Blog pessoal, voltado para estudantes de ciências sociais. A proposta é trocar produção de conhecimento entre diferentes graus de Educação. Também serve como espaço para meu hobby: escrever.
quinta-feira, 30 de julho de 2020
O caso da Lista de Bolsonaro para comprar aliados*
"Jamais fomos..." cientistas sociais
No livro "Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica" (1991), o filósofo Bruno Latour dizia que os ideais da Modernidade sempre foram pregados, mas, na verdade, jamais foram realmente praticados.
Bom, o que Latour tá dizendo é que o ideal científico da Modernidade separava a realidade em dois pontos: de um lado, uma Natureza, de outro, uma Cultura/Sociedade. O que isso significa, na prática? Que a Ciência Moderna deveria falar pela Natureza, enquanto a Política, pela sociedade.
Qual a bronca? Que a Ciência e, por conseguinte, a Tecnologia, faziam parte da Política o tempo todo. Ou seja: era tudo “híbrido”, uma mistura de Natureza e de Política. A constituição oficial dizia para separar a ciência dos interesses políticos, mas, na prática, a ciência sempre fez parte do coletivo e da política - jamais ficou de fora.
O que estou falando quando falo que jamais fomos cientistas sociais? Que se essa área também é filha da Modernidade, seu desenvolvimento "tardio" resultou numa outra constituição moderna: a da divisão entre experiências/corpos de um lado, e quem pode falar deles do outro.
Tudo se passa como se nas Ciências Sociais, diferente das outras ciências, tivéssemos chegado a um nível em que conseguimos perceber a “bronca” da Ciência Moderna. No entanto, agora teríamos conseguindo mostrar como a Ciência era construída por corpos/experiências atravessados de contradições e que somente determinados corpos pudessem fazer pesquisa sobre Ciências Sociais.
Resultado? A constituição das Ciências Sociais quebrou, tal qual a modernidade. Ou seja: agora, cientistas sociais não conseguem mais resolver a separação entre: ciência de um lado, ciências sociais de outro.
E
a questão pública? Isto e: existe, de fato, utilidade em Sociais para além de “descer
a lenha” na direita? Eis a questão. Uma nova constituição precisa ser criada
dentro das ciências sociais. Quem sabe então assim, não tenhamos mais, politicamente,
representantes eleitos como Bolsonaro e Weintraup – representantes de parcelas
de pessoas que só enxergam o legado comunista por trás das Ciências Sociais.
domingo, 26 de julho de 2020
MANIFESTO PRAGMÁTICO E PÓS-ONTOLÓGICO
Manifesto
pragmático
Minha
hipótese de trabalho é que a divisão do trabalho dentro da instituição
científica é, na verdade, muito simples. Primeiro você produz, historicamente,
a episteme por consensos e delega as especialidades. Assim, a filosofia de
origem grega dá o norte sobre questões metafísicas. Segundo: na modernidade,
diante do acumulo institucional e, antes, privado, dos saberes, então você,
finalmente, pode delegar as especialidades, enquanto a filosofia continua com a
“metafísica da ciência”.
No
século XX, contudo, algo muda. Mas, antes, desde o XIX, as ciências sociais se
desenvolvem dentro dessa especialidades separadas, mas prossegue montando seu
campo a partir da metafísica da ciência. No entanto, quando um de seus
subcampos passa a tentar “retirar da filosofia” sua metafísica da ciência,
então as coisas começam a mudar. Primeiro você pensa na metafísica da sociedade
e da historicidade do conhecimento, mesmo o nosso, de dentro da episteme.
Segundo, você passa a desrespeitar as fronteiras que separam o alicerce sagrado
que monta o conhecimento científico – a matemática, a física, a química e a
biologia (Ciências da Natureza).
Na
segunda metade do século XX, já não há mais privilégio da “epistemologia”
enquanto metafísica da ciência. Cientistas sociais desafiam os alicerces e se
dividem entre defensores da tradição, da divisão do trabalho clássica: ciência
objetiva de um lado - com filosofia ou metafísica da ciência de outro – ciência
e especulação metafísica como ingrediente da prática de pesquisa
científico-social do outro – com o lugar da especulação metafísica alinhada a
prática científica (em certa medida, isso pode ser chamado de reflexividade “ontológica”).
Dos
anos 80, principalmente, em diante, com ênfase na primeira década de 2000, a metafísica
da ciência se junta a uma metafísica da sociedade aliada à produção de pesquisas
em ciências sociais. Na antropologia a cultura, e a epistemologia tradicional
que respeita a divisão do trabalho clássica, é sacudida e passa a ser vista por
seus críticos e suas críticas como deslegitima, colonial e incapaz de alcançar
seus objetivos iniciais. A antropologia tem seu ápice científico com
Lévi-Strauss e o estruturalismo, mas sua “idade de ouro” não dura mais que trinta
anos na França, onde nasceu. Na sociologia, também francesa, é Bourdieu o ápice
da sociologia, com seu respeito a divisão do trabalho entre a ciência prática de
um lado, e a metafísica da ciência de outro. Tão logo ele sintetiza a tradição
crítica da sociologia (Marx e Engels) com a sociologia científica de um lado
(Durkheim) e suas dimensões humanas de outro (Weber), tão logo seu reinado
começa a ceder no final dos oitenta.
Enquanto
isso, as ciências da natureza seguem firmes e fortes, sem preocupações com o
que acontece com as “fábricas” concorrentes de ciências humanas. A união entre,
por exemplo, biologia e medicina alcançam seu ápice com a Organização Mundial
da Saúde, fundada em 1948, três anos depois da fundação da Organização das Nações
Unidas. Posteriormente, a segunda metade do século XX reúne a biomedicina e a
tecnologia com questões de Segurança Nacional, como, em alguma medida, já
existia no passado, com os Estados Nacionais.
Já
nas Ciências Sociais, assistimos nas últimas décadas do século XX e nas duas
primeiras do XXI, a uma nova divisão do trabalho que, na verdade, é uma fusão,
não uma separação, entre antropologia e sociologia com a metafísica da ciência
e da realidade (ontologia). Esse movimento pode ser rastreado até a
fenomenologia, no final do XIX e início do XX. Depois foi aplicada à
sociologia. Porém, enquanto a separação entre “mundo da vida” de um lado e “divisão
do trabalho científico clássico” continuasse, não havia problema.
