quinta-feira, 30 de julho de 2020

O caso da Lista de Bolsonaro para comprar aliados*



Reprodução de Internet. Fonte: abaixo


Olha, o  ponto é: não temos provas da autenticidade do que diz o rival de Bolsonaro, o major Olímpio (PSL)¹.

Segundo: mas o que a gente pode aprender com isso aí? Porque, claro, pode ser sim que tal prática esteja ocorrendo no governo.

Meu propósito então será fazer algo simples e direto: 1) mostrar como a nossa área, Ciências Sociais, pode dividir suas tarefas com: i) fazer pesquisa, de um lado; ii) ter uma opinião política do outro.: 2) mostrar que nós, de Sociais, podemos encontrar padrões ou frequências em acontecimentos e isso nos permite trazer esses dados com pesquisas para auxiliar com a mudança social.

Um: fazendo pesquisa e tendo uma opinião
   Bom, li 3 artigos de opinião em um jornal de saúde, recentemente. Médicos e médicas "se posicionavam". Porém, lá, na área deles e delas, há a separação. Eles e elas defendiam equidade de gênero e raça em universidades e hospitais.
    Ora, lá, diferente daqui, de Sociais, há a separação. De um lado pesquisam uma vacina, por exemplo, para Covid-19, se a hidroxicloroquina presta mesmo (e não presta); do outro, fazem questão de se posicionar contra o racismo.
        Ter uma opinião... fazer uma pesquisa... guardemos essa lição...

Dois: e o caso da lista, o que ensina?
   

Ora, mas isso tem a ver com nossa realidade local? Sim, tem sim. É o que acontece nos bairros, em campanhas eleitorais. As pessoas se organizam e passam a defender algum candidato que ajudará mais NÓS que os outros (sabe aquele cara que te prometeu um terreno? 50 pila? Uma grade de bebidas?)

Aliás, ainda tem aquela frase "ninguém pensa na gente" ou no "nosso bairro". Vejam, essa é uma realidade. Enquanto cientistas sociais, podemos perguntar: quais fatores materiais aumentam as chances de que essas práticas ocorram?

Três: conclusão

Vocês notam que no caso do Governo Federal a ideia é: a Covid-19 deu milhões para o governo negociar e quem se aliar vai ser beneficiado (e assim vão beneficiar seus municípios) - e quem não se aliar (como ficam as pessoas dos outros municípios?)?

No caso do Governo Municipal, a ideia é: os Equipamentos Públicos e a pobreza dão oportunidades para dois tipos de pessoas: a figura do candidato que faz promessas até ilícitas para obter votos; e as pessoas que têm diferentes necessidades e decidem votar em um candidato porque ele vai "me/nos ajudar" (e os outros?).

Minha ideia é que essa é uma prática que mantém um hábito individualista e anti-solidário entre as pessoas, conservando a tradição e travando a mudança para outras atitudes. Notar: não é moralizar e culpar o candidato ou a pessoa que fez suas escolhas, mas olhar para o outro lado: para como as coisas são possíveis e como elas se mantém, sem mudar para futuros que, aí sim, moralizamos: futuros que gostaríamos que fossem diferentes e melhores.

Link para matéria:

Nota
1: A lista que o Major Olimpo mostra possivelmente será contestada como prova "forjada", inventada.

"Jamais fomos..." cientistas sociais

No livro "Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia simétrica" (1991), o filósofo Bruno Latour dizia que os ideais da Modernidade sempre foram pregados, mas, na verdade, jamais foram realmente praticados.

        Bom, o que Latour tá dizendo é que o ideal científico da Modernidade separava a realidade em dois pontos: de um lado, uma Natureza, de outro, uma Cultura/Sociedade. O que isso significa, na prática? Que a Ciência Moderna deveria falar pela Natureza, enquanto a Política, pela sociedade.

Qual a bronca? Que a Ciência e, por conseguinte, a Tecnologia, faziam parte da Política o tempo todo. Ou seja: era tudo “híbrido”, uma mistura de Natureza e de Política. A constituição oficial dizia para separar a ciência dos interesses políticos, mas, na prática, a ciência sempre fez parte do coletivo e da política - jamais ficou de fora.

            O que estou falando quando falo que jamais fomos cientistas sociais? Que se essa área também é filha da Modernidade, seu desenvolvimento "tardio" resultou numa outra constituição moderna: a da divisão entre experiências/corpos de um lado, e quem pode falar deles do outro.

            Tudo se passa como se nas Ciências Sociais, diferente das outras ciências, tivéssemos chegado a um nível em que conseguimos perceber a “bronca” da Ciência Moderna. No entanto, agora teríamos conseguindo mostrar como a Ciência era construída por corpos/experiências atravessados de contradições e que somente determinados corpos pudessem fazer pesquisa sobre Ciências Sociais.

            Resultado? A constituição das Ciências Sociais quebrou, tal qual a modernidade. Ou seja: agora, cientistas sociais não conseguem mais resolver a separação entre: ciência de um lado, ciências sociais de outro.

            E a questão pública? Isto e: existe, de fato, utilidade em Sociais para além de “descer a lenha” na direita? Eis a questão. Uma nova constituição precisa ser criada dentro das ciências sociais. Quem sabe então assim, não tenhamos mais, politicamente, representantes eleitos como Bolsonaro e Weintraup – representantes de parcelas de pessoas que só enxergam o legado comunista por trás das Ciências Sociais.

domingo, 26 de julho de 2020

MANIFESTO PRAGMÁTICO E PÓS-ONTOLÓGICO

Manifesto pragmático

 

            Minha hipótese de trabalho é que a divisão do trabalho dentro da instituição científica é, na verdade, muito simples. Primeiro você produz, historicamente, a episteme por consensos e delega as especialidades. Assim, a filosofia de origem grega dá o norte sobre questões metafísicas. Segundo: na modernidade, diante do acumulo institucional e, antes, privado, dos saberes, então você, finalmente, pode delegar as especialidades, enquanto a filosofia continua com a “metafísica da ciência”.

            No século XX, contudo, algo muda. Mas, antes, desde o XIX, as ciências sociais se desenvolvem dentro dessa especialidades separadas, mas prossegue montando seu campo a partir da metafísica da ciência. No entanto, quando um de seus subcampos passa a tentar “retirar da filosofia” sua metafísica da ciência, então as coisas começam a mudar. Primeiro você pensa na metafísica da sociedade e da historicidade do conhecimento, mesmo o nosso, de dentro da episteme. Segundo, você passa a desrespeitar as fronteiras que separam o alicerce sagrado que monta o conhecimento científico – a matemática, a física, a química e a biologia (Ciências da Natureza).

            Na segunda metade do século XX, já não há mais privilégio da “epistemologia” enquanto metafísica da ciência. Cientistas sociais desafiam os alicerces e se dividem entre defensores da tradição, da divisão do trabalho clássica: ciência objetiva de um lado - com filosofia ou metafísica da ciência de outro – ciência e especulação metafísica como ingrediente da prática de pesquisa científico-social do outro – com o lugar da especulação metafísica alinhada a prática científica (em certa medida, isso pode ser chamado de reflexividade “ontológica”).

