Fonte: reprodução da Isto é. Link abaixo. |
Diferença da transmissibilidade e reprodução das doenças
Eu
venho “brincando” com a ideia de que a Covid-19 é mais “social” que a Zika
porque a Zika depende da água pra se reproduzir, a Covid-19 não. Esse “jeito de
ser” da Covid-19, no entanto, se tornou mais grave em abril, quando a Fiocruz
descobriu que existia corona vírus no Esgoto de Niterói (RJ). Nossa, pasmei.
Porém, a Fiocruz não concluiu se rolaria contágio pelo esgoto não. No entanto, pesquisadores/as
descobriram o vírus nas fezes de pacientes contaminados por Covid-19, em
hospitais. Daí o alerta para o monitoramento do esgoto.
Antropologia de Ouro Preto (PE)
Eu
venho pesquisando Covid-19 em Olinda (PE). Mas pesquisei sobre Zika antes. Percebi
que pode existir correspondência entre águas e Zika. Então decidi seguir os
canais de Ouro Preto (bairro de Olinda). Ao seguir eles, descobri que as
ocupações chamadas de “irregulares”, que são típicas de periferias e estão
bastante associadas à miséria e à pobreza extrema, são bastante comuns e, por
isso, os afluentes dos rios (nossos canais), “conectam” pessoas e mosquitos
transmissores de doenças.
O nascimento de Ouro Preto (PE)
Historicamente
o bairro de Ouro Preto nasceu na década de 1960, e parte de seu território, que
é cortado por afluentes do Rio Capibaribe, era propriedade de uma empresa
chamada de Fosforita SA. Resultado: os dejetos da empresa eram despejados no
Rio Capibaribe. Na engenharia ambiental, chamam de eutrofização o processo pelo
qual o rio que, ao receber o lixo e as fezes de residências e de empresas, aumentem
suas taxas de minérios. A Fosforita SA produzia fosfato (muito utilizado para
adubo e fertilizantes usados na agricultura colonialista). Isto é: seja pela
empresa, seja pelas ocupações, temos um possível processo de eutrofização
ocorrendo. Qual o problema disso? Isso atrai as chamadas “algas azuis”, as
cianobactérias. Sim, e daí? Partes delas produzem cianotoxinas que podem causar
dano neurológico. Advinha agora? Ano passado a Fiocruz descobriu que Zika e
cianobactérias foram responsáveis pelo impacto maior da microcefalia e demais
síndromes congênitas de Zika. Ou seja: há relação entre pobreza e Zika por meio
das águas de rios.
O feliz casamento entre biomedicina e antropologia decolonial e a contribuição social como resultado
Mas
e a Covid-19? Bom, se a Zika segue sim pelas águas – conforme mosquitos que as transportam
e dependem da água pra isso-, ela não pode estar em ambientes mais distantes de
afluentes, tendo que se reproduzir nas águas paradas de residências e áreas alagadas
pela chuva. Essa é, aliás, a realidade que o Estado ignora quando se concentra
em exterminar os mosquitos. Ou seja: o Estado ignora sistematicamente a pobreza
e a infraestrutura sanitária de regiões afetadas pelo vírus Zika.
No
caso da Covid-19, no entanto, temos uma contaminação diferente e mais ampla.
Por isso eu a chamo de “mais social”. Ela precisa das interações humanas. Ela
precisa ser transportada. Na epidemiologia dizem que o Aedes aegypti pode
ter vindo de navios que transportavam pessoas escravizadas por colonialistas
europeus brancos. Já a Covid-19 veio, também, de avião (avanço tecnológico!). Depois começou
a circular como qualquer “turista”: de uber, de táxi e de transporte
público. A cada novo transporte, o vírus se reproduzia nos corpos das pessoas.
Para
piorar, pesquisadores/as da Europa estão tentando descobrir se existe
correlação entre o tipo sanguíneo e a gravidade dos efeitos da Covid-19. Tudo
indica que o tipo sanguíneo A é o mais afetado. Ou seja: mais gente desse grupo
morre ou passa perto disso. Então temos aí mais um dado importante: diferente
da Zika, a Covid-19 não se restringe à pobreza, mesmo que a falta de água
associada à pobreza potencialize o risco de contágio (o que é uma consequência
da circulação da doença pelos corpos, não a causa). Em outras palavras: a
doença “pega” qualquer um, e tem uma circulação que acredito ser maior que a da
Zika, porém, a falta de água e a pobreza é o que permite com que, neste caso, a
Covid-19 não seja combatida como ela o é em bairros de classe média e alta.
Podemos casar as ciências sociais e a biomedicina para fazer pesquisas que permitam
chegar a esses resultados – como exponho aqui. No momento, estou fazendo uma
experiência com uma colega da Entomologia para produzir um estudo
interdisciplinar (Entomologia + Antropologia) para, de fato, deixar de apenas
criticar o colonialismo na Ciência e transformá-la, de dentro, como agentes em
busca de uma sociedade mais unificada e pós-racista. Não basta criticar, é
preciso trilhar um caminho. Chega de polarizações e fanfarrice. Como se diz na série
Ad Vitam (2018), ações importam, palavras não.
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