No
entanto, na segunda metade do século XX, a divisão do trabalho científico, como
já dito, foi alterada por cientistas sociais. Não é coincidência que o trabalho
tenha sido feito por sociólogos do conhecimento (de Mannheim e Merton a Bloor),
um filósofo e antropólogo (Latour), sociólogas (Knor-Cetina,) sociólogos (Law e
Callon) e médicas/os e filósofas/os da medicina (Mol e Fleck). Ou seja: estamos diante de uma fusão entre Ciências da
Natureza, Ciências Sociais e metafísica da Ciência e da realidade (Ontologia).
Conclusão:
o novo formato das Ciências Sociais, hoje, não vem de agora. Ele vem se
modificando, como foi visto, há pouco mais de um século. Atualmente, podemos
dizer que Ciências Sociais estão incorporando a metafísica “especulativa” e da
realidade (ontologia) com as pesquisas e práticas da área. Portanto, sempre que
um artigo ou uma monografia forem publicados, haverá uma dimensão sobre a
metafísica e outra sobre as práticas de pesquisa (metodologia e análise de dados).
Quando não, normalmente os artigos serão de metodologia quantitativa. Mas, via
de regra, sempre que haja espaço para análise qualitativa, é bem provável encontrar
uma discussão metafísica por trás.
Quais corpos fazem ciência?
Essa
é a questão mais importante para as ciências sociais do século XX. Foi por meio
dela que toda a teoria crítica e, depois, as diferentes vertentes críticas
(feminismos, teorias pós-coloniais, estudos subalternos, estudos culturais, “pós-modernos”,
“pós-estruturalistas”) conseguiram seu “lugar de fala” e, assim, passaram e
remodelar as ciências sociais. A grande questão é saber se isso modificou as
ciências da natureza. E a resposta mais óbvia é que “não, não surtiu efeito
nenhum” e jamais surtirá.
Os
efeitos que ocorrerão e que vem ocorrendo, são muito mais “sociais” do que “científico-sociais”
ou “metafísicos”. Ou seja: são efeitos pragmáticos de mudanças históricas. Com
generosidade ao trabalho das ciências sociais, podemos dizer que tais efeitos
ocorrem apenas indiretamente por causa desta área, e não produzem nenhum
resultado sobre o “conteúdo do conhecimento científico-natural” (como queria Bloor).
A únida mudança substantiva que ocorre, será sempre de ordem institucional. O
que pode ser chamado de mobilidade de corpos (como corpos negros ocupando
espaços antes apenas ocupados por espaços apenas brancos).
A
alternativa, por outro lado, para produzir uma mudança, é ou seguir
pragmaticamente com as ciências sociais – deixando, assim, a metafísica da
ciência e da sociedade ou da cultura (ontologia) “de fora” das práticas -; ou
se prossegue produzindo sempre mais do mesmo nas ciências sociais, acreditando
que questões de conhecimento produzido em ciências sociais com esta “reflexividade
metafísica” irá, por milagre, reconciliar os valores das ciências sociais, com
os valores das ciências da natureza. Isso jamais acontecerá.
A
outra alternativa é, em continuidade com a segunda mencionada, manter dois
nichos: o de praticantes da divisão do trabalho científico clássica (com o
social e a cultura) de um lado e praticantes da nova divisão do trabalho
científico dentro das ciências sociais, do outro (com suas viradas e
ontologias). O caminho do meio, como dito: é pelo pragmatismo utilitário, que abandona
a especulação e se atém aos efeitos que podem ser pesquisados por cientistas
sociais!
sexta-feira, 24 de julho de 2020
A política como escolhas e circunstânciasVI
VI
Saindo da
EPISTEMOLOGIA SEM CAIR NA ONTOLOGIA
Até
aqui, OCUPEI ESSE ESPAÇO GRÁFICO, o texto, e tentei desfazer nossos consensos
em Humanas. Ora, eu também mostrei uma coisa: eu levei a sério uma pessoa de
AGRÁRIAS, sem opor suas escolhas e opiniões a uma REALIDADE CORRETA.
Na
antropologia esse papo se chama “respeitar a ONTOLOGIA” do outro. Porém, isso
normalmente só é levado a série quando nos identificamos MORALMENTE com nossos
NATIVOS. Neste caso, normalmente o NATIVO SUBALTERNO (afinal, escolhemos denunciar
a desigualdade social e opressões “endêmicas”).
Seguindo
aqui os passos de antropólogos contemporâneos (Latour e Ingold), levei a sério
o papel diplomático e tolerante desta disciplina. Porém, essa ESCOLHA não foi
POLITICAMENTE INCORRETA?
Um
NÃO estridente! LEVAR A SÉRIO NÃO É CONCORDAR! LEVAR A SÉRIO É ENTENDER O
SENTIDO QUE O OUTRO NOS CONTA em seus próprios termos.
Se
um índio da etnia Pankararú fala que ZIKA está no VENTO, eu entendo o sentido que
ele dá a realidade e como ele a vive – papel da antropologia é aprender isso.
Outra coisa muito diferente é concordar, porque essa não é a questão (mesmo
assim se “vc” quiser, vc pode, é seu direito, não sua obrigação).
Quando
a professora de Agrárias falou, eu também não concordei. Isso não me impediu de
continuar observando e entendendo a REALIDADE que o pessoal dá área construía
em SALA DE AULA. Além disso, muita gente pensava diferente da professora (ver
Latour novamente – conceito de “recalcitrância”).
Por
fim, é isso: o todo é sempre menor que as partes, mas as partes são sempre "menores" do que a realidade. Com uso do
pragmatismo você coloca a realidade em primeiro lugar, em segundo os conceitos
que vão surgir dela como figurações (transcendentais – homem/mulher,
capitalismo, humano, não humano, branco/preto etc. etc.). Ou seja: cada
organismo é muito mais complexo do que as essências conceituais que tentamos
usar como etiquetas (ver Ludwig Fleck que dizia que a “doença” era construída pela “medicina”
– teoria filosófica da medicina). Mas isso é coisa para dentro das discussões
em Sociais. Na prática, o papo é “ÉTICA”, “MOBILIDADE SOCIAL” E ESSENCIALISMO
ESTRATÉGICO (Spivak). Só não me venha falar que o critério é saber ou não saber
usar o conhecimento acadêmico (epistemologia) ou entender as experiências (“ontologias”
– na verdade, fenomenologia) – isso gera o AUTORIDADE DA FALA, não “LUGAR DE
FALA” (ver post do THIAGO PINHO “6 erros no uso do LUGAR DE FALA”).
A política como escolhas e circunstâncias V
V
ESCOLHAS,
finalmente...
