô, não precisa chorar. Tem um jeito. Quando eles dormirem, eles vão conseguir te ouvir. É só falar com seu coração...


 Godô esperou seu pai e sua mãe irem dormir. Ele quase não conseguiu ficar acordado. Mas quando ia pegando no sono, lembrou de Bira falando “fale com o coração enquanto eles dormem, então eles vão te ouvir”.

       Godô foi até o quarto de seus pais. Eles dormiam. Seu pai, seu Júço, roncava, e sua mãe, dona Jessi, falava “sim... sim... o feijão vai queimar”. “Coitada da mamãe, trabalha até dormindo”, pensou Godô. “Vou levar ela e papai para Terra Alta e Água Grande”.

- Pai, mãe. – Disse Godô. – Bira me mostrou Terra Alta e Água Grande. Lá, os peixes são como pessoas. E pessoas são como peixe!

- Comer peixe! – falou seu Juço, depois voltou a dormir. – Lava a panela! – agora falou dona Jessi. E também voltou a dormir.

       Godô ficou triste. Viu que seus pais não acordariam. Com apenas 8 anos, ele ainda gostava de dormir com sua mãe e seu pai quando não conseguia dormir. Deitou entre ele e ela.

“Godô, acorda!”. Disse uma pessoa com cara de peixe e com pele cheia de escamas cinzentas. – Bira tá esperando, - Godô não teve medo, porque ele sabia que não existiam coisas tristes ou más em Terra Alta e Água Grande.

- Não posso ir mais. Desculpa. Mas meus pais não acordam. – Falou Godô, com sua voz triste...

                                 

Filho, eu ouvi – falaram em alto e bom som seu pai e sua mãe! Para surpresa de Godô, que tinha lágrimas descendo pelas pequeninas bochechas cor de jambo.

       Aquele ser com cara de peixe apenas abriu as janelas do quarto, tirando as cortinas, e logo se via fora da janela, Bira, com sua pele que parecia uma maçã vermelha, agora também coberta de escamas. Atrás deles, uma montanha, ao redor, Água Grande, com peixes saltando da montanha e um sol de um lado, uma lua do outro, no mesmo dia, como se o tempo ali não existisse. Então, os pais de Godô pularam as janelas como crianças pulando o sofá e correram. Todos voltaram a sonhar novamente, porque sempre souberam, só tinham esquecido.

       Godô e Bira então deram as mãos e correram com a pessoa com cara de peixe e, assim, voltaram a ser peixes felizes novamente.






Minha preciosa Lorena,
Eu prometi terminar essa historinha que comecei enquanto colocava você pra dormir, e ainda com 7 anos você dormiu.
Hoje, você fez 8 anos! Hoje, eu lembrei! Porque nunca esqueci. Então te dou esse presente, com todo meu carinho e amor.
Feliz aniversário.

Olinda, 12 de maio de 2019.
-Gabriel Ferreira de Brito, seu pai.

terça-feira, 16 de julho de 2019

CIÊNCIAS SOCIAIS em tempos de fake news e pós-verdade ("mentiras")


 Por que um sociólogo e antropólogo têm utilidade para a sociedade? O primeiro ponto seria dizer: eles e elas dedicam em torno de 4 a, pelo menos, 10 anos estudando e aprendendo como outros e outras estudaram diferentes povos e em diferentes locais, tentando compreender, geralmente, as diferentes formas de relacionamento humano que mantém cada povo ou “sociedade”.
            O segundo ponto seria relacionado à metodologia científica. Diferente de outras profissões, sociólogas e antropólogas precisam aprender a estabelecer uma relação entre suas interpretações sobre os povos e relações sociais e dados e evidências. Algo comum, por exemplo, na aplicação da Lei, que normalmente funciona a partir de provas e evidências, não da relação entre promotoria e certos juízes...
            O terceiro ponto não está ligado ao próximo tema, mas é urgente que não ignoremos esse debate. Refiro-me a “fake news”. Refiro-me, também, à ideia de “pós-verdade” – como disse, certa vez, um antropólogo holandês, isso é só outro nome pra “mentira”. Este ponto é essencial para entendermos uma coisa bem simples: historiadoras, cientistas sociais em geral, compartilham uma metodologia científica ligada às provas e evidências para sustentar suas interpretações. Portanto (e por fim), não se trata de uma questão de opinião. Muito pelo contrário – trata-se de uma questão de informação e evidências. O resto é conversa fiada....

segunda-feira, 8 de julho de 2019

INTRODUÇÃO ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS: (Pós-)Estruturalismo e Eleições

Alvorecer: tempo, vida e fios.
G. Brito



Surgiu na França do século XX uma área de estudos que ficou conhecida como “a virada linguística”. Talvez seja essa virada, que ficou conhecido como estruturalismo linguístico, uma das mais importantes tradições de pensamento nas ciências sociais e humanas. Ela passou pela antropologia, pela história, sociologia, comunicação etc.

Na segunda metade do século XX, por volta dos anos 1970, o estruturalismo passou a ser bastante criticado e, normalmente são chamados de pós-estruturalistas aqueles que passaram a sugerir novas alternativas em oposição à ideia de “estrutura”. Mas o que é estruturalismo ou “qual o resultado prático de escolher um ou outro lado do debate entre estruturalistas e pós-estruturalistas?

Quando se fala que as estruturas se mantém, mas as conjuntura se altera, mesmo sem se ter consciência, estamos pensando de maneira semelhante ao estruturalismo em geral, não necessariamente ao linguístico. Desse modo, estamos sempre olhando pra uma visão “mega” ou “muito ampla” da sociedade e da história. Vemos as pessoas como “formigas cegas”, mantendo uma estrutura de relações sociais gigantesca e que se repete indefinidamente (como na série Dark em relação ao loop infinito).

Outra forma de olhar, é tirar esse mega óculos e passar a olhar como as pessoas produzem coisas, como a estrutura. É como se agora olhemos não para atrás ou acima das pessoas, mas sempre para a frente delas e, assim, podemos perceber como elas estão na prática vivendo e produzindo relações sociais que podem gerar a continuidade e repetição das coisas ou sua mudança. Por exemplo: se olhamos a democracia brasileira, podemos ver nas últimas eleições que milhões de pessoas estavam se comunicando via redes sociais defendendo posicionamentos políticos e, via democracia, foram as urnas e elegeram uma pessoa que, por sua vez, é anti-democrática. Ou seja: as pessoas estão alterando a “estrutura” ou, de outro lado, estão “produzindo” uma nova estrutura social.

Se a gente olhasse apenas para a “estrutura” não enxergaríamos que existem pessoas ativamente agindo e moldando a nossa sociedade. Veríamos apenas como a “estrutura social” produziu “a conjuntura atual”, ignorando toda a capacidade de atuação e do empenho das pessoas envolvidas nesse processo.

Duas religiões econômicas no comércio

 - Terminei. Vamos? - Diz minha pequena. - Posso ir ao banheiro? - Diz minha segunda pequena. Alguns minutos depois, caminhamos sobre o asfa...