segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Bregafunk e masculinidade



Conversei no final de semana passado com minha filha mais velha, que fez 14 anos de idade exatamente hoje. Estava explicando para ela qual era a faixa etária “novinha”. O que podemos pensar sobre isso enquanto pais, mães e profissionais das ciências sociais?

            Pensei inicialmente na relação (conjunção) entre meio ambiente, estímulos e experiências pessoais. Por exemplo, na escola, rede pública e no subúrbio recifense, assim como nas ruas da periferia olindense, é comum escutar músicas de bregafunk e gospel, fora o pagode, samba e sertanejo universitário. Mas bregafunk e gospel parecem dois extremos: o primeiro “ajuda” jovens e adolescentes a lidarem com suas experiências sexuais; o outro a reprimí-las. É assim que eles entendem o mundo e as coisas que estão acontecendo. No caso do bregafunk essa questão é nociva: a relação entre hábitos e comportamentos que colocam o prazer pessoal como meta, às custas do bem estar de mulheres (sim, mulheres, as músicas são heternormativas e sexistas). Lembrando: esta conversa eu estava tendo com minha filha (ela falou que um pretendente só tinha pensamentos “pervertidos”). Ora, é exatamente o que vemos nas letras de bregafunk: enquanto você se diverte dançando, aprendendo cada passo, movimento, “passinho”; uma geração de meninos está construindo sua masculinidade tendo como referente a velha ideia de que meninos são bodes soltos à procura das cabrinhas da vizinhança – é só mais uma atualização da instituição masculina. Nova geração de boys prontos pra conseguir transar sem se preocupar nenhum pouco com o que, neste caso, as garotas querem ou sentem.

            Comentei com minha filha também sobre um episódio de Anne with E. Neste caso, no episódio do circo, um garoto convida uma garota para “ficarem”. Do lado de fora do circo, o garoto assedia e importuna sexualmente a menina, que foge aos prantos devido a “forçação” de barra do garoto que, por sua vez, reclama com a jovem dizendo, “você sabia o que queria quando veio”. Do lado de dentro do circo, a jovem retorna aos prantos. Logo todos percebem do que se trata e a fofoca faz seu papel. Neste caso, a garota tem sua reputação prejudicada, enquanto o jovem não perde nada, pois é Homem. Ora, na minha cabeça eu vejo uma relação entre este episódio e os bregafunks que falam de novinhas; para mim, existe uma relação entre a construção de uma masculinidade hegemônica, insensível – como a dos carinhas do Big Brother – e agressiva, e o comportamento do jovem da série, pois seu lugar de autoridade masculina está garantido. 

            Muito diferente é a música gospel. É, como eu disse, o extremo oposto. A experiência religiosa é musicalmente transmitida, como louvor, e um novo padrão masculino é erigido em favor da família. A sexualidade, aqui, sai de cena, como bem deseja a ministra Damares. Além disso, a autoridade, novamente, vem a tona, como autoridade masculina.

            Vemos, por fim, dois lados de uma mesma moeda: a formação masculina em periferias pernambucanas associadas a “liberdade e autonomia sexual” da juventude como tacitamente formadora de uma nova geração de homens que tratarão as mulheres, novamente, como lixo: pedaço de carne. É aqui que gosto do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que chama a era de redes sociais de pornográfica, pois no “face” (ou instagram etc.) está tudo exposto, explícito, sem erotismo, teatro, beleza ou arte. Neste caso, o que estou dizendo é que na era de bregafunk e redes sociais, a masculinidade se reatualiza, se reconfigura, gerando um conjunto de práticas que não contribuem em nada para uma equidade de gênero.

            Retornando ao começo do texto, lembro então que o jovem que minha filha citou é mais um jovem sendo formado de um jeito ao mesmo tempo em que age na busca de seus próprios desejos e interesses, atropelando, assim, quem estiver no caminho, afinal, pensa ele: “não é assim que tem que ser com as novinhas?” Quando ele passar por essa fase, quem sabe o futuro não lhe leve para um caminho melhor, do bem, pentecoste? Ele entenderá, então, que a vida da luxúria e da carne era coisa de mlk, vida loka etc., ele será um pai de família depois, trabalhador. Eis os caminhos da periferia, eis nossa cultura: bregafunk, gospel, rede social, futebol e bebida. Eis nossa nova geração de homens.

 



Fonte da imagem: https://www.folhape.com.br/obj/7/368149,475,80,0,0,475,365,0,0,0,0.jpg

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