sábado, 20 de junho de 2020

Qual a doença mais “social”: Zika ou Covid-19?

Fonte: reprodução da Isto é. Link abaixo.

Resumo: vou tentar explicar porque eu acho a Covid-19 mais "social"  do que a Zika. Farei isso com dados e conhecimento de Entomologia, Epidemiologia e Antropologia de epidemias (minha própria pesquisa). Concluo dizendo que sim, Covid-19 é mais social, mas que, também, para antropologia, e demais ciências sociais, podemos fazer uma antropologia decolonial quando trabalhamos juntos com as ciências da natureza (afinal: Sociais descem o barrote nas ciências da natureza!)

 

Diferença da transmissibilidade e reprodução das doenças

            Eu venho “brincando” com a ideia de que a Covid-19 é mais “social” que a Zika porque a Zika depende da água pra se reproduzir, a Covid-19 não. Esse “jeito de ser” da Covid-19, no entanto, se tornou mais grave em abril, quando a Fiocruz descobriu que existia corona vírus no Esgoto de Niterói (RJ). Nossa, pasmei. Porém, a Fiocruz não concluiu se rolaria contágio pelo esgoto não. No entanto, pesquisadores/as descobriram o vírus nas fezes de pacientes contaminados por Covid-19, em hospitais. Daí o alerta para o monitoramento do esgoto.

 

Antropologia de Ouro Preto (PE)

            Eu venho pesquisando Covid-19 em Olinda (PE). Mas pesquisei sobre Zika antes. Percebi que pode existir correspondência entre águas e Zika. Então decidi seguir os canais de Ouro Preto (bairro de Olinda). Ao seguir eles, descobri que as ocupações chamadas de “irregulares”, que são típicas de periferias e estão bastante associadas à miséria e à pobreza extrema, são bastante comuns e, por isso, os afluentes dos rios (nossos canais), “conectam” pessoas e mosquitos transmissores de doenças.

           

O nascimento de Ouro Preto (PE)

            Historicamente o bairro de Ouro Preto nasceu na década de 1960, e parte de seu território, que é cortado por afluentes do Rio Capibaribe, era propriedade de uma empresa chamada de Fosforita SA. Resultado: os dejetos da empresa eram despejados no Rio Capibaribe. Na engenharia ambiental, chamam de eutrofização o processo pelo qual o rio que, ao receber o lixo e as fezes de residências e de empresas, aumentem suas taxas de minérios. A Fosforita SA produzia fosfato (muito utilizado para adubo e fertilizantes usados na agricultura colonialista). Isto é: seja pela empresa, seja pelas ocupações, temos um possível processo de eutrofização ocorrendo. Qual o problema disso? Isso atrai as chamadas “algas azuis”, as cianobactérias. Sim, e daí? Partes delas produzem cianotoxinas que podem causar dano neurológico. Advinha agora? Ano passado a Fiocruz descobriu que Zika e cianobactérias foram responsáveis pelo impacto maior da microcefalia e demais síndromes congênitas de Zika. Ou seja: há relação entre pobreza e Zika por meio das águas de rios.

 

O feliz casamento entre biomedicina e antropologia decolonial e a contribuição social como resultado

            Mas e a Covid-19? Bom, se a Zika segue sim pelas águas – conforme mosquitos que as transportam e dependem da água pra isso-, ela não pode estar em ambientes mais distantes de afluentes, tendo que se reproduzir nas águas paradas de residências e áreas alagadas pela chuva. Essa é, aliás, a realidade que o Estado ignora quando se concentra em exterminar os mosquitos. Ou seja: o Estado ignora sistematicamente a pobreza e a infraestrutura sanitária de regiões afetadas pelo vírus Zika.

            No caso da Covid-19, no entanto, temos uma contaminação diferente e mais ampla. Por isso eu a chamo de “mais social”. Ela precisa das interações humanas. Ela precisa ser transportada. Na epidemiologia dizem que o Aedes aegypti pode ter vindo de navios que transportavam pessoas escravizadas por colonialistas europeus brancos. Já a Covid-19 veio, também, de avião (avanço tecnológico!). Depois começou a circular como qualquer “turista”: de uber, de táxi e de transporte público. A cada novo transporte, o vírus se reproduzia nos corpos das pessoas.

            Para piorar, pesquisadores/as da Europa estão tentando descobrir se existe correlação entre o tipo sanguíneo e a gravidade dos efeitos da Covid-19. Tudo indica que o tipo sanguíneo A é o mais afetado. Ou seja: mais gente desse grupo morre ou passa perto disso. Então temos aí mais um dado importante: diferente da Zika, a Covid-19 não se restringe à pobreza, mesmo que a falta de água associada à pobreza potencialize o risco de contágio (o que é uma consequência da circulação da doença pelos corpos, não a causa). Em outras palavras: a doença “pega” qualquer um, e tem uma circulação que acredito ser maior que a da Zika, porém, a falta de água e a pobreza é o que permite com que, neste caso, a Covid-19 não seja combatida como ela o é em bairros de classe média e alta.

            Podemos casar as ciências sociais e a biomedicina para fazer pesquisas que permitam chegar a esses resultados – como exponho aqui. No momento, estou fazendo uma experiência com uma colega da Entomologia para produzir um estudo interdisciplinar (Entomologia + Antropologia) para, de fato, deixar de apenas criticar o colonialismo na Ciência e transformá-la, de dentro, como agentes em busca de uma sociedade mais unificada e pós-racista. Não basta criticar, é preciso trilhar um caminho. Chega de polarizações e fanfarrice. Como se diz na série Ad Vitam (2018), ações importam, palavras não.

 

 Link da imagem: https://istoe.com.br/covid-19-pesquisadores-da-fiocruz-encontram-virus-em-esgoto-do-rio-de-janeiro/


 


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