            Dos anos 80, principalmente, em diante, com ênfase na primeira década de 2000, a metafísica da ciência se junta a uma metafísica da sociedade aliada à produção de pesquisas em ciências sociais. Na antropologia a cultura, e a epistemologia tradicional que respeita a divisão do trabalho clássica, é sacudida e passa a ser vista por seus críticos e suas críticas como deslegitima, colonial e incapaz de alcançar seus objetivos iniciais. A antropologia tem seu ápice científico com Lévi-Strauss e o estruturalismo, mas sua “idade de ouro” não dura mais que trinta anos na França, onde nasceu. Na sociologia, também francesa, é Bourdieu o ápice da sociologia, com seu respeito a divisão do trabalho entre a ciência prática de um lado, e a metafísica da ciência de outro. Tão logo ele sintetiza a tradição crítica da sociologia (Marx e Engels) com a sociologia científica de um lado (Durkheim) e suas dimensões humanas de outro (Weber), tão logo seu reinado começa a ceder no final dos oitenta.

            Enquanto isso, as ciências da natureza seguem firmes e fortes, sem preocupações com o que acontece com as “fábricas” concorrentes de ciências humanas. A união entre, por exemplo, biologia e medicina alcançam seu ápice com a Organização Mundial da Saúde, fundada em 1948, três anos depois da fundação da Organização das Nações Unidas. Posteriormente, a segunda metade do século XX reúne a biomedicina e a tecnologia com questões de Segurança Nacional, como, em alguma medida, já existia no passado, com os Estados Nacionais.

            Já nas Ciências Sociais, assistimos nas últimas décadas do século XX e nas duas primeiras do XXI, a uma nova divisão do trabalho que, na verdade, é uma fusão, não uma separação, entre antropologia e sociologia com a metafísica da ciência e da realidade (ontologia). Esse movimento pode ser rastreado até a fenomenologia, no final do XIX e início do XX. Depois foi aplicada à sociologia. Porém, enquanto a separação entre “mundo da vida” de um lado e “divisão do trabalho científico clássico” continuasse, não havia problema.

            No entanto, na segunda metade do século XX, a divisão do trabalho científico, como já dito, foi alterada por cientistas sociais. Não é coincidência que o trabalho tenha sido feito por sociólogos do conhecimento (de Mannheim e Merton a Bloor), um filósofo e antropólogo (Latour), sociólogas (Knor-Cetina,) sociólogos (Law e Callon) e médicas/os e filósofas/os da medicina (Mol e Fleck). Ou seja:  estamos diante de uma fusão entre Ciências da Natureza, Ciências Sociais e metafísica da Ciência e da realidade (Ontologia).

            Conclusão: o novo formato das Ciências Sociais, hoje, não vem de agora. Ele vem se modificando, como foi visto, há pouco mais de um século. Atualmente, podemos dizer que Ciências Sociais estão incorporando a metafísica “especulativa” e da realidade (ontologia) com as pesquisas e práticas da área. Portanto, sempre que um artigo ou uma monografia forem publicados, haverá uma dimensão sobre a metafísica e outra sobre as práticas de pesquisa (metodologia e análise de dados). Quando não, normalmente os artigos serão de metodologia quantitativa. Mas, via de regra, sempre que haja espaço para análise qualitativa, é bem provável encontrar uma discussão metafísica por trás.

 

Quais corpos fazem ciência?

            Essa é a questão mais importante para as ciências sociais do século XX. Foi por meio dela que toda a teoria crítica e, depois, as diferentes vertentes críticas (feminismos, teorias pós-coloniais, estudos subalternos, estudos culturais, “pós-modernos”, “pós-estruturalistas”) conseguiram seu “lugar de fala” e, assim, passaram e remodelar as ciências sociais. A grande questão é saber se isso modificou as ciências da natureza. E a resposta mais óbvia é que “não, não surtiu efeito nenhum” e jamais surtirá.

            Os efeitos que ocorrerão e que vem ocorrendo, são muito mais “sociais” do que “científico-sociais” ou “metafísicos”. Ou seja: são efeitos pragmáticos de mudanças históricas. Com generosidade ao trabalho das ciências sociais, podemos dizer que tais efeitos ocorrem apenas indiretamente por causa desta área, e não produzem nenhum resultado sobre o “conteúdo do conhecimento científico-natural” (como queria Bloor). A únida mudança substantiva que ocorre, será sempre de ordem institucional. O que pode ser chamado de mobilidade de corpos (como corpos negros ocupando espaços antes apenas ocupados por espaços apenas brancos).

            A alternativa, por outro lado, para produzir uma mudança, é ou seguir pragmaticamente com as ciências sociais – deixando, assim, a metafísica da ciência e da sociedade ou da cultura (ontologia) “de fora” das práticas -; ou se prossegue produzindo sempre mais do mesmo nas ciências sociais, acreditando que questões de conhecimento produzido em ciências sociais com esta “reflexividade metafísica” irá, por milagre, reconciliar os valores das ciências sociais, com os valores das ciências da natureza. Isso jamais acontecerá.

            A outra alternativa é, em continuidade com a segunda mencionada, manter dois nichos: o de praticantes da divisão do trabalho científico clássica (com o social e a cultura) de um lado e praticantes da nova divisão do trabalho científico dentro das ciências sociais, do outro (com suas viradas e ontologias). O caminho do meio, como dito: é pelo pragmatismo utilitário, que abandona a especulação e se atém aos efeitos que podem ser pesquisados por cientistas sociais!

 

 

 


sexta-feira, 24 de julho de 2020

A política como escolhas e circunstânciasVI

VI

Saindo da EPISTEMOLOGIA SEM CAIR NA ONTOLOGIA

 

            Até aqui, OCUPEI ESSE ESPAÇO GRÁFICO, o texto, e tentei desfazer nossos consensos em Humanas. Ora, eu também mostrei uma coisa: eu levei a sério uma pessoa de AGRÁRIAS, sem opor suas escolhas e opiniões a uma REALIDADE CORRETA.

       Na antropologia esse papo se chama “respeitar a ONTOLOGIA” do outro. Porém, isso normalmente só é levado a série quando nos identificamos MORALMENTE com nossos NATIVOS. Neste caso, normalmente o NATIVO SUBALTERNO (afinal, escolhemos denunciar a desigualdade social e opressões “endêmicas”).

            Seguindo aqui os passos de antropólogos contemporâneos (Latour e Ingold), levei a sério o papel diplomático e tolerante desta disciplina. Porém, essa ESCOLHA não foi POLITICAMENTE INCORRETA?

            Um NÃO estridente! LEVAR A SÉRIO NÃO É CONCORDAR! LEVAR A SÉRIO É ENTENDER O SENTIDO QUE O OUTRO NOS CONTA em seus próprios termos.