Se
POSICIONAR é uma escolha ética; usar CONHECIMENTO e SABER para legitimar AÇÕES
é uma coisa independente da escolha inicial, ética, de denunciar as desigualdades.
O
que nos leva a irresistível conclusão que JAMAIS FOMOS PÓS-MORAIS! Além disso, as
ESCOLHAS que nos levam para um campo ou outro da Ciência não reduz a chance de
MANUSEAR ou USAR a ciência para questões de DESIGUALDADE SOCIAL. Os limites vão
de acordo com as áreas, mas nem por isso uma é menos política que a outra.
Levando
a sério o que aprendi nessa quase uma década dedicado às Ciências Sociais,
preciso então propor para esses NATIVOS que se POSICIONAR não se resume ao
CURSO que você escolheu, mas à ESCOLHA de fazer diferença ou não – então já não
é mais uma questão de área, afinal...
O
resto, portanto, é o velho maniqueísmo de “mocinhos” e “vilões”. Para esses
romances, não se tem o que dizer... é ouvir... jamais esqueço a surpresa que
tive quando uma professora de agrárias chamou “ambientalistas” e “agroecologistas”
de evangélicos de mente fechada!
Fiquei
pensando: “nossa, essa pra mim é nova...sempre ouvi o contrário...mas nunca que
uma cientista social, por exemplo, tinha a mente fechada”... Foi isso que me fez
levar a sério o que a NATIVA dizia e parei para enxergar os consensos da minha
própria área e, sem dúvida, isso desfez minha percepção sobre Ciências Sociais
(ver Roi Wagner – teoria antropológica).
A política como escolhas e circunstâncias IV
IV
Um mundo além das
universidades
Para
falar das ESCOLHAS e CIRCUNTÂNCIAS fora de universidades, iremos pro campo de
pesquisa, um bairro suburbano de Olinda! Pré-candidatos usam Redes Sociais
atualmente e os EQUIPAMENTOS PÚBLICOS para ganharem VISIBILIDADE.
Todavia:
munícipes – moradoras e moradores – de Olinda andam se POSICIONANDO com comentários
às vezes a favor, às vezes acidamente contra “Os políticos” – “tudo ladrão” e “interesseiro”,
“lobos com pele de cordeiro”.
Ora...
as pessoas que aceitam trocar favores por votos se iludem ou se desiludem,
depende se o favor foi atendido ou não. Foi enganado e enganada ou não?
Agora
olhemos pra outro lugar: para os ambientes. Para os EQUIPAMENTOS PÚBLICOS – se a
prefeitura faz seu trabalho, então candidatos/as não podem MOSTRAR SERVIÇO ao
usarem REDES SOCIAIS para divulgar o que estão fazendo.
Segundo:
as Redes Sociais precisam existir para que eles e elas divulguem suas ações. O
que descentraliza o poder da MÍDIA, como já notaram os e as populistas digitais
(ler Letícia Cesarino – teoria antropológica).
Mas
e as pessoas que com fome? Eis onde minha ideia entra: as pessoas PRECISAM
COMER, MORAR E SE REPRODUZIREM – seu interesse não é OCUPAR/RESISTIR, é
VIVER/EXISTIR, COMER/VESTIR...
Outra
ideia precisa entrar aí: romper com o binarismo do UMA COISA OU OUTRA. Não,
AMBAS AS COISAS CO-EXISTEM em LUGARES DIFERENTES. Uma coisa não invalida a
outra (o todo é sempre menor do que as partes – ver Bruno Latour e Eduardo Vargas
– teoria social).
Resultado:
em ambientes diferentes, diferentes ações são possíveis e eticamente
necessárias. Por exemplo: ocupar espaços em edifícios acadêmicos. Segundo:
ocupar o espaço/ambiente das Redes Sociais e, ao invés de seguir as promessas,
GERIR AS AÇÕES COM O EQUIPAMENTO DIGITAL – foi isso que candidatos e candidatas
aprenderam.
Quando
eu falo de “gerir”, estou dizendo que coletivos podem ser formados para fazer
essas ações (eis uma forma de resistir a VELHA POLÍTICA CLIENTELISTA BRASILEIRA,
a da TROCA DE FAVORES e de CARGOS).
A política como escolhas e circunstâncias III
III
Ocupar/resistir
Outra
atualização de ESCOLHER E SE POSCIONAR CONTRA se refere ao espaço: Redes
Sociais e os edifícios acadêmicos se tornam “espaços de fala”. Agora ESCOLHER e
se POSICIONAR se traduz em OCUPAR/RESISTIR.
Há
uma postura pós-colonialista que assume que se posicionar se torna CEDER O ESPAÇO DE FALA
para O SUBALTERNO FALAR (ver Gayatri Spivak). Com isso, você cede os edifícios
acadêmicos para outros corpos e organismos FALAREM nesses espaços.
Como
disse o sociólogo da UFBA, o Thiago Pinho, essa é uma questão “ética” e não “de
saber” (epistemologia). Porém, acrescento: o SABER legitima A FALA dentro do
espaço e do edifício acadêmico e fora dele.
Quando
você fala em Redes Sociais ou na “Grande Mídia”, o “sabe com quem você tá falando”,
a “carteirada”, o diploma, “diz” quem tem “AUTORIDADE DE FALA”.
Qual
a bronca? Thiago fala de PREDICADO, eu chamaria de AÇÃO e de PRÁTICAS. Isto é:
A AUTORIDADE DE FALA é um efeito que passa a circular do mesmo jeito de antes,
o que muda são os CORPOS e organismos agora circulando (o que chamo de
mobilidade social).
A política como escolhas e circunstâncias II
II
Escolhendo cursos em
diferentes áreas
Por
que escolher biomedicina, biologia, matemática e não ciências humanas ou
sociais? Você tem que perguntar isso pessoa por pessoa. Toda criação de uma
regra geral para explicar um comportamento coletivo é redutora da realidade.
Mas
há pessoas que acreditam que ESCOLHER Humanas é uma questão de escolha
política: se posicionar diante das desigualdades sociais.
Então
quem escolheu biomedicina, por exemplo, não fez uma ESCOLHA política (supostamente).
Desde
o século XIX que surgiram teorias em ciências Humanas e Sociais para combater
as desigualdades, primeiro, de classe; depois, de gênero e de raça, apesar de
historicamente isso não ser exclusivo de Sociais e Humanas (ver Aimé Cesaire e
Franz Fanon, por exemplo, Simone de Beauvoir, bell hooks, Angela Davis - para
teorias diversas).
