quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Notas sobre o livro "A invenção da cultura"

 

G. B. 2021
Os livros parecem ter uma história; mas, ao mesmo tempo, nós temos ou compartilhamos uma história com eles. Não é diferente com o livro A invenção da cultura, de Roy Wagner. Ele me remeteu muito ao Jamais fomos modernos, de Bruno Latour.


Em A invenção da cultura, Wagner fala que a ciência, e a antropologia enquanto tal, são invenções que se confundem com a realidade, assim como outros processos de abstração e apreensão da realidade, como a biologia ou a filosofia.

Já no Jamais fomos modernos... Latour diz que somos seres híbridos, metade natureza, metade cultura, exatamente porque fabricamos a realidade e, assim, nos confundimos com ela nesse processo de abstrair a realidade, como na matemática ou na sociologia.

Ao mesmo tempo, os livros trazem uma sucessão de memórias. A invenção da cultura me lembra o doutorado, minha orientadora e um amigo, leitor de Wagner (um não, dois amigos). Jamais fomos modernos me lembra um grupo de estudo na graduação, o próprio livro sendo manuseado por uma colega e um professor. Lembra, também, uma despedida.

Para além de memórias, esses livros demarcam uma mudança que, hoje, chamo de mudança perceptiva. Isso me leva, por sua vez, para outros livros, como correntezas de sinapses criativas que, constantemente, redefinem o modo como apreendemos a realidade, seja com a história ou com a teologia.

Mas, acima de tudo, Wagner me fez perceber o quanto nós mesmos, como antropólogos e antropólogas, estamos constantemente fabricando uma realidade cujos sentidos são,  muitas vezes, contrapostos à fabricação (Latour) ou ivenção (Wagner) da sociedade pelas pessoas fora das universidades.

O processo da invenção, contudo, pressupões o “mascaramento” (elisão) do ato criativo como invenção. É o mesmo que Latour diz, sobre a ciência ser fabricada em laboratório, mas sem que os processos “sociais” apareçam nos artigos científicos resultantes da prática científica.

Ora, a combinação, neste caso, de Vida de laboratório (de Latour e Steve Woogar), com A invenção (de Wagner), configura um modo de perceber a realidade com um processo de fabricação que depende de outro, a saber, da comunicação.

A comunicação, por sua vez, assume, com a internet, um caminho em que a ciência, e por conseguinte, no Brasil, a mídia (defensora da democracia e da ciência “natural”), são tomadas como um jogo de interesses que podem ser contrapostos pela relação entre governo político e redes sociais (foi assim com Trump e com Bolsonaro).

Mas esse processo, lendo Wagner, aonde leva? Leva a invenção da sociedade, no Brasil. Um alinhamento de forças redefine “o que é cultura”, “o que é ciência” e o que é, ou para que serve, a “verdade”. Ao distinguir os modos pelos quais são produzidas essas instituições e ideias, realinham-se grupos de forças e interesses, num processo automotivador: direita e esquerda, mídia e governo, ciência e redes sociais.

Em suma, a invenção da cultura, de Wagner, ajuda a fabricar, antropologicamente, minha própria invenção da cultura, e da antropologia, como uma ferramenta prática, alinhada com os diferentes interesses ligados à ciência, à democracia e à constante (re)invenção do pensamento ocidental (disso eu não tenho dúvida).

Por outro lado, imagino que a complexidade do que se desenvolve socialmente não pode ser desfeita. Em 2019, no início, era inimiginável pensar que assistiríamos a uma pandemia sem precedentes.

 

 

 

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