            Se um índio da etnia Pankararú fala que ZIKA está no VENTO, eu entendo o sentido que ele dá a realidade e como ele a vive – papel da antropologia é aprender isso. Outra coisa muito diferente é concordar, porque essa não é a questão (mesmo assim se “vc” quiser, vc pode, é seu direito, não sua obrigação).

            Quando a professora de Agrárias falou, eu também não concordei. Isso não me impediu de continuar observando e entendendo a REALIDADE que o pessoal dá área construía em SALA DE AULA. Além disso, muita gente pensava diferente da professora (ver Latour novamente –  conceito de “recalcitrância”).

            Por fim, é isso: o todo é sempre menor que as partes, mas as partes são sempre "menores" do que a realidade. Com uso do pragmatismo você coloca a realidade em primeiro lugar, em segundo os conceitos que vão surgir dela como figurações (transcendentais – homem/mulher, capitalismo, humano, não humano, branco/preto etc. etc.). Ou seja: cada organismo é muito mais complexo do que as essências conceituais que tentamos usar como etiquetas (ver Ludwig Fleck que dizia que a “doença” era construída pela “medicina” – teoria filosófica da medicina). Mas isso é coisa para dentro das discussões em Sociais. Na prática, o papo é “ÉTICA”, “MOBILIDADE SOCIAL” E ESSENCIALISMO ESTRATÉGICO (Spivak). Só não me venha falar que o critério é saber ou não saber usar o conhecimento acadêmico (epistemologia) ou entender as experiências (“ontologias” – na verdade, fenomenologia) – isso gera o AUTORIDADE DA FALA, não “LUGAR DE FALA” (ver post do THIAGO PINHO “6 erros no uso do LUGAR DE FALA”).


A política como escolhas e circunstâncias V

V

ESCOLHAS, finalmente...

 

            Se POSICIONAR é uma escolha ética; usar CONHECIMENTO e SABER para legitimar AÇÕES é uma coisa independente da escolha inicial, ética, de denunciar as desigualdades.

            O que nos leva a irresistível conclusão que JAMAIS FOMOS PÓS-MORAIS! Além disso, as ESCOLHAS que nos levam para um campo ou outro da Ciência não reduz a chance de MANUSEAR ou USAR a ciência para questões de DESIGUALDADE SOCIAL. Os limites vão de acordo com as áreas, mas nem por isso uma é menos política que a outra.

            Levando a sério o que aprendi nessa quase uma década dedicado às Ciências Sociais, preciso então propor para esses NATIVOS que se POSICIONAR não se resume ao CURSO que você escolheu, mas à ESCOLHA de fazer diferença ou não – então já não é mais uma questão de área, afinal...

            O resto, portanto, é o velho maniqueísmo de “mocinhos” e “vilões”. Para esses romances, não se tem o que dizer... é ouvir... jamais esqueço a surpresa que tive quando uma professora de agrárias chamou “ambientalistas” e “agroecologistas” de evangélicos de mente fechada!

            Fiquei pensando: “nossa, essa pra mim é nova...sempre ouvi o contrário...mas nunca que uma cientista social, por exemplo, tinha a mente fechada”... Foi isso que me fez levar a sério o que a NATIVA dizia e parei para enxergar os consensos da minha própria área e, sem dúvida, isso desfez minha percepção sobre Ciências Sociais (ver Roi Wagner – teoria antropológica).


 


A política como escolhas e circunstâncias IV

IV

Um mundo além das universidades

 

            Para falar das ESCOLHAS e CIRCUNTÂNCIAS fora de universidades, iremos pro campo de pesquisa, um bairro suburbano de Olinda! Pré-candidatos usam Redes Sociais atualmente e os EQUIPAMENTOS PÚBLICOS para ganharem VISIBILIDADE.

            Todavia: munícipes – moradoras e moradores – de Olinda andam se POSICIONANDO com comentários às vezes a favor, às vezes acidamente contra “Os políticos” – “tudo ladrão” e “interesseiro”, “lobos com pele de cordeiro”.

            Ora... as pessoas que aceitam trocar favores por votos se iludem ou se desiludem, depende se o favor foi atendido ou não. Foi enganado e enganada ou não?

            Agora olhemos pra outro lugar: para os ambientes. Para os EQUIPAMENTOS PÚBLICOS – se a prefeitura faz seu trabalho, então candidatos/as não podem MOSTRAR SERVIÇO ao usarem REDES SOCIAIS para divulgar o que estão fazendo.

            Segundo: as Redes Sociais precisam existir para que eles e elas divulguem suas ações. O que descentraliza o poder da MÍDIA, como já notaram os e as populistas digitais (ler Letícia Cesarino – teoria antropológica).

            Mas e as pessoas que com fome? Eis onde minha ideia entra: as pessoas PRECISAM COMER, MORAR E SE REPRODUZIREM – seu interesse não é OCUPAR/RESISTIR, é VIVER/EXISTIR, COMER/VESTIR...

            Outra ideia precisa entrar aí: romper com o binarismo do UMA COISA OU OUTRA. Não, AMBAS AS COISAS CO-EXISTEM em LUGARES DIFERENTES. Uma coisa não invalida a outra (o todo é sempre menor do que as partes – ver Bruno Latour e Eduardo Vargas – teoria social).

            Resultado: em ambientes diferentes, diferentes ações são possíveis e eticamente necessárias. Por exemplo: ocupar espaços em edifícios acadêmicos. Segundo: ocupar o espaço/ambiente das Redes Sociais e, ao invés de seguir as promessas, GERIR AS AÇÕES COM O EQUIPAMENTO DIGITAL – foi isso que candidatos e candidatas aprenderam.

            Quando eu falo de “gerir”, estou dizendo que coletivos podem ser formados para fazer essas ações (eis uma forma de resistir a VELHA POLÍTICA CLIENTELISTA BRASILEIRA, a da TROCA DE FAVORES e de CARGOS).


 


A política como escolhas e circunstâncias III

III

Ocupar/resistir

 

            Outra atualização de ESCOLHER E SE POSCIONAR CONTRA se refere ao espaço: Redes Sociais e os edifícios acadêmicos se tornam “espaços de fala”. Agora ESCOLHER e se POSICIONAR se traduz em OCUPAR/RESISTIR.

            Há uma postura pós-colonialista que assume que se posicionar se torna CEDER O ESPAÇO DE FALA para O SUBALTERNO FALAR (ver Gayatri Spivak). Com isso, você cede os edifícios acadêmicos para outros corpos e organismos FALAREM nesses espaços.

            Como disse o sociólogo da UFBA, o Thiago Pinho, essa é uma questão “ética” e não “de saber” (epistemologia). Porém, acrescento: o SABER legitima A FALA dentro do espaço e do edifício acadêmico e fora dele.