Bom,
há quem diga que as outras áreas científicas são “neutras” e, portanto, “do
lado do opressor”. Por isso se gasta tanta tinta para criticar nossos e nossas
primos e primas de outras áreas.
Ora,
notar que esse raciocínio traduz ou atualiza o ESCOLHER e se POSICIONAR quando
escolhe o curso (“escolhi denunciar às desigualdades”) para ESCOLHER E SE
POSICIONAR CONTRA os cursos fora da área que escolhi.
A política como escolhas e circunstâncias I
Reprodução de NerdSite. Link abaixo. |
Resumo - a série de posts (ensaios)
seguintes está dividida em 6 páginas.
Inspirado na série Snowpiercer (2020) – que foi inspirada em um longa de
2013, dirigido por Bong Joo-ho, óscar de melhor diretor em 2020 (O parasita) – que
em português foi traduzida como “Expresso do Amanhã”. Também se inspira em O Poço...
mas dialoga com teoria social, filosófica e antropológica.
Se
te interessar, passa para a seguinte. Boa leitura.
I Escolhas
Quais
escolhas fizeram de você o que você está sendo hoje? Escolheu o/a cruch no
Tinder? Fez vestibular para qual área? Então... quando você escolheu algo,
você podia escolher. Mas ninguém escolhe onde vai nascer.
Minha
ideia (tese) é estudar como a gente sofre efeitos dos ambientes em que
nascemos. Somos em parte animais: fome, reprodução nos impelem.
Em
segundo lugar: as interações das pessoas acontecem como herança das condições
anteriores de sua família, de seu bairro, de sua cidade (leiam de Karl Marx a Pierre
Bourdieu – teoria social).
Em
terceiro lugar: as diferentes funções e papeis assumidos pelas diferentes
pessoas só pode se dar dentro de circunstâncias específicas. São experiências
e processos (leiam W. James e A. N. Whithehead – pragmatismo norte-americano,
mas o filósofo é britânico).
Na
prática, as repetições e frequências de ações só podem se dar se o ambiente
estiver proporcionando (não determinando) essas circunstâncias ao mesmo tempo
em outras ações são tomadas de outros organismos (corpos) – você escolhe o
cruch no Tinder passando o dedo na tela do seu Iphone, com 4g, mas isso não
existia nos anos 1990.
O
que falei acima não partiu da série. Foi o que eu descobri no mestrado,
pesquisando fatos científicos: o que ocorre com um fato ou descoberta é a junção
de circunstâncias novas diante de uma rotina institucional já existente.
Escolhas
se dão em espaços e circunstâncias diferentes, eis a lição...
Fontes: https://www.nerdsite.com.br/wp-content/uploads/2020/05/expresso.jpg
quarta-feira, 15 de julho de 2020
Estado Zero (Netflix) I: sobre a vulnerabilidade e o risco
Fonte: MSN Brasil. Link abaix[1]. |
Sofie (Yvonne Strahovski) – a Serena da aclamada The Handsmaid’ Tale – estrela a minissérie Estado Zero (Stateless-2020)[2]), que levou 7 anos para ficar pronta. A série narra quatro histórias que envolvem diferentes motivos e causas que levam pessoas a um centro de quarentena para imigrantes na Austrália. A série, aliás, é baseada em fatos reais. Mas existe um elemento dela que queria traçar como fio condutor: a fragilidade emocional da protagonista (Sofie).
Sofie é uma jovem australiana de
classe média. Ela tem um “emprego dos sonhos” para muitas mulheres – ao menos
na classe baixa brasileira – ser aeromoça. Sua família vive confortavelmente e
longe da pobreza, como uma família de costumes tipicamente tradicionais da
família burguesa moderna. O que falta? Sofie precisa se casar e se tornar uma
boa esposa. Segundo expectativas de sua família sobre quem ela deve ser ou se tornar.
Sofie não consegue se encontrar
com essa realidade e acaba descobrindo um tipo de culto terapêutico que vincula
“quebrar o estado emocional de alguém para refazê-lo”, sob o pretexto de que as
pessoas possuem expectativas sobre o que nós devemos ser e isso nos aprisiona e
nos faz sofrer, então devemos nos libertar e, como bebês, precisamos nos tornar
vulneráveis e nos arriscar ao mundo de novo! Metáfora poderosa, sem dúvida.
Em pouco tempo Sofie abandona o
emprego, abandona a família que, diga-se de passagem, é bastante invasiva, e se
entrega completamente a essa novidade, se abrindo à vulnerabilidade sugerida no
culto. Mais tarde, o enredo nos leva para um local, um centro de detenção no
qual Sofie aparece, alegando ser uma mochileira alemã (Eva Hoffman). Por outro
lado, a irmã de Sofie/Eva a procura desesperadamente.
Em paralelo à história de Sofie/Eva,
uma família foge do Afeganistão, pois lá, tanto a mãe quanto suas duas filhas não
teriam futuro, como enfatiza o pai, Ameer, um professor que tenta levar a família para viver na Austrália,
mas que acaba se envolvendo com um grupo de traficantes de pessoas. Isso, sem dúvida,
selará o destino de Ameer e sua família, principalmente de sua filha mais
velha, que nos lembra a história real da menina Malala.
Ao mesmo tempo em que a série
conta essas duas histórias, outras se desenvolvem, como coadjuvantes, mas duas
delas recebem mais atenção: a trajetória de uma encarregada da central de
isolamento, Clare; e um homem, Cam, que tenta melhorar de vida e aceita os
incentivos de colegas para se tornar guarda no local, mas que não faz ideia
onde está se “metendo”. De certo, a série humaniza as pessoas por trás do
centro de isolamento, que bem pode ser chamado de penitenciária para suspeitos
de terrorismo e ameaça à segurança nacional, como enfatiza Clare em certo
momento.
No final, gostaria de encerrar
enfatizando a protagonista, Sofie/Eva. O que há de comum entre ela, eu e você
(como disse a colega colunista do Soteroprosa, a Sarah, em seu post
sobre a série Dark)?
Bem, o caso de Sofie vai além do centro
de refugiados. Sua presença na “prisão” cumpre o papel de mostrar a fragilidade
do sistema de imigração australiano (e não apenas). Mas é o aspecto pessoal e
emocional de Sofie, sua fragilidade, que vai gerando uma busca por um sentido
existencial, um problema identitário, de dúvida, insegurança e confusão que a tornam
alvo de um grupo especializado em lidar com jovens nessa situação. Mais tarde,
Sofie está correndo, fugindo de algo.
