Silêncio. G. Brito |
Diálogo entre o Irredutível e a Vontade
“Nós dizemos “aquele que controla
a causa, controla o efeito”, como se o efeito estivesse potencialmente contido
na causa. Entretanto, nenhuma palavra pode causar outra. Palavras seguem
umas às outras numa história. Só posteriormente na história que um
personagem é feito de “causa” e outro de “consequência”. O único efeito a ser
considerado é o efeito que essa ou aquela aliança das palavras tem no público:
“Não, ele está exagerando”, ou “está bem escrito”, ou ainda, “muito
esclarecedor”, “muito convincente”, “quão presunçoso”, ou “que tedioso”.”*
- Entende o que eu digo? – O Irredutível
indaga.
- Muito complexo. Lembra-me certo
transcendentalismo com mania de grandeza. – Provoca, a Vontade. Ela pega um
copo de água e molha a garganta, depois continua. – “Palavra pode causar outra”, você diz... interessante. - Em seguida, Vontade dá um copo de aguar
ao Irredutível, que bebe com rapidez.
- “Só posteriormente na história
que um personagem é feito de “causa” e outro de “consequência”, diz você mais a
frente, Irredutível.
- Prossiga – diz Irredutível, pondo
o copo em cima de uma mesa de madeira encerada.
- “O único efeito considerado...
no público”...
- Quanto pudor!
- Pois bem, Irredutível. No meu
entender, você usa palavras para tornar as próprias palavras em meras palavras,
tentando com isso me convencer (com palavras) sobre seu argumento e, assim, faz
o mesmo que critica, pois não poderia fazer diferente, a não ser se fosse
telepata...
- espere... – gagueja o Irredutível.
- Não, agora me ouça, pois eu o ouvi.
O materialismo oposto ao transcendentalismo diria que você está perdido em “fraseologias
burguesas”. – A Vontade sorri e pigarreia. – Continuando: mas entendo o que
desejas. Não se trata de olhar paras palavras, mas se bem compreendo, para “as
coisas” ou, quer dizer, para as “ações”.
- ações? – Friamente o
Irredutível pergunta.
- Não? Então não o compreendo. Veja:
você diz, “Só posteriormente na história que um personagem é feito de “causa” e
outro de “consequência”...”, o que me parece dar a ideia de algum movimento.
Seria essa palavra (movimento)? Diante do olhar impenetrável do Irredutível, a
Vontade prossegue.
- “O único efeito a ser
considerado é o efeito que essa ou aquela aliança das palavras tem no público...”.
Ora, novamente, a ação-movimento, melhor seria “deslocamento” – faz sinal de
aspas com os dedos -, tem sobre um alvo. Se a palavra não é tão importante
quanto dizes, mas apenas seu movimento, então eu optaria por usar “tempo”. Tudo
bem?
- Pra mim, é indiferente. As
palavras, como a verdade, por exemplo, em nada alteram o que estou dizendo. Use
ação, movimento, efeito, deslocamento, tempo...
- Certo. Então no tempo
observamos aquilo que queres que prestemos mais atenção, independente das
palavras, correto?
- E o que queres que prestemos
mais atenção, afinal?
Faz-se
silêncio.
- Seria “o efeito que essa ou
aquela aliança das palavras tem no público...”? – A Vontade pergunta.
- Exato! Vês a irredutibilidade
das coisas? – Triunfalmente responde, o Irredutível.
- Hm... interessante, não posso negar.
Parece então que em algum tempo coisas acontecem... e o que precisamos observar
são os efeitos das alianças das palavras sobre algo... assim como a aliança de
palavras irredutíveis exerceu sobre mim, neste tempo em que conversamos.
- Bingo! Finalmente me entendes,
Vontade. – Quase que solenemente o Irredutível responde.
O
Irredutível, finalmente, sorri de canto de lábio, com certo rubor no rosto e
pescoço, dando margem até para se notar certa tensão ao contrair a garganta,
como se tivesse derrotado seu interlocutor.
- então eu venci, Irredutível.
- Como? – Estarrecido e
boquiaberto, o Irredutível pergunta.
- Oras, se nada se reduz a nada;
se não importam os termos da discussão; se as palavras são meros meios que,
juntos, geram algum efeito sobre.... (como dizes? “público?”); e se, por fim, retomo
minhas palavras, “assim como a aliança de palavras irredutíveis exerceu sobre
mim, neste tempo em que conversamos...”, eu, então, noto que, afinal, foi tua
vontade que se exerceu sobre mim, assim como eu, que sou A Vontade, não preciso
dizer mais nada, já que me manifesto na aliança de palavras que exerces sobre
mim, que sou teu público.
A
mesa e o copo sobre ela permanecem ali, mas nada disseram.