            Quando você fala em Redes Sociais ou na “Grande Mídia”, o “sabe com quem você tá falando”, a “carteirada”, o diploma, “diz” quem tem “AUTORIDADE DE FALA”.

            Qual a bronca? Thiago fala de PREDICADO, eu chamaria de AÇÃO e de PRÁTICAS. Isto é: A AUTORIDADE DE FALA é um efeito que passa a circular do mesmo jeito de antes, o que muda são os CORPOS e organismos agora circulando (o que chamo de mobilidade social).


 


A política como escolhas e circunstâncias II

 

II

Escolhendo cursos em diferentes áreas

 

            Por que escolher biomedicina, biologia, matemática e não ciências humanas ou sociais? Você tem que perguntar isso pessoa por pessoa. Toda criação de uma regra geral para explicar um comportamento coletivo é redutora da realidade.

            Mas há pessoas que acreditam que ESCOLHER Humanas é uma questão de escolha política: se posicionar diante das desigualdades sociais.

            Então quem escolheu biomedicina, por exemplo, não fez uma ESCOLHA política (supostamente).

            Desde o século XIX que surgiram teorias em ciências Humanas e Sociais para combater as desigualdades, primeiro, de classe; depois, de gênero e de raça, apesar de historicamente isso não ser exclusivo de Sociais e Humanas (ver Aimé Cesaire e Franz Fanon, por exemplo, Simone de Beauvoir, bell hooks, Angela Davis - para teorias diversas).

            Bom, há quem diga que as outras áreas científicas são “neutras” e, portanto, “do lado do opressor”. Por isso se gasta tanta tinta para criticar nossos e nossas primos e primas de outras áreas.

            Ora, notar que esse raciocínio traduz ou atualiza o ESCOLHER e se POSICIONAR quando escolhe o curso (“escolhi denunciar às desigualdades”) para ESCOLHER E SE POSICIONAR CONTRA os cursos fora da área que escolhi.


 


A política como escolhas e circunstâncias I


 

Reprodução de NerdSite. Link abaixo.

Resumo - a série de posts (ensaios) seguintes  está dividida em 6 páginas. Inspirado na série Snowpiercer (2020) – que foi inspirada em um longa de 2013, dirigido por Bong Joo-ho, óscar de melhor diretor em 2020 (O parasita) – que em português foi traduzida como “Expresso do Amanhã”. Também se inspira em O Poço... mas dialoga com teoria social, filosófica e antropológica.

            Se te interessar, passa para a seguinte. Boa leitura.

 

I Escolhas

            Quais escolhas fizeram de você o que você está sendo hoje? Escolheu o/a cruch no Tinder? Fez vestibular para qual área? Então... quando você escolheu algo, você podia escolher. Mas ninguém escolhe onde vai nascer.

            Minha ideia (tese) é estudar como a gente sofre efeitos dos ambientes em que nascemos. Somos em parte animais: fome, reprodução nos impelem.

            Em segundo lugar: as interações das pessoas acontecem como herança das condições anteriores de sua família, de seu bairro, de sua cidade (leiam de Karl Marx a Pierre Bourdieu – teoria social).

            Em terceiro lugar: as diferentes funções e papeis assumidos pelas diferentes pessoas só pode se dar dentro de circunstâncias específicas. São experiências e processos (leiam W. James e A. N. Whithehead – pragmatismo norte-americano, mas o filósofo é britânico).

            Na prática, as repetições e frequências de ações só podem se dar se o ambiente estiver proporcionando (não determinando) essas circunstâncias ao mesmo tempo em outras ações são tomadas de outros organismos (corpos) – você escolhe o cruch no Tinder passando o dedo na tela do seu Iphone, com 4g, mas isso não existia nos anos 1990.

            O que falei acima não partiu da série. Foi o que eu descobri no mestrado, pesquisando fatos científicos: o que ocorre com um fato ou descoberta é a junção de circunstâncias novas diante de uma rotina institucional já existente.

           

            Escolhas se dão em espaços e circunstâncias diferentes, eis a lição...


Fontes: https://www.nerdsite.com.br/wp-content/uploads/2020/05/expresso.jpg


quarta-feira, 15 de julho de 2020

Estado Zero (Netflix) I: sobre a vulnerabilidade e o risco

                Fonte: MSN Brasil. Link abaix[1].

Sofie (Yvonne Strahovski) – a Serena da aclamada The Handsmaid’ Tale – estrela a minissérie Estado Zero (Stateless-2020)[2]), que levou 7 anos para ficar pronta. A série narra quatro histórias que envolvem diferentes motivos e causas que levam pessoas a um centro de quarentena para imigrantes na Austrália. A série, aliás, é baseada em fatos reais. Mas existe um elemento dela que queria traçar como fio condutor: a fragilidade emocional da protagonista (Sofie).

 

Sofie é uma jovem australiana de classe média. Ela tem um “emprego dos sonhos” para muitas mulheres – ao menos na classe baixa brasileira – ser aeromoça. Sua família vive confortavelmente e longe da pobreza, como uma família de costumes tipicamente tradicionais da família burguesa moderna. O que falta? Sofie precisa se casar e se tornar uma boa esposa. Segundo expectativas de sua família sobre quem ela deve ser ou se tornar.

 

Sofie não consegue se encontrar com essa realidade e acaba descobrindo um tipo de culto terapêutico que vincula “quebrar o estado emocional de alguém para refazê-lo”, sob o pretexto de que as pessoas possuem expectativas sobre o que nós devemos ser e isso nos aprisiona e nos faz sofrer, então devemos nos libertar e, como bebês, precisamos nos tornar vulneráveis e nos arriscar ao mundo de novo! Metáfora poderosa, sem dúvida.

 

Em pouco tempo Sofie abandona o emprego, abandona a família que, diga-se de passagem, é bastante invasiva, e se entrega completamente a essa novidade, se abrindo à vulnerabilidade sugerida no culto. Mais tarde, o enredo nos leva para um local, um centro de detenção no qual Sofie aparece, alegando ser uma mochileira alemã (Eva Hoffman). Por outro lado, a irmã de Sofie/Eva a procura desesperadamente.

 

Em paralelo à história de Sofie/Eva, uma família foge do Afeganistão, pois lá, tanto a mãe quanto suas duas filhas não teriam futuro, como enfatiza o pai, Ameer, um professor  que tenta levar a família para viver na Austrália, mas que acaba se envolvendo com um grupo de traficantes de pessoas. Isso, sem dúvida, selará o destino de Ameer e sua família, principalmente de sua filha mais velha, que nos lembra a história real da menina Malala.

 

Ao mesmo tempo em que a série conta essas duas histórias, outras se desenvolvem, como coadjuvantes, mas duas delas recebem mais atenção: a trajetória de uma encarregada da central de isolamento, Clare; e um homem, Cam, que tenta melhorar de vida e aceita os incentivos de colegas para se tornar guarda no local, mas que não faz ideia onde está se “metendo”. De certo, a série humaniza as pessoas por trás do centro de isolamento, que bem pode ser chamado de penitenciária para suspeitos de terrorismo e ameaça à segurança nacional, como enfatiza Clare em certo momento.