O que aconteceu? Eis o eixo que
compartilhamos e que me preocupa pessoalmente: quantas pessoas, hoje, jovens,
estão vivendo uma imagem de mundo e de identidade, mas que, ao mesmo tempo,
podem estar se colocando em situações de risco e de vulnerabilidade? Eis o que
me motivou a falar sobre essa série: a preocupação com pessoas que, mais
intensamente diante da pandemia de Covid-19, andam mais frágeis e suscetíveis a
influências que, em alguma medida, ao “bagunçarem” nossa “percepção” e
identidade, podem as (nos) colocar em situações de risco que podem
temporariamente parecerem uma saída, mas, a longo prazo, podem gerar situações
que piorem nossa fragilidade?
Quanto ao importante tema da
imigração, será necessário um post à parte. De resto, prepare-se para cenas
comoventes praticamente a cada um dos seis episódios da minissérie. E,
pessoalmente, busque acolhimento com familiares, amigos e amigas, e terapeutas
certificados e certificadas, independente de se tratar da ciência institucionalizada
(psicologia) ou terapias alternativas, contanto que você possa ter certeza de
que essas pessoas sejam realmente capacitadas, pois certas orientações podem
atrapalhar mais que ajudar. Eis o caso vivido por Sofie que, não custa lembrar,
é baseado em uma história real.
Fonte da imagem: https://www.msn.com/pt-br/tv/series-de-tv/estado-zero-miniss%C3%A9rie-da-netflix-levou-7-anos-para-ficar-pronta-e-traz-hist%C3%B3ria-real/ar-BB15XLMJ
[2] Teaser: https://www.netflix.com/br/title/81206211
quinta-feira, 9 de julho de 2020
Consumindo teorias sociais como canais de TV
Consumindo teorias
sociais como canais de TV
Escolhendo teorias sociais para seguir
Reprodução de Internet. Link abaixo. |
Em
uma pesquisa financiada pelo ministério da ciência, tecnologia e
desenvolvimento para estudantes de graduação (Iniciação Científica), do ano de
2014 até 2015, eu estudei “como cientistas sociais aderiam a certas teorias e
não outras”. Selecionei teorias de gênero e teorias pós-coloniais. Sendo uma
pesquisa qualitativa, eu não podia dizer que os resultados da minha pesquisa poderiam
ser generalizados. Ou seja: não poderia dizer que o que descobri se aplicaria a
todos os e as cientistas sociais.
Minha
conclusão foi que: 1) a teoria precisa estar circulando (ela precisa existir e
ter chegado por meio de pessoas e literatura especializada e em idiomas
acessíveis, normalmente, no caso da pesquisa, em língua portuguesa); 2) existe
a importância de ter orientadores/as e grupos de estudo, no início, lidando com
o assunto, pois a grade curricular antiga de uma instituição não é sempre flexível,
normalmente ela ensina “os clássicos”, mas não o assunto, digamos, “da nova
geração” ou da “moda mais recente”; 3) “da moda mais recente” existem também os
“corredores” e os círculos de trocas entre estudantes e influências externas –
aqui os últimos 30 anos foram, tecnologicamente, bastante transformadores, já
que fotocopias e a territorialidade nova, da internet, das tecnologias de 3g e
4g de smartphones, expandiram a circulação de literatura especializada,
pirateada e não somente, dentro e fora das universidades; 4) a escolha pessoal
do e da cientista social está ligada, como em qualquer outra área, a motivações
pessoais “práticas” (respectivamente: a teoria é emancipatório e crítica ou
não? Ela se alinha ao que grupos e movimentos sociais defendem ou não e, por
fim, as consequências de seus usos vão ter resultados efetivos para mudança
social desejada, ou não? Se as teorias não se encaixarem nesses parâmetros, a
regra hipotética que assumo é que elas são descartadas, normalmente de modo
sumário).
Adesão aos canais de TV
Ora,
até a década de 2000, no Brasil, a TV ainda era algo incomum nas periferias e
casas de pessoas pobres. De onde vim tivemos TV nessa década (eu era uma
criança), apesar de ter sido esforço de um trabalho descomunal de minha família
(artistas plásticos) para comprar uma Mitsubishi às curtas de um mil pratinhos artesanais
pintados individualmente para um casamento cuja cliente era uma poetisa e seu
esposo, um político “adinheirado” e, mais tarde, mal afamado. Na década de
2000, contudo, a novidade eram os computadores, já os celulares, ainda eram 1g
e 2g. Foi na metade desta década que tive um primeiro computador, sem internet;
no final, tive outro, mas ainda sem internet. Foi no finalzinho, com as
lan-houses, que comecei a me familiarizar com a internet e com computadores,
podendo ter, finalmente, um computador (notebook) com internet posteriormente.
Alguns anos depois entrei na universidade. Lá, fotocópias de textos eram mais
comuns. Na segunda metade do 2010, contudo, o uso da Internet e, diante da
pandemia, 2020, a Internet se tornou a infraestrutura fundamental para
continuidade das atividades acadêmicas. Mas e as TVs?
Ilude-se
quem acredita que elas “sumiram” e que ninguém mais assiste. Mas, mais
importante, “como escolher um canal para assistir”? Você já parou para notar
que seria possível identificar, quantitativamente, as preferências de pessoas por
canais específicos conforme geração, classe social, gênero, raça, etnia, região
do país, grau de ensino, ocupação etc.? A questão é: como as pessoas escolhem
um canal e abandonam outro? Ora, como qualquer acadêmico ou acadêmica escolhe
sua teoria, em Sociais, assim como um biomédico escolhe seu curso e,
posteriormente, seus campos de pesquisa.
A
questão que resta, seria: se TV e Teorias Acadêmicas são diferentes atividades,
mas tem em comum a ideia que você ESCOLHE uma alternativa em relação a outras
tantas, então isso também se aplicaria as escolhas de TEORIAS NATURAIS e
MATEMÁTICAS? Bom, existem sociólogos que dizem que sim, ou seja, existiria uma
causa “social” por trás do sucesso de um tipo de conhecimento em detrimento de
outros (mesmo na matemática, por exemplo). Esta teoria, contudo, foi
abandonada.
Por outro
lado, ao aproximarmos as diferentes Ciências, nos deparamos com a separação
entre TÉCNICA e POLÍTICA. Se as escolhas de Teorias Sociais estão, via de
regra, ligadas às escolhas políticas, o oposto seria que a escolha técnica
estaria fora delas. O que, óbvio, é um mito. Todavia, ao colocar essa questão
nesses termos, ao menos em Sociais, reproduzimos, erroneamente, a lógica da
escolha do canal de TV: ou seja – a escolha pela TÉCNICA (ou canais) é uma
escolha conformista e não posicionada (como assistir novelas, programas de
auditório na TV).
