domingo, 21 de junho de 2020

Já quebrasse o isolamento “social”? Mas que diabos significa “social”?

Reprodução do EL PAÍS. Link abaixo.


Resumo: vou tentar explicar para não cientistas sociais o sentido do uso do termo Social que é utilizado nas Ciências Sociais. Para cientistas sociais, vou esclarecer melhor o Social que uso na minha pesquisa. Concluo dizendo que a Covid-19 deixa o social "mais visível". Aqui, portanto, é onde as Ciências Sociais se tornam mais "úteis" para a "sociedade", pois usam o social com base em provas e evidências tratadas cientificamente.  

Qual a doença é mais social: Covid-19 ou o vírus Zika?

- Ver post anterior: (https://form-acaoblog.blogspot.com/2020/06/qual-doenca-mais-social-zika-ou-covid-19.html)

            Vou ter que definir o social “a pedido”, digamos assim, de leitores/as acadêmicos. Um sociólogo e uma socióloga problematizaram e deram sugestões sobre o assunto. Daí eu tá escrevendo esse post. Pra você, contudo, que NÃO É de Ciências Sociais, será que essa questão desperta teu interesse? Bom, espero que sim.

 

Os sentidos diferentes do Social na Sociologia

            “Que nem” na medicina, que precisa definir algum sentido para a palavra Saúde, ou na economia que precisa também explicar o que é “economia”, ou também na psicologia, a sociologia precisou, no seu início, definir o que era Social e o que não era Social. Como qualquer uma das áreas mencionadas (medicina, economia, psicologia etc.), na Sociologia você estudaria, basicamente, as interações humanas, coletivamente, seja estudando o que as pessoas fazem (práticas e hábitos); seja pesquisando o que elas dizem sobre o que fazem (representações sociais). O método científico social, então, traz as regras pra que esse campo de pesquisa possa produzir dados (provas e evidências) válidos e confiáveis para que se alcancem resultados que expliquem “acontecimentos sociais”.

            A “bronca” é que não existe apenas uma maneira de se fazer o que eu disse sobre os “acontecimentos sociais” na Teoria Social, pois existem várias formas de entender o Social. Quando você vai fazer uma pesquisa, você tem que “escolher” qual o Social parece dar conta do “perfil” da sua pesquisa. No mestrado, eu escolhi a teoria social conhecida como teoria ator-rede. Então o “social” tinha o sentido de “associações”. Seu criador principal foi o filósofo e antropólogo francês Bruno Latour (tá vivo ainda).

 

O social da Teoria Social Associativa

            Nessa sociologia “associativa”, nós estudamos como as coisas vão se “conectando” e “mudando” (assim “entendemos” como a “sociedade” vai mudando algumas coisas e mantendo outras). Tipo: no caso de Zika, que estudei, eu assistia pessoas num laboratório da Fiocruz de Recife-PE. Aí eu, basicamente, queria entender como era o antes, o durante e o depois de uma descoberta científica (como a ciência muda a sociedade?). Neste caso, eu pesquisava pessoas de jaleco que, por sua vez, examinavam mosquitos vetores do vírus Zika. No entanto, se eu fosse utilizar o sentido de social da teoria social mais clássica, do sociólogo francês já falecido,  Émile Durkheim, eu não olharia para as conexões (tenho um capítulo em um livro publicado em que explico essa diferença: https://onedrive.live.com/?authkey=%21AEM3ULMJHCnP%5FoE&cid=B0566265C9AAC3F8&id=B0566265C9AAC3F8%2117272&parId=B0566265C9AAC3F8%21453&o=OneUp).

 

O uso “social” e a “utilidade das Ciências “do” Social

Vamos a um exemplo para entender melhor o uso do social como associação: falo eutrofização e Zika no post anterior, mas também falo de pobreza, política, que seriam as coisas mais “sociais”, no sentido mais de senso comum. Porém, eu faço isso sempre trazendo dados (provas e evidências) das conexões. Utilizar errado a teoria social associativa é chamado de “Duplo Click”, que quer dizer que você não tem um dado e, mesmo assim, “forja” a conexão “forçando a barra”, tipo dizendo que na Agronomia todo mundo ama o agronegócio, por exemplo (sem dados, sem conexões!).

Falo isso tudo porque pesquisei isso também, mas na graduação (Parte sobre Agronomia: https://form-acaoblog.blogspot.com/2018/03/monografia-parte-ii-agronomia.html). Aliás, é o que não cientistas fazem o tempo todo no nosso dia a dia quando falam de política, mídia etc. É nosso “hábito” comum. Mas é aí que podemos nos “gabar” de ter “utilidade pública”, porque é exatamente o que diferencia um sociólogo ou uma antropóloga de Weintraub (antigo ministro da Educação), por exemplo: não estamos inventando ou forjando conexões que não existem.

Enquanto antropólogo, no entanto, acho que devemos aproveitar essas ocasiões para entender melhor “os outros”: o que tem além do óbvio quando alguém tá fazendo esse tipo de coisa? Uma hipótese pessoal que cheguei foi que as pessoas parecem ter “acordado” nas últimas duas décadas sobre o papel da mídia. Seu senso crítico está atento, não é só mais desconfiar da política, agora você desconfia da TV também. Isso não é uma coisa boa? Eu acho que sim. Porém, isso tem um lado ruim, porque é dessa desconfiança que as pessoas passam a confiar mais “nos seus olhos” e no que podem, elas mesmas, pensar, muitas vezes caindo nas fake News. Mas uma coisa não necessariamente leva a outra (sem dados, sem conexões!)

 

Conclusão

            Voltando ao papo para encerrar, eu acredito que a Covid-19 faz o “social” ficar visível, como se, finalmente, pudéssemos dar “matéria” ou “corpo” para o social que era só uma coisa vaga, como a Saúde, a Natureza etc. E, sendo mais “acadêmico” (filosofia), eu acho que o Social aparece como expressão-palavra de um lado (Covid-19), de outro como corpos adoecidos pela Covid-19 (essa é a parte linguística da filosofia dos franceses Deleuze e Guatarri). Ou seja: se tu ficar “seguindo” os “passos” da doença, da Covid-19, você vai poder “desenhar” a circulação dela como se fosse o “Social” que não “enxergávamos antes”, porque não tinha como a gente materializá-lo. Agora não, agora podemos “ver o social” pelo “rastro da doença”. É por isso, afinal, que o combate mais efetivo contra a doença é com a higiene pessoal, a não aglomeração “social”, o afastamento entre as pessoas, a descontaminação de objetos etc. Infelizmente, é claro, sabemos que no Brasil, aqui em Olinda, mais especificamente, as pessoas de classe baixa não podem se dar “ao luxo” de ficarem em casa por um motivo simples: irão morrer de fome, pois elas não têm renda. 

Precisamos mudar esse mundo, é o que sempre digo: tem um novo querendo nascer.

 

 

Fonte da imagem: https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/quarentenas-ioi%C3%B4-em-capitais-do-brasil-cultivam-incerteza-e-adiam-a-retomada-da-economia/ar-BB15Lbj2?ocid=msedgntp

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Duas religiões econômicas no comércio

 - Terminei. Vamos? - Diz minha pequena. - Posso ir ao banheiro? - Diz minha segunda pequena. Alguns minutos depois, caminhamos sobre o asfa...