 

No final, gostaria de encerrar enfatizando a protagonista, Sofie/Eva. O que há de comum entre ela, eu e você (como disse a colega colunista do Soteroprosa, a Sarah, em seu post sobre a série Dark)?

 

Bem, o caso de Sofie vai além do centro de refugiados. Sua presença na “prisão” cumpre o papel de mostrar a fragilidade do sistema de imigração australiano (e não apenas). Mas é o aspecto pessoal e emocional de Sofie, sua fragilidade, que vai gerando uma busca por um sentido existencial, um problema identitário, de dúvida, insegurança e confusão que a tornam alvo de um grupo especializado em lidar com jovens nessa situação. Mais tarde, Sofie está correndo, fugindo de algo.

 

O que aconteceu? Eis o eixo que compartilhamos e que me preocupa pessoalmente: quantas pessoas, hoje, jovens, estão vivendo uma imagem de mundo e de identidade, mas que, ao mesmo tempo, podem estar se colocando em situações de risco e de vulnerabilidade? Eis o que me motivou a falar sobre essa série: a preocupação com pessoas que, mais intensamente diante da pandemia de Covid-19, andam mais frágeis e suscetíveis a influências que, em alguma medida, ao “bagunçarem” nossa “percepção” e identidade, podem as (nos) colocar em situações de risco que podem temporariamente parecerem uma saída, mas, a longo prazo, podem gerar situações que piorem nossa fragilidade?

 

Quanto ao importante tema da imigração, será necessário um post à parte. De resto, prepare-se para cenas comoventes praticamente a cada um dos seis episódios da minissérie. E, pessoalmente, busque acolhimento com familiares, amigos e amigas, e terapeutas certificados e certificadas, independente de se tratar da ciência institucionalizada (psicologia) ou terapias alternativas, contanto que você possa ter certeza de que essas pessoas sejam realmente capacitadas, pois certas orientações podem atrapalhar mais que ajudar. Eis o caso vivido por Sofie que, não custa lembrar, é baseado em uma história real.  

 

Fonte da imagem: https://www.msn.com/pt-br/tv/series-de-tv/estado-zero-miniss%C3%A9rie-da-netflix-levou-7-anos-para-ficar-pronta-e-traz-hist%C3%B3ria-real/ar-BB15XLMJ

 

[2] Teaser: https://www.netflix.com/br/title/81206211

 



quinta-feira, 9 de julho de 2020

Consumindo teorias sociais como canais de TV

Consumindo teorias sociais como canais de TV

 

Escolhendo teorias sociais para seguir

Reprodução de Internet. Link abaixo.

            Em uma pesquisa financiada pelo ministério da ciência, tecnologia e desenvolvimento para estudantes de graduação (Iniciação Científica), do ano de 2014 até 2015, eu estudei “como cientistas sociais aderiam a certas teorias e não outras”. Selecionei teorias de gênero e teorias pós-coloniais. Sendo uma pesquisa qualitativa, eu não podia dizer que os resultados da minha pesquisa poderiam ser generalizados. Ou seja: não poderia dizer que o que descobri se aplicaria a todos os e as cientistas sociais.

            Minha conclusão foi que: 1) a teoria precisa estar circulando (ela precisa existir e ter chegado por meio de pessoas e literatura especializada e em idiomas acessíveis, normalmente, no caso da pesquisa, em língua portuguesa); 2) existe a importância de ter orientadores/as e grupos de estudo, no início, lidando com o assunto, pois a grade curricular antiga de uma instituição não é sempre flexível, normalmente ela ensina “os clássicos”, mas não o assunto, digamos, “da nova geração” ou da “moda mais recente”; 3) “da moda mais recente” existem também os “corredores” e os círculos de trocas entre estudantes e influências externas – aqui os últimos 30 anos foram, tecnologicamente, bastante transformadores, já que fotocopias e a territorialidade nova, da internet, das tecnologias de 3g e 4g de smartphones, expandiram a circulação de literatura especializada, pirateada e não somente, dentro e fora das universidades; 4) a escolha pessoal do e da cientista social está ligada, como em qualquer outra área, a motivações pessoais “práticas” (respectivamente: a teoria é emancipatório e crítica ou não? Ela se alinha ao que grupos e movimentos sociais defendem ou não e, por fim, as consequências de seus usos vão ter resultados efetivos para mudança social desejada, ou não? Se as teorias não se encaixarem nesses parâmetros, a regra hipotética que assumo é que elas são descartadas, normalmente de modo sumário).

 

Adesão aos canais de TV

            Ora, até a década de 2000, no Brasil, a TV ainda era algo incomum nas periferias e casas de pessoas pobres. De onde vim tivemos TV nessa década (eu era uma criança), apesar de ter sido esforço de um trabalho descomunal de minha família (artistas plásticos) para comprar uma Mitsubishi às curtas de um mil pratinhos artesanais pintados individualmente para um casamento cuja cliente era uma poetisa e seu esposo, um político “adinheirado” e, mais tarde, mal afamado. Na década de 2000, contudo, a novidade eram os computadores, já os celulares, ainda eram 1g e 2g. Foi na metade desta década que tive um primeiro computador, sem internet; no final, tive outro, mas ainda sem internet. Foi no finalzinho, com as lan-houses, que comecei a me familiarizar com a internet e com computadores, podendo ter, finalmente, um computador (notebook) com internet posteriormente. Alguns anos depois entrei na universidade. Lá, fotocópias de textos eram mais comuns. Na segunda metade do 2010, contudo, o uso da Internet e, diante da pandemia, 2020, a Internet se tornou a infraestrutura fundamental para continuidade das atividades acadêmicas. Mas e as TVs?

            Ilude-se quem acredita que elas “sumiram” e que ninguém mais assiste. Mas, mais importante, “como escolher um canal para assistir”? Você já parou para notar que seria possível identificar, quantitativamente, as preferências de pessoas por canais específicos conforme geração, classe social, gênero, raça, etnia, região do país, grau de ensino, ocupação etc.? A questão é: como as pessoas escolhem um canal e abandonam outro? Ora, como qualquer acadêmico ou acadêmica escolhe sua teoria, em Sociais, assim como um biomédico escolhe seu curso e, posteriormente, seus campos de pesquisa.

            A questão que resta, seria: se TV e Teorias Acadêmicas são diferentes atividades, mas tem em comum a ideia que você ESCOLHE uma alternativa em relação a outras tantas, então isso também se aplicaria as escolhas de TEORIAS NATURAIS e MATEMÁTICAS? Bom, existem sociólogos que dizem que sim, ou seja, existiria uma causa “social” por trás do sucesso de um tipo de conhecimento em detrimento de outros (mesmo na matemática, por exemplo). Esta teoria, contudo, foi abandonada.