Resultado:
a escolha de cientistas sociais classifica a teoria do mesmo modo que a
política da TV. Escolha o canal contra a Direita, assim como a teoria
Politizada. Mas nem só de verdade sociológica e antropológica vivem as pessoas.
Em segundo lugar, respeitar as outras áreas e as pessoas (senso comum é um
termo pejorativizado) é necessário. Em terceiro lugar, é possível combater
desigualdades sociais não apenas com teoria social crítica. Em quarto lugar,
outras ciências podem ser aliadas, mesmo a biomedicina e a Saúde em geral,
basta que “sentemos” para propor alternativas e avanços com dimensões ainda não
exploradas naqueles campos (já pensou em fazer uma pesquisa “meramente”
descritiva, mas que demonstre como a infraestrutura sanitária, etnograficamente
observada, constrói um ambiente favorável às disseminações de doenças e
viroses, demonstrando, assim, que ações governamentais tem sido insuficientes;
ao mesmo tempo em que propostas da OMS não se aplicam a todos os lugares devido
às especificidades de cada local? E, também, que as pessoas que são chamadas de
“senso comum” têm ativamente promovido ações contra essas desigualdades sem a
necessidade de ajuda, mesmo que bem vinda, do “saber acadêmico”? Pois é... nem
a TV é passava, nem as pessoas).
domingo, 5 de julho de 2020
Você pagaria 5000 conto numa calça? Sobre nossos limites...
Reprodução de Internet. Fonte abaixo.
Masculinos e femininos (ciclo 1)
Sabe
o tema da beleza? E de “exposição” em redes sociais? Ou da nudez feminina? De selfies?
De “injeção de autoestima”? Bom, tudo isso aí pode levar uma boa parcela de homens
a simplesmente não entender nada do que se passa na cabeça de quem posta essas
coisas. E pior: que você, homem, caia na crítica automática. Não se engane, nas
Ciências Sociais e Humanas, isso também acontece. Ou seja: homens cientistas
fazem o mesmo que outros homens não cientistas fazem sobre o assunto: eles
desclassificam temas ligados ao “feminino” (social, cultura e historicamente
falando).
Não
se engane de novo: não é só em Humanas e Sociais, pesquisas na antropologia da
ciência e tecnologia vem demonstrando que mesmo os algoritmos são feitos
“masculinamente”, às vezes de modo racista também. Não se engane pela terceira
vez: isso também acontece em áreas ligadas à Biologia e comportamento animal,
como no caso da primatologia que, quando estudada por homens, compreendia e
representava os dados como visões “Masculinas”. Bastou uma primatologista
mulher (Shirley Strum) estudar os mesmos animais (orangotangos), que outros
resultados foram descobertos.
Gosto
de refletir sobre esse assunto partindo de uma mulher, a filósofa francesa
Simone de Bouvoir. Na década de 1970 ela falou sobre ser mulher e sobre a
relação masculino e feminino, concluindo que nessa relação as mulheres são
reféns da representação masculinizante da realidade do que, inclusive, é ser
mulher. Ou seja, fera, todos os exemplos que dei acima representam essa
“sacada” da Simone. Seja na Ciência seja em Redes Sociais, existe essa
“masculinização” da realidade.
O
que quero colocar em evidência são os limites das visões, não apenas como uma
crítica, mas também como um encerramento da realidade em uma perspectiva. Mas
não só isso (porque ficamos achando que se trata de “pontos de vista”).
Trata-se, muito mais, da capacidade de entender em um momento e entender mais
adiante. Aqui o melhor exemplo é a série Dark: o entendimento sobre a realidade
só é possível parcialmente e, mesmo assim, é limitado às nossas experiências a
cada momento.
Fechemos
esse ponto: masculino e feminino. Se tu entendeu esse papo, tu já pode falar
que entende de ontologia, fera. Porque o termo serve pra isso.
Cores, raça, classe e etnias
(ciclo 2)
Você
já teve a sensação de que não fazia sentido nenhum gastar R$ 5,000,00 naquela
calça jeans? Se sim, você está comigo, um homem que nasceu na classe pobre. Ou
seja: primeiro é um corpo masculinizado (gastar com roupa não é sua
prioridade), segundo, é um corpo “classicizado” (não faz sentido gastar tanto
pra comprar uma “mera” calça).
Entenda
esse ponto: feito Dark, está acontecendo tudo de novo, você não consegue
entender “o sentido do outro”. Você não pode. Assim como não pode enquanto
homem entender o “sentido” de certos hábitos ou comportamentos de mulheres.
Historicamente isso foi tornado “moda” e reproduzido, por exemplo, no cinema:
“guerras dos sexo”, “isso é coisa de mulher”, “mulher é bicho complicado”,
“quem pode entender o que se passa na cabeça de mulheres” (frase usada em Dark
pelo Egon para explicar o desaparecimento de Agnes). O cinema, contudo, não
apenas “molda” a realidade como também é “moldado” pela “sociedade” (o mesmo
vale para a mídia, moda etc. – Thiago Pinho e Thays Souza que merecem o crédito
aqui).
No
caso do tema raça e cor, mas também etnicidade e indianismo, não acontece
diferente (“nunca duvide disso” [Dark de novo! Meu Deus!!! Rs]). Lendo a Neuza
Santos Souza eu entendi o que não entendia no passado. O relato de experiências
de mulheres negras e a narrativa de Neuza, escritora, psiquiatra e psicanalista
brasileira, mulher negra, provocaram meu eu, como do tipo “quem eu era antes de
te conhecer” (Filme, amores e amoras): meu Eu passado não tinha ferramentas
suficientes para entender a realidade de um corpo “colorificado”,
“masculinamente feminilizado”, “classialmente estigmatizado também”, não só
pela “colorificação” que pejorativa toda a possibilidade de abrir a dimensão
perceptiva da beleza do corpo negro [e aí, já tá tendo alguma “sacada” sobre
uso de Rede Social e o tema do “feminino” e do corpo de mulheres? Eis uma
deixa...].
