terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Como o capitalismo incorpora a crítica da oposição

           

Fonte: g1.globo.com


Em “O novo espírito do capitalismo (Luc Boltanski e Ève Chiapello, 2009, p. 52...)”, Boltanski e Chiapello afirmam que, basicamente, o capitalismo não se sustenta em apelos morais, apesar de ordenar práticas sociais historicamente. O que isso quer dizer?

            Significa que o capitalismo opera sem fazer referências ao bem comum, ao povo, ao Estado etc. Isso não quer dizer que historicamente sempre tenha sido assim, mas que, hoje, ele opera quase que autonomamente. Mas como ele, então, pode se justificar moralmente?

            É aqui que entra em cena “a crítica”, as ideologias e oposições. Para Boltanski e Chiapello, o capitalismo precisa obter poder de mobilização às custas das crenças de cada momento histórico e, inclusive, das crenças que lhe são hostis. Inicialmente o autor e a autora falam do individualismo moderno descrito por Louis Dumond (1911-98) como esse justificador para a acumulação. Entretanto, tal individualismo “interno” incorporava as crenças “externas”, adaptando-se a elas e com elas se desenvolvendo.

            Por exemplo: Dumond analisou a cultura indiana e seu regime de castas para falar sobre ideologias e o individualismo ocidental. Para uma casta que ocupa um lugar de subalterno, como os da-lites, na Índia, a pregada igualdade social e liberdade individual (princípios do liberalismo moderno) pode soar como algo libertador. Neste sentido, o capitalismo se justificaria, em certo momento histórico, com base na ideologia liberal.

 

Duas lógicas ou dois actantes

            Para Chiapello e Boltanski, uma lógica ou um ator leva à busca por lucro; outra, “superior”, leva a justificação e a crítica a esse ator inicial, o lucro. É como se com uma mão se buscasse o lucro, com a outra se justificasse essa atitude. De todo modo, o que entra em questão é que as críticas ao capitalismo “atualizam”, historicamente, seus regimes acumulativos. Conforme novas críticas surgem, as formas de justificação do capitalismo se atualizam. Vamos a alguns exemplos, mas antes lembremos que Chiapello e Boltanski identificaram/criaram um conceito traduzido para o português como “cidades” para descrever “tipos de espíritos” ou valores de justificativas para cada época. Com isso, eles chegaram a seis cidades ou espíritos predominantes em cada época, mas que, atualmente, coexistem como justificativas e normas que as pessoas recorrem quando entram numa controvérsia. O novo espírito do capitalismo, para ele e ela gerou uma sétima cidade. Uma cidade por redes ou por projetos.

            Recentemente, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado e assassinado por funcionários e um Policial Militar em um Carrefour de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Porto Alegre possui um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal alto, 0,867 (o de Recife é de 0,772)*. No entanto, João Alberto entrou para a estatística do Rio Grande do Sul. Foram 772 mortes de homens negros no estado contra 2111 mortes de homens não negros naquele mesmo ano de 2017*.

Em tempos de pandemia e de redes sociais, temos visto a luta contra o racismo avançando. Basta lembrar de outros casos, como do menino Miguel Otávio de Santana, 5 anos, de Pernambuco. Sua morte podia ter sido evitada. Porém, a realidade prossegue se repetindo, mas incorporando “espíritos novos”. Assim, no caso de João Alberto, rapidamente o Carrefour reagiu às críticas ao racismo, com propagandas e com marketing voltado para sua “reciclagem”. Se antes o assunto nos mercados era “orgânicos”, agora o tema é “racismo”.

A presença da crítica justifica, indiretamente, a existência do regime de acumulação. Basta pensar em todas as justificativas, ideias e desejos para se empreender. Para cada empreendimento novo, mais circulação monetária e dinamismo econômico. A cada conta de Instagram nova, a cada click de anúncios ou páginas do Google, mais e mais o capitalismo se moderniza. A cada novo artista, nova música ou novo livro, mais o capitalismo prospera. Tenha-se ou não consciência disso. As custas de quem? Da crítica. De mim, de você. Nisso, Marx jamais se enganou: somente mudando o meio de produção é que se muda um sistema socioeconômico.

Fontes: Atlas Brasil/Ipea - Atlas da Violência.

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