Por outro lado, ao aproximarmos as diferentes Ciências, nos deparamos com a separação entre TÉCNICA e POLÍTICA. Se as escolhas de Teorias Sociais estão, via de regra, ligadas às escolhas políticas, o oposto seria que a escolha técnica estaria fora delas. O que, óbvio, é um mito. Todavia, ao colocar essa questão nesses termos, ao menos em Sociais, reproduzimos, erroneamente, a lógica da escolha do canal de TV: ou seja – a escolha pela TÉCNICA (ou canais) é uma escolha conformista e não posicionada (como assistir novelas, programas de auditório na TV).

            Resultado: a escolha de cientistas sociais classifica a teoria do mesmo modo que a política da TV. Escolha o canal contra a Direita, assim como a teoria Politizada. Mas nem só de verdade sociológica e antropológica vivem as pessoas. Em segundo lugar, respeitar as outras áreas e as pessoas (senso comum é um termo pejorativizado) é necessário. Em terceiro lugar, é possível combater desigualdades sociais não apenas com teoria social crítica. Em quarto lugar, outras ciências podem ser aliadas, mesmo a biomedicina e a Saúde em geral, basta que “sentemos” para propor alternativas e avanços com dimensões ainda não exploradas naqueles campos (já pensou em fazer uma pesquisa “meramente” descritiva, mas que demonstre como a infraestrutura sanitária, etnograficamente observada, constrói um ambiente favorável às disseminações de doenças e viroses, demonstrando, assim, que ações governamentais tem sido insuficientes; ao mesmo tempo em que propostas da OMS não se aplicam a todos os lugares devido às especificidades de cada local? E, também, que as pessoas que são chamadas de “senso comum” têm ativamente promovido ações contra essas desigualdades sem a necessidade de ajuda, mesmo que bem vinda, do “saber acadêmico”? Pois é... nem a TV é passava, nem as pessoas).

 

Fonte da imagem: https://th.bing.com/th/id/OIP.SwyoZJjHna8PPcH8kWAaMQHaEY?pid=Api&rs=1

 

           

 

           


domingo, 5 de julho de 2020

Você pagaria 5000 conto numa calça? Sobre nossos limites...

Reprodução de Internet. Fonte abaixo.

RESUMO: nesse pequeno ensaio, eu te convido a tentar sair um pouco da tua zona de conforto. No ciclo I, eu falo com pessoas letradas com ou sem formação universitária. No II ciclo eu insiro questões bastante estudadas nas Ciências Humanas, mas já não tão familiares para a maioria das pessoas sem formação acadêmica nessa área. No terceiro e último ciclo eu falo mais direta e criticamente com pessoas formadas em Ciências Sociais, Humanas e Filosofia. O resultado esperado é “bagunçar” um pouco nossas ideias, percepções, posturas e entendimentos (o que inclui, então, também não acadêmicos e não acadêmicas). A dica de leitura é: escolha o ciclo I e, se gostar, passe pro II se você não for de Sociais; se for, escolha o ciclo III para começar.
 

Masculinos e femininos (ciclo 1)

            Sabe o tema da beleza? E de “exposição” em redes sociais? Ou da nudez feminina? De selfies? De “injeção de autoestima”? Bom, tudo isso aí pode levar uma boa parcela de homens a simplesmente não entender nada do que se passa na cabeça de quem posta essas coisas. E pior: que você, homem, caia na crítica automática. Não se engane, nas Ciências Sociais e Humanas, isso também acontece. Ou seja: homens cientistas fazem o mesmo que outros homens não cientistas fazem sobre o assunto: eles desclassificam temas ligados ao “feminino” (social, cultura e historicamente falando).

            Não se engane de novo: não é só em Humanas e Sociais, pesquisas na antropologia da ciência e tecnologia vem demonstrando que mesmo os algoritmos são feitos “masculinamente”, às vezes de modo racista também. Não se engane pela terceira vez: isso também acontece em áreas ligadas à Biologia e comportamento animal, como no caso da primatologia que, quando estudada por homens, compreendia e representava os dados como visões “Masculinas”. Bastou uma primatologista mulher (Shirley Strum) estudar os mesmos animais (orangotangos), que outros resultados foram descobertos.

            Gosto de refletir sobre esse assunto partindo de uma mulher, a filósofa francesa Simone de Bouvoir. Na década de 1970 ela falou sobre ser mulher e sobre a relação masculino e feminino, concluindo que nessa relação as mulheres são reféns da representação masculinizante da realidade do que, inclusive, é ser mulher. Ou seja, fera, todos os exemplos que dei acima representam essa “sacada” da Simone. Seja na Ciência seja em Redes Sociais, existe essa “masculinização” da realidade.

            O que quero colocar em evidência são os limites das visões, não apenas como uma crítica, mas também como um encerramento da realidade em uma perspectiva. Mas não só isso (porque ficamos achando que se trata de “pontos de vista”). Trata-se, muito mais, da capacidade de entender em um momento e entender mais adiante. Aqui o melhor exemplo é a série Dark: o entendimento sobre a realidade só é possível parcialmente e, mesmo assim, é limitado às nossas experiências a cada momento.

            Fechemos esse ponto: masculino e feminino. Se tu entendeu esse papo, tu já pode falar que entende de ontologia, fera. Porque o termo serve pra isso.

 

Cores, raça, classe e etnias (ciclo 2)

            Você já teve a sensação de que não fazia sentido nenhum gastar R$ 5,000,00 naquela calça jeans? Se sim, você está comigo, um homem que nasceu na classe pobre. Ou seja: primeiro é um corpo masculinizado (gastar com roupa não é sua prioridade), segundo, é um corpo “classicizado” (não faz sentido gastar tanto pra comprar uma “mera” calça).

            Entenda esse ponto: feito Dark, está acontecendo tudo de novo, você não consegue entender “o sentido do outro”. Você não pode. Assim como não pode enquanto homem entender o “sentido” de certos hábitos ou comportamentos de mulheres. Historicamente isso foi tornado “moda” e reproduzido, por exemplo, no cinema: “guerras dos sexo”, “isso é coisa de mulher”, “mulher é bicho complicado”, “quem pode entender o que se passa na cabeça de mulheres” (frase usada em Dark pelo Egon para explicar o desaparecimento de Agnes). O cinema, contudo, não apenas “molda” a realidade como também é “moldado” pela “sociedade” (o mesmo vale para a mídia, moda etc. – Thiago Pinho e Thays Souza que merecem o crédito aqui).