Certo,
faltou a indianidade. Quando falamos em etnia, estamos falando de “grupos de
pessoas” e suas “origens, descendências” e hábitos e praticas (alguns e algumas
chamariam isso de “a cultura” dos índios e das índias, prefiro reduzir à escala
conceitual mais simples, “menor”: hábitos e práticas experienciadas). Assim,
quando você não entende uma pratica de um índio ou índia, você pode lembrar: é
que você não foi “indianizado”; você foi, como eu, masculinizado, classicizado,
racializado, etnicizado dentro de um coletivo de pessoas específico e cuja
origem foi “perdida” (eu não sabia, mas meu individualismo foi “aprendido” e
ele é um valor europeu moderno que “zarpou” de navio para as colônias – que nem
o mosquito da dengue que veio em “navios escravizantes de pessoas pretas”,
neste caso, escravizadas por pessoas portuguesas de descendência mista, como
árabes, mulçumanos, entre outros; e aí eu, inconscientemente, alimentei ele com
o consumo que faço de música, de cinema, de filosofia greco-alemã
principalmente – tudo tem uma origem e um fim, mas no caso da “cultura
colonial”, não, que nem Dark [¬¬]) , onde tudo se repete infinitamente).
Fechemos
esse 2º “ciclo”.
O erro (o 3º e último ciclo)
Até
agora pode ter parecido que fui pessimista, e até reducionista e simplista, e
que estou dizendo que não conseguimos “sair” de quem somos. Conclusão possível,
mas não intencional. Não é essa a resposta que busco, na verdade. É exatamente
seu contrário: como sair desse ciclo? A questão é “como mudar?”. Afinal, não
podemos ir no nosso passado (Dark) para contar pro nosso Eu passado o que
“sabemos” agora. Isso não mudaria o Eu do passado, apenas o informaria. Mas
isso geraria a possibilidade de esse Eu do passado seguir outros caminhos e,
portanto, ele viveria novas experiências, podendo, enfim, mudar quem é.
Vamos
fazer o mesmo “movimento temporal”: falei de homens e mulheres, vamos chamá-lo
e chamá-la de Jonas e Marta pra brincar um pouco. Existe um desentendimento
sobre o ser homem e ser mulher: quando você parte do homem para falar da
mulher, você perdeu a vida de ser mulher, o que você mantém são suas visões
masculinizadas sobre o feminino. O inverso dá no mesmo. Quando você parte do
branco pra falar da preta. Aconteceu de novo. Quando você parte do yanomami
indígena, David Kopenawa, para falar do homem branco, dá no mesmo. Há sempre um
limite e uma perda: “o que sabemos sobre o universo é sempre uma gota, enquanto
ele é um oceano” (Dark).
O
erro que limita a gente é achar que é pela via do conhecimento que
transformamos o mundo. Mas sendo sempre dualistas. Acreditamos que sairíamos
desses dois polos (homem branco para o indígena; preto/branco pra cor; rico/pobre
pra classe – ora, não é a origem religiosa do legado judaico-cristão, no
Ocidente, “o bem e o mal”?). Nas Sociais e Humanas o caminho se refletiu em “epistemologias”
postas em igualdade, em “simetria”. Percebe que a gente fez o mesmo que um homem
masculinizado que não “entende” o uso de Redes Sociais por parte das mulheres?
Mas essa estrutura perceptiva “dualizante” nos aprisiona em um limite: a chave
interpretativa coloca o problema de um jeito, mas não pode sair dele. O Davi
Kopenawa não ficou no dualismo. Ele escapou dele quando não separou a
Humanidade do Mundo (não somos “humanidade”, somos “o mundo”, “somos a
natureza”, “somo com”, poderíamos sugerir). Ele simplesmente disse que
morreremos juntos com a “queda do céu”, isto é: quando as florestas morrerem e
os rios secarem o céu vai desabar.
Encerrar
o dualismo não é, contudo, nem diminuindo (somos um) e nem multiplicando (como
se sugere com a noção de ontologia). Também não é mudando, apenas, pois caímos
noutro dualismo: “mudar/permanecer”. A experiência é a saída (viver cairia no
viver/morrer: dois verbos, dois predicados para o substantivo ser). A
experiência não pode ter um oposto substantivo. Ou seja: você só cai no
dualismo da negação, da não-experiência, ou inexperiência. Mas isso é um
dualismo fundante: sim/não. Quer dizer que remete ao fundamental: a escolha. A
escolha de viver uma experiência ou não.
Finalmente:
você não tem que nascer de novo para entender melhor outros corpos, outras
pessoas. A questão também jamais foi essa (mentira: durante um TEMPO foi sim).
Não é como você pode se colocar no lugar do outro (porque você não pode). É
como você se cala, “produzindo” silêncio diante do outro e aceita a diferença
inescapável entre você e os outros. Acolha sua limitação. Não precisa achar que
é “valorizando o saber” do outro que as coisas vão mudar. Esse foi o primeiro
passo que o século XX, pós-colonial, tentou dar dentro das Ciências Sociais e
Humanas. Mas muito ainda precisa ser feito. Isso tem que sair para o mundo. Mas
enquanto “vai saindo”, você precisa dar o segundo passo. É o que Morfeu disse a
Neo em Matrix 1: “existe uma diferença entre conhecer o caminho e trilhar o
caminho”. É rompendo com a nossa autoimagem e definição de mundo e da presunção
de saber mais e melhor que os outros. É a própria herança moderna que acolhemos
e que criou uma versão de realidade que precisa ser superada.
Acolher,
calar-se, “viver-se”. Deixai os outros corpos “viverem-se”. Ao viver-se você
nota, “que nem” Matrix, que não é o mundo “exterior” que muda (no filme era uma
colher), é você mesmo ou mesma quem “muda-se”. Ao fazer isso, você acolhe o
outro, sem precisar confundir o mundo do outro dentro da sua Ciência
modernizadora. Sua Ciência não é uma caixinha da qual você retira uma
ferramenta para “conhecer” o outro: assim como o outro não vai te conhecer pela
caixinha dele (epistemologias). O outro
apenas vai te conhecer e você vai conhecê-lo. Sua Ciência não é pra conhecer
ninguém. A Ciência, Gabriel, é o que tu usa para fazer pesquisa acadêmica sobre
pessoas e coisas diferentes. Ela te dá a sensação de que tu conhece as pessoas.
Mas tu não conheces elas (e nem a ti – diriam psicólogas, terapeutas holistas
e certos filósofos gregos). O que você conhece, Gabriel, são as formas pelas
quais as pessoas estão lidando com a Covid-19 no teu bairro!
(Falando na
primeira pessoa). Antes eu conheci como pequenos grupos de cientistas sociais,
agrônomos e agrônomas lidavam com agrotóxicos ou defensivos agrícolas (uso o
termo agrotóxico). Antes eu conheci como certos e certas cientistas sociais
mudavam de teorias, incorporando teorias de gênero e pós-colonialidade. Noutra ocasião
eu conheci como entomologistas descobriam informações sobre o Zika vírus.
