quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Conceitos, Windows, Ideologia e Gênero

 


            Nos cursos de humanas, palavras como História, Cultura, Ideologia e Social, por exemplo, são objeto de debates e atualizações constantes. É engraçado até, porque quando você vai fazer um trabalho de consultoria, ou vai escrever um projeto para pedir financiamento, essas palavras são autoevidentes.

            Bom, pensando numa introdução para pessoas interessadas nos debates políticos atuais, acho que é legal esclarecer porque isso acontece. Em primeiro lugar, é preciso entender que existe uma hierarquia, uma relação de poder, entre o que é produzido pelo saber acadêmico e os saberes de fora das universidades. Atualmente, isso se chama de “colonialidade” do saber (aviso: beba isso com moderação).

            Em segundo lugar, sabendo da hierarquia, é prudente lembrar que conceitos são tão inventados como qualquer lei da física ou versão do Windows. Calma: inventar não significa “forjar”. Na verdade, significa que em algum momento alguém teve uma ideia que deu sentido a coisas que acontecem e que ainda não foram sistematizadas. Por exemplo: Newton e as leis da física.

            Pronto, chegamos aos conceitos. Quando Marx fala de “luta de classes”, ele deu sentido a uma coisa que “sempre aconteceu”, mas que não era pensada nos termos que Marx pensou. O mesmo vale para cultura. O termo foi incorporado pela Antropologia e a cada nova geração, o termo era atualizado como o Windows o é anualmente. Já “social” foi no início do século XX emprestado do senso comum e reelaborado pela Sociologia. Tal como na Antropologia, a cada geração, o termo recebe novas atualizações. O que não quer dizer que, tal como o Windows, as pessoas não tenham suas próprias versões (nada de errado com isso).

            O termo ideologia também funciona do mesmo jeito. Ele foi, ao que tudo indica, criado para ser uma ciência das ideias. Seu criador foi Destutt de Tracy (1754-1836). Marx e Engels se “apropriaram” do termo. Ao longo do século XX diversos autores e autoras debateram os diferentes sentidos e usos do termo. No Brasil, Cazuza “se apropriou” do termo e deu seu sentido; Bolsonaro e Ricardo Salles também fizeram o mesmo, chamando tudo que é da oposição de “ideologia”. Coisa que até Napoleão fez com a oposição dele na sua época, chamando-a de “ideóloga”.

            Moral da história: os conceitos funcionam como programas de computador. No entanto, isso não quer dizer que eles sejam então apenas versões de pontos de vista e, portanto, que cada um/a tem sua “opinião”. Aqui, voltamos para a “colonialidade do saber”. Na ciência, a conceitualização é rigorosa e dialoga com uma sequência de sentidos ou versões anteriores de cada conceito. Além disso, o conceito é posto em ação quando são realizadas as pesquisas ou quando especialistas discutem a teoria com base em revisões dos conceitos (a filosofia é a mais adequada para isso, mas não é a única).

            Outros bons exemplos são “lugar de fala” e “gênero”. Djamila Ribeiro vem fazendo algo muito importante: ela tem coordenado a coleção “feminismos plurais”. Com isso, os conceitos estão sendo difundidos mais rapidamente, principalmente devido à Internet e às Redes Sociais. Há 30 anos atrás, no Brasil, o conceito de gênero circulava de modo muito restrito, normalmente na forma de livros e fotocopias. Então era comum que ele fosse um conceito mais utilizado por feministas e grupos de cientistas de humanas e não pessoas de fora desses meios sociais. O IBGE, por exemplo, até o último censo (2010), não utilizou o conceito, permanecendo com o conceito biológico para espécies de animais: sexo.

            Por fim, cabe dar destaque a ideia de que os conceitos são ferramentas utilizadas por cientistas de humanas para produzir conhecimento com base científica. Ou seja: existem métodos para realização de pesquisa que são aprendidos ao longo de anos de formação. Com a formação, vem a escolha de quais conceitos serão melhor aplicados a cada caso. Eu, por exemplo, costumo utilizar uma versão mais atual do Windows... ops! De Social e de Cultura. A partir dessas atualizações, eu estudo as associações de pessoas e coisas (sociologia) ao longo de um curso de ação; e a relação entre essas ações e as diferentes formas de experiência humana (antropologia). Portanto, formamo-nos para ensinar (licenciatura) ou para pesquisar (bacharelado), não para outra coisa. E Conceito não é opinião.

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