            No caso do tema raça e cor, mas também etnicidade e indianismo, não acontece diferente (“nunca duvide disso” [Dark de novo! Meu Deus!!! Rs]). Lendo a Neuza Santos Souza eu entendi o que não entendia no passado. O relato de experiências de mulheres negras e a narrativa de Neuza, escritora, psiquiatra e psicanalista brasileira, mulher negra, provocaram meu eu, como do tipo “quem eu era antes de te conhecer” (Filme, amores e amoras): meu Eu passado não tinha ferramentas suficientes para entender a realidade de um corpo “colorificado”, “masculinamente feminilizado”, “classialmente estigmatizado também”, não só pela “colorificação” que pejorativa toda a possibilidade de abrir a dimensão perceptiva da beleza do corpo negro [e aí, já tá tendo alguma “sacada” sobre uso de Rede Social e o tema do “feminino” e do corpo de mulheres? Eis uma deixa...].

            Certo, faltou a indianidade. Quando falamos em etnia, estamos falando de “grupos de pessoas” e suas “origens, descendências” e hábitos e praticas (alguns e algumas chamariam isso de “a cultura” dos índios e das índias, prefiro reduzir à escala conceitual mais simples, “menor”: hábitos e práticas experienciadas). Assim, quando você não entende uma pratica de um índio ou índia, você pode lembrar: é que você não foi “indianizado”; você foi, como eu, masculinizado, classicizado, racializado, etnicizado dentro de um coletivo de pessoas específico e cuja origem foi “perdida” (eu não sabia, mas meu individualismo foi “aprendido” e ele é um valor europeu moderno que “zarpou” de navio para as colônias – que nem o mosquito da dengue que veio em “navios escravizantes de pessoas pretas”, neste caso, escravizadas por pessoas portuguesas de descendência mista, como árabes, mulçumanos, entre outros; e aí eu, inconscientemente, alimentei ele com o consumo que faço de música, de cinema, de filosofia greco-alemã principalmente – tudo tem uma origem e um fim, mas no caso da “cultura colonial”, não, que nem Dark [¬¬]) , onde tudo se repete infinitamente).

            Fechemos esse 2º “ciclo”.

 

O erro (o 3º e último ciclo)

            Até agora pode ter parecido que fui pessimista, e até reducionista e simplista, e que estou dizendo que não conseguimos “sair” de quem somos. Conclusão possível, mas não intencional. Não é essa a resposta que busco, na verdade. É exatamente seu contrário: como sair desse ciclo? A questão é “como mudar?”. Afinal, não podemos ir no nosso passado (Dark) para contar pro nosso Eu passado o que “sabemos” agora. Isso não mudaria o Eu do passado, apenas o informaria. Mas isso geraria a possibilidade de esse Eu do passado seguir outros caminhos e, portanto, ele viveria novas experiências, podendo, enfim, mudar quem é.

            Vamos fazer o mesmo “movimento temporal”: falei de homens e mulheres, vamos chamá-lo e chamá-la de Jonas e Marta pra brincar um pouco. Existe um desentendimento sobre o ser homem e ser mulher: quando você parte do homem para falar da mulher, você perdeu a vida de ser mulher, o que você mantém são suas visões masculinizadas sobre o feminino. O inverso dá no mesmo. Quando você parte do branco pra falar da preta. Aconteceu de novo. Quando você parte do yanomami indígena, David Kopenawa, para falar do homem branco, dá no mesmo. Há sempre um limite e uma perda: “o que sabemos sobre o universo é sempre uma gota, enquanto ele é um oceano” (Dark).

            O erro que limita a gente é achar que é pela via do conhecimento que transformamos o mundo. Mas sendo sempre dualistas. Acreditamos que sairíamos desses dois polos (homem branco para o indígena; preto/branco pra cor; rico/pobre pra classe – ora, não é a origem religiosa do legado judaico-cristão, no Ocidente, “o bem e o mal”?). Nas Sociais e Humanas o caminho se refletiu em “epistemologias” postas em igualdade, em “simetria”. Percebe que a gente fez o mesmo que um homem masculinizado que não “entende” o uso de Redes Sociais por parte das mulheres? Mas essa estrutura perceptiva “dualizante” nos aprisiona em um limite: a chave interpretativa coloca o problema de um jeito, mas não pode sair dele. O Davi Kopenawa não ficou no dualismo. Ele escapou dele quando não separou a Humanidade do Mundo (não somos “humanidade”, somos “o mundo”, “somos a natureza”, “somo com”, poderíamos sugerir). Ele simplesmente disse que morreremos juntos com a “queda do céu”, isto é: quando as florestas morrerem e os rios secarem o céu vai desabar.

            Encerrar o dualismo não é, contudo, nem diminuindo (somos um) e nem multiplicando (como se sugere com a noção de ontologia). Também não é mudando, apenas, pois caímos noutro dualismo: “mudar/permanecer”. A experiência é a saída (viver cairia no viver/morrer: dois verbos, dois predicados para o substantivo ser). A experiência não pode ter um oposto substantivo. Ou seja: você só cai no dualismo da negação, da não-experiência, ou inexperiência. Mas isso é um dualismo fundante: sim/não. Quer dizer que remete ao fundamental: a escolha. A escolha de viver uma experiência ou não.

            Finalmente: você não tem que nascer de novo para entender melhor outros corpos, outras pessoas. A questão também jamais foi essa (mentira: durante um TEMPO foi sim). Não é como você pode se colocar no lugar do outro (porque você não pode). É como você se cala, “produzindo” silêncio diante do outro e aceita a diferença inescapável entre você e os outros. Acolha sua limitação. Não precisa achar que é “valorizando o saber” do outro que as coisas vão mudar. Esse foi o primeiro passo que o século XX, pós-colonial, tentou dar dentro das Ciências Sociais e Humanas. Mas muito ainda precisa ser feito. Isso tem que sair para o mundo. Mas enquanto “vai saindo”, você precisa dar o segundo passo. É o que Morfeu disse a Neo em Matrix 1: “existe uma diferença entre conhecer o caminho e trilhar o caminho”. É rompendo com a nossa autoimagem e definição de mundo e da presunção de saber mais e melhor que os outros. É a própria herança moderna que acolhemos e que criou uma versão de realidade que precisa ser superada. 

            Acolher, calar-se, “viver-se”. Deixai os outros corpos “viverem-se”. Ao viver-se você nota, “que nem” Matrix, que não é o mundo “exterior” que muda (no filme era uma colher), é você mesmo ou mesma quem “muda-se”. Ao fazer isso, você acolhe o outro, sem precisar confundir o mundo do outro dentro da sua Ciência modernizadora. Sua Ciência não é uma caixinha da qual você retira uma ferramenta para “conhecer” o outro: assim como o outro não vai te conhecer pela caixinha dele  (epistemologias). O outro apenas vai te conhecer e você vai conhecê-lo. Sua Ciência não é pra conhecer ninguém. A Ciência, Gabriel, é o que tu usa para fazer pesquisa acadêmica sobre pessoas e coisas diferentes. Ela te dá a sensação de que tu conhece as pessoas. Mas tu não conheces elas (e nem a ti – diriam psicólogas, terapeutas holistas e certos filósofos gregos). O que você conhece, Gabriel, são as formas pelas quais as pessoas estão lidando com a Covid-19 no teu bairro!

