terça-feira, 27 de agosto de 2019

Contra a CIÊNCIA: Explicando o BOLSONARISMO e sua IDEOLOGIA


Como se comportam, como pensam e como é a estrutura social que ordena a consciência social de grupos políticos relacionados ao regime bolsonarista?

Na antropologia, a questão acima pode ser feita para se compreender o “sistema social” de outros povos e culturas. Desse modo, se tornaria possível  compreender o sentido por trás das interações sociais e as crenças, por exemplo, sobrenaturais de um povo.
Não precisa ser diferente quando analisamos os bolsonaristas. Uma diferença essencial entre bolsonaristas e lulistas reside não na devoção religiosa de seus seguidores, mas em como o primeiro representa a moral religiosa – quase que inevitavelmente hipócrita – e o segundo uma moral tipicamente secularizada, na qual a moral se baseia no Estado de Direito – portanto laico.
Neste sentido, bolsonaristas, assim como seu representante, compreende a relação entre moral/religião e ciência como completamente separados, sendo a ciência subordinada à moral/religião. Não é à toa que as ciências sociais e humanas, assim como a filosofia, recebem o descrédito de bolsonaristas e são classificadas como ideologia.

IDEOLOGIA

Ideologia, por sua vez, sempre foi, para as áreas das ciências humanas e sociais, assim como para o Estado laico, o que substitui a moral religiosa. Dessa forma, o que se tornaria prioritário seriam as relações estabelecidas entre ideologias seculares e a ciência. Esta, a seu modo, ficaria a serviço da gestão política.
Quando bolsonaristas alcançaram o poder, sua principal arma foi a bandeira moral/religiosa – sua ideologia, não se enganem. Para combater o crime, cidadãos de bem se armariam contra o mal. Já o bandido, bom quando morto, representaria um tipo de pessoa que por escolha própria, mal caratismo e malandragem, caiu em tentação e seguiu o caminho “mais fácil”. "O cidadão de bem", muito pelo contrário, respeitaria a lei e teria princípios morais superiores, não se corromperiam. Assim como seu esforço o compensaria.
A compensação, portanto, seria sinônimo de mérito. "Se um cidadão de bem se esforça", então a graça divina recairá sobre ele. Não era justamente assim que a religião protestante conseguiu sedimentar o capitalismo ocidental (Max Weber) e mesmo a ciência utilitarista, baseada apenas nos resultados práticos e técnicos necessários ao desenvolvimento econômico liberal (Robert Merton)?
Então, neste caso, observamos que o comportamento de bolsonaristas estabelece duas coisas depois que se entende que a ciência está subordinada à moral religiosa: a) Educação voltada para fins econômico-liberais – o que exclui as ideologias das ciências humanas; b) Combate ao crime por meio da responsabilização individual, não social, baseada nessa mesma moral religiosa de um lado, liberal de outra.
No regime bolsonarista, existe um projeto de combate às ideologias dentro dos setores ministeriais de governo (como nas áreas de Direitos Humanos, Meio Ambiente, Educação, Ciência e Funai) e a promoção de princípios liberais em outros setores (Ministério do Trabalho, na chamada Bancada Ruralista – o agro é pop -, e, também, por meio da privatização de diversas empresas estatais).
Neste sentido, diríamos que no bolsonarismo, a crença religiosa está por trás do ordenamento político da sociedade. Mesmo que um bolsonarista não se diga religioso, eles estão até o pescoço reproduzindo uma consciência coletiva que mantém coercitivamente padrões de comportamento e de ideias que justificam essa crença e sua convicção moral. Assim, um terra-planista duvida da ciência, mas não de Olavo de Carvalho; duvida da NASA, mas não de seu líder; Ricardo Salles duvida dos dados do INPE, chamando-os de fruto de um aparelhamento ideológico do instituto; duvida da ciência da História, ao falar em Revolução e não Golpe Militar de 1964; e por aí vai. É que a ciência ou está a favor da moral/religioso-liberal, ou é resultado da ideologia de comunistas e, portanto, é falsa.

AUTORITARISMO
É importante lembrar  que o bolsonarismo é fruto da relação entre uma moral religiosa e a obediência à autoridade. Bolsonaro dá exemplos disse quando constantemente reforça o seu papel de “quem manda sou eu”. Segundo, obedecer à autoridade, sem questionamento, direito à dúvida, inibição à autonomia, raiva da democracia e dos direitos humanos, é uma coisa que gera um comportamento e uma consciência coletiva que se impõe sobre à sociedade, às vezes disfarçadamente, às vezes pelo exercício da violência. Assim, bolsonaristas baseados numa mesma consciência social atacam o que não é normal para suas crenças: a homossexualidade é combatida com fervor; as drogas associadas à esquerda, as não legalizadas, são motivo de pré-conceito, discriminação e agressão policial; a Educação universitária é considerada “balbúrdia” ou pura ideologia comunista; teoria de gênero é transformada em ideologia de gênero e, claro, imoralidade LGBTI. Bolsonaristas mais fanáticos orquestram ataques às universidades; ameaçam políticos e jornalistas ligados à oposição; ameaçam e perseguem feministas e/ou antropólogxs, filósofas e cientistas sociais em universidades, em redes sociais ou pessoalmente.

RACISMO
Outro aspecto nocivo do bolsonarismo é sobre o racismo. Se engana quem reduz o assunto à questão de raça e privilégio de classe. Não é que isso não exista, mas que é preciso se ter em mente o que se falou sobre moral e crime. No caso da moral, ao individualizar e penalizar quem comete um crime; ao reduzir o tema da desigualdade social ao mérito individual (liberalismo), os vínculos sociais são convenientemente ignorados. Mas não todos. Ou seja: ao se ignorar a questão de raça, classe e criminalidade, associa-se o comportamento de um indivíduo com a criminalidade. Então, se assaltos e o tráfico está relacionado à favela, por exemplo, então não se trata de racismo, mesmo que a maioria da população das camadas pobres da cidade seja composta por não-brancos (pretos, pardos e amarelos). Em outras palavras: se determinada modalidade de crimes e pobreza estão associadas estatisticamente, não seria racismo culpar indivíduos não-brancos por sua falta de caráter e tendência para a bandidagem.


Resultado, ao refletirmos sobre nossa sociedade e, especificamente, sobre o bolsonorismo, já não os achamos tão relativistas em alguns casos, e tão totalitaristas em outros. Basta que compreendamos como a consciência social deles e delas se impõe como um regime de atitudes que é reproduzido por cada bolsonaristas na tentativa de dar continuidade a um modelo de sociedade que resgata a moral/religiosa e a casa com o liberalismo econômico. Isso não é, inclusive, novidade nenhuma. Por isso, podemos compreender o regime bolsonarista exatamente como ele é: um regime ideológico autoritarista, conservador, liberal-econômico que encontrou no Brasil um ambiente perfeito para proliferar. Quando percebemos essa submissão da ciência à moral/religiosa em oposição à moral secular (a ideologia), então o aparente incoerente comportamento do bolsonarismo pode ser explicado e compreendido como o seu contrário - um sistema de ideias baseado numa hierarquia de valores bem definida. Se “jamais fomos modernos” – como disse um antropólogo e filósofo francês no início da década de 1990 -, no Brasil, somos um moderno e meio (somos o pior que há no cinismo moderno que fingia que à ciência não tinha a ver com a sociedade e com a moral, pois seria objetiva e real, além das ideologias). Resta saber aonde isso nos levará. 








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