Quando juntamos o que nós conhecemos, temos a impressão de que estamos falando
de “saberes” e que essa é a chave: mas a diferença entre conhecer um vírus e
conhecer uma pessoa é gigante: pois conhecer não é conviver. A antropologia
ensina a com-viver. Não é o mesmo que “conhecer alguém”. É como um namoro:
conviver é uma coisa, outra é conhecer Redes Sociais da pessoa, ler seus posts,
trocar afetos etc.
Neste sentido,
a antropologia pode nos ajudar a com-viver, ao invés de “com-saber”. Eis o que
o antropólogo britânico e herdeiro dos frutos do colinialismo de seu povo, Tim
Ingold, chamaria de sabedoria. Com-vivendo, quem sabe, cultivemos mais a
herança “sabedorial” de tantos eus que existiram e que existem por aí,
inclusive "eus" como “nós” mesmos e mesmas.
quarta-feira, 1 de julho de 2020
Sagrado e matemática: como sair do conhecer para o sentir?
Reproduzido da internet. Link abaixo |
Tenho escutado
pessoas dizerem que queriam entender melhor o uso de ontologia na antropologia.
Bom, mas no modo geral, também quero dizer “pra que serve isso”, qual o uso que
podemos fazer desse termo “na prática”.
Vamos
analisar um exemplo: a minha dificuldade de entender matemática. Ora, por que
não entendo? “Burraldo”? Ou o professor “não sabe ensinar” (ele que é burro)?
Bom, nenhum nem outro. Meu argumento é que há um limite de entendimento de como
ensinar e de como aprender.
O
problema é que o limite de como aprender me parece ligado à relação entre
experiência pessoal, estímulos cerebrais que fizeram as “partes do cérebro”
ligadas à aprendizagem de uma matéria ou assunto específico não serem
desenvolvidos (no meu caso, matemática). Entretanto, não se trata só de
“estímulos”: há cérebros e experiências infinitas! Alguém pode ter um problema
neurológico, um transtorno; pode ser que na primeira infância algo não tenha
sido experienciado e isso tenha “atrofiado” um caminho possível de entendimento
da realidade etc (digo com base na importância dessa fase também para crianças
com microcefalia).
Bom,
agora pense que o professor que quer ensinar e o aluno, e o próprio aluno,
estão diante de um limite de compreensão e de entendimento. Os dois têm um
objetivo em comum. Porém, façam o que for, não saem do zero (que nem em Dark 1,
2 e até o quase o final do 3). O mesmo vale para ontologias! Ela é um termo
usado (na Antropologia!) para dizer que esse entendimento do mundo e o modo
como você age no mundo, resultam de suas experiências. São elas que definem os
limites da sua capacidade de perceber, entender e agir sobre a realidade (ao
menos provisoriamente).
No
caso do exemplo, o professor não consegue ensinar um aluno especial porque o
mundo dele está “parado” em certo conjunto de possibilidades perceptivas e, por
conseguinte, de “ferramentas didáticas”. Já o aluno (eu), acaba se “perdendo”
quando começa a conectar os números com as equações e fórmulas, pois não
consegue raciocinar “matematicamente” de modo desejado – ele também está
limitado em como aprender a aprender.
Já
com a ontologia, o que acontece não é exatamente igual com o que acontece na
matemática. É com nossas interações com pessoas que têm hábitos e
comportamentos diferentes do nosso que esbarramos nos “desentendimentos”. Aqui
a matemática não ajuda em nada; porque não se trata de “epistemologias”, não se
tratar de entender como o outro entende sua própria realidade a partir de suas
ferramentas de produção do conhecimento, ou seus saberes.
Vejamos outro
exemplo: num “encontro de saberes”, eu estava com meu velho caderninho de notas
estudando cientistas sociais da UFRPE que, por sua vez, estudavam agroecologia
e diálogos de saberes. Um professor da área de Educação, famoso agroecólogo,
estava, honestamente (dizia ele), sem conseguir lidar com a questão da água e
das plantas como sendo sagradas. Ele “entendia”, respeitava, até louvava, mas
não “sentia” o sagrado. Seu interlocutor, representante de um coletivo
pernambucano ligado às religiões de matrizes africanas, tentava “mostrar” pro
“homem branco”, por meio da linguagem, esse “sagrado”. Ora, jamais conseguiram
ou conseguirão!
“Que nem” o
caso da matemática, o caso do “sagrado” demonstra um limite da experiência. O
“erro” aí está no fato de que todo mundo tá tentando, admiravelmente,
solucionar um problema real com a ferramenta incorreta. Não é por meio do
“diálogo de saberes” (epistemologias). Essa é uma forma politicamente correta
de dizer que as coisas podem ficar no mesmo patamar. No entanto, basta que
apareça um problema que extrapole a linguagem para que logo as preferências
aparecem (prefere reza pra curar Covid-19 ou água benta? Prefere vacina, né,
minha filha?)
O problema não é abandonar os “diálogos de
saberes”. Ele é importante. E já fez muito nas últimas décadas. Porém, ele não
resolve o problema das experiências (das ontologias). Toda vez que um acadêmico
ou acadêmica típico for falar com um Pankararu, yanomami ou um babalorixá, ou
um crente, uma evangélica, ou, ainda, uma terapeuta holística e astróloga, ele
vai ficar naquela: “massa, que bacana...”. É porque se fica com os termos de
conhecer em primeiro plano. A comunicação se torna impossível, pois não há como
mensurar a realidade das experiências distintas numa mesma linguagem: aí
achamos que “conhecer” é a palavra. Jamais foi.
Por
fim, a ontologia é a palavra usada para tentar lidar com essa realidade para
propor ações que “conectem” as diferenças em ações conjuntas para transformar
realidades. O professor não precisava pensar no “sagrado”, ele tinha apenas que
ouvir o seu interlocutor e continuar fornecendo o espaço de fala que ele tem,
na Universidade, para se falar de sagrado; ao mesmo tempo, ele poderia começar
a perceber que a ciência serve pra uma coisa, o “sagrado” pra outra, mas se as
coisas foram abertas, uma nova realidade de experiência pode surgir. Ele não
precisava se esforçar para, academicamente, entender o sagrado. É pra isso que
ontologia serve. Se ele queria entender, ele teria que ter vivido o sagrado e
deixado de usar a ciência para explica-lo.
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Duas religiões econômicas no comércio
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