(Falando na primeira pessoa). Antes eu conheci como pequenos grupos de cientistas sociais, agrônomos e agrônomas lidavam com agrotóxicos ou defensivos agrícolas (uso o termo agrotóxico). Antes eu conheci como certos e certas cientistas sociais mudavam de teorias, incorporando teorias de gênero e pós-colonialidade. Noutra ocasião eu conheci como entomologistas descobriam informações sobre o Zika vírus. Quando juntamos o que nós conhecemos, temos a impressão de que estamos falando de “saberes” e que essa é a chave: mas a diferença entre conhecer um vírus e conhecer uma pessoa é gigante: pois conhecer não é conviver. A antropologia ensina a com-viver. Não é o mesmo que “conhecer alguém”. É como um namoro: conviver é uma coisa, outra é conhecer Redes Sociais da pessoa, ler seus posts, trocar afetos etc.

Neste sentido, a antropologia pode nos ajudar a com-viver, ao invés de “com-saber”. Eis o que o antropólogo britânico e herdeiro dos frutos do colinialismo de seu povo, Tim Ingold, chamaria de sabedoria. Com-vivendo, quem sabe, cultivemos mais a herança “sabedorial” de tantos eus que existiram e que existem por aí, inclusive "eus" como “nós” mesmos e mesmas.

 

 

 

             

 

           


quarta-feira, 1 de julho de 2020

Sagrado e matemática: como sair do conhecer para o sentir?

Reproduzido da internet. Link abaixo

 

Tenho escutado pessoas dizerem que queriam entender melhor o uso de ontologia na antropologia. Bom, mas no modo geral, também quero dizer “pra que serve isso”, qual o uso que podemos fazer desse termo “na prática”.

            Vamos analisar um exemplo: a minha dificuldade de entender matemática. Ora, por que não entendo? “Burraldo”? Ou o professor “não sabe ensinar” (ele que é burro)? Bom, nenhum nem outro. Meu argumento é que há um limite de entendimento de como ensinar e de como aprender.

            O problema é que o limite de como aprender me parece ligado à relação entre experiência pessoal, estímulos cerebrais que fizeram as “partes do cérebro” ligadas à aprendizagem de uma matéria ou assunto específico não serem desenvolvidos (no meu caso, matemática). Entretanto, não se trata só de “estímulos”: há cérebros e experiências infinitas! Alguém pode ter um problema neurológico, um transtorno; pode ser que na primeira infância algo não tenha sido experienciado e isso tenha “atrofiado” um caminho possível de entendimento da realidade etc (digo com base na importância dessa fase também para crianças com microcefalia).

            Bom, agora pense que o professor que quer ensinar e o aluno, e o próprio aluno, estão diante de um limite de compreensão e de entendimento. Os dois têm um objetivo em comum. Porém, façam o que for, não saem do zero (que nem em Dark 1, 2 e até o quase o final do 3). O mesmo vale para ontologias! Ela é um termo usado (na Antropologia!) para dizer que esse entendimento do mundo e o modo como você age no mundo, resultam de suas experiências. São elas que definem os limites da sua capacidade de perceber, entender e agir sobre a realidade (ao menos provisoriamente).

            No caso do exemplo, o professor não consegue ensinar um aluno especial porque o mundo dele está “parado” em certo conjunto de possibilidades perceptivas e, por conseguinte, de “ferramentas didáticas”. Já o aluno (eu), acaba se “perdendo” quando começa a conectar os números com as equações e fórmulas, pois não consegue raciocinar “matematicamente” de modo desejado – ele também está limitado em como aprender a aprender.

            Já com a ontologia, o que acontece não é exatamente igual com o que acontece na matemática. É com nossas interações com pessoas que têm hábitos e comportamentos diferentes do nosso que esbarramos nos “desentendimentos”. Aqui a matemática não ajuda em nada; porque não se trata de “epistemologias”, não se tratar de entender como o outro entende sua própria realidade a partir de suas ferramentas de produção do conhecimento, ou seus saberes.

Vejamos outro exemplo: num “encontro de saberes”, eu estava com meu velho caderninho de notas estudando cientistas sociais da UFRPE que, por sua vez, estudavam agroecologia e diálogos de saberes. Um professor da área de Educação, famoso agroecólogo, estava, honestamente (dizia ele), sem conseguir lidar com a questão da água e das plantas como sendo sagradas. Ele “entendia”, respeitava, até louvava, mas não “sentia” o sagrado. Seu interlocutor, representante de um coletivo pernambucano ligado às religiões de matrizes africanas, tentava “mostrar” pro “homem branco”, por meio da linguagem, esse “sagrado”. Ora, jamais conseguiram ou conseguirão!

“Que nem” o caso da matemática, o caso do “sagrado” demonstra um limite da experiência. O “erro” aí está no fato de que todo mundo tá tentando, admiravelmente, solucionar um problema real com a ferramenta incorreta. Não é por meio do “diálogo de saberes” (epistemologias). Essa é uma forma politicamente correta de dizer que as coisas podem ficar no mesmo patamar. No entanto, basta que apareça um problema que extrapole a linguagem para que logo as preferências aparecem (prefere reza pra curar Covid-19 ou água benta? Prefere vacina, né, minha filha?)

             O problema não é abandonar os “diálogos de saberes”. Ele é importante. E já fez muito nas últimas décadas. Porém, ele não resolve o problema das experiências (das ontologias). Toda vez que um acadêmico ou acadêmica típico for falar com um Pankararu, yanomami ou um babalorixá, ou um crente, uma evangélica, ou, ainda, uma terapeuta holística e astróloga, ele vai ficar naquela: “massa, que bacana...”. É porque se fica com os termos de conhecer em primeiro plano. A comunicação se torna impossível, pois não há como mensurar a realidade das experiências distintas numa mesma linguagem: aí achamos que “conhecer” é a palavra. Jamais foi.

            Por fim, a ontologia é a palavra usada para tentar lidar com essa realidade para propor ações que “conectem” as diferenças em ações conjuntas para transformar realidades. O professor não precisava pensar no “sagrado”, ele tinha apenas que ouvir o seu interlocutor e continuar fornecendo o espaço de fala que ele tem, na Universidade, para se falar de sagrado; ao mesmo tempo, ele poderia começar a perceber que a ciência serve pra uma coisa, o “sagrado” pra outra, mas se as coisas foram abertas, uma nova realidade de experiência pode surgir. Ele não precisava se esforçar para, academicamente, entender o sagrado. É pra isso que ontologia serve. Se ele queria entender, ele teria que ter vivido o sagrado e deixado de usar a ciência para explica-lo.


Link da imagem: https://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/24923254.jpg?w=1200&h=630&a=c&version=1575255600

 

           


Duas religiões econômicas no comércio

 - Terminei. Vamos? - Diz minha pequena. - Posso ir ao banheiro? - Diz minha segunda pequena. Alguns minutos depois, caminhamos sobre o asfa...