Lara Albuquerque |
Decidi
escrever esse pequeno texto introdutório à, especificamente, Antropologia, por dois motivos. Em primeiro lugar, esclarecer pessoas que "toparam" participar da
minha pesquisa (então como elas podem ajudar um antropólogo?). Em segundo
lugar, para desfazer um mal entendido sobre “utilidade das ciências sociais”
diante de uma pandemia que causa tanta dor e sofrimento.
Minha
pesquisa atual (que será minha tese de doutorado), é sobre os impactos causados
pela pandemia no dia a dia de famílias de um bairro X. Na Antropologia (que faz
parte das ciências sociais, junto à Sociologia e a Ciência Política), minha
pesquisa pode ser considerada uma “etnografia” da doença e do consumo. Ou seja,
gente: estou preocupado em estudar a mudança de hábitos de consumo e de
cuidados diante da Covid-19.
Certo!
Mas qual a utilidade disso para a população? Não, esta pesquisa não produz uma
vacina; assim como ela não trará benefícios econômicos; menos ainda afetará
politicamente nossa sociedade. Por outro lado, ela é ainda pior: não servirá
como serve, atualmente, a arte e a cultura para aliviar a dor do isolamento;
nem reduzirá a ansiedade, a depressão ou qualquer outra coisa (afinal,
a nobre psicologia existe pra isso).
Então,
pra que serve a antropologia, especificamente? Ousadamente, diria que ela
contribuirá para todas as áreas científicas mencionadas acima, pois ela está
preocupada em compreender os modos pelos quais um conjunto de famílias viveu a
experiência de lidar com uma pandemia como a de Covid-19. Como minha “amostra”
(as famílias selecionadas para o estudo) é composta por famílias variadas, de geração, idade,
profissão, classe, gênero, raça, religião, formação, produzirei um conhecimento
sobre os meses que acompanharei essas famílias, sistematizando suas diferentes
formas de lidar com a pandemia no formato de um relato textual (minha tese de
doutorado, artigos, seminários, debates...).
Além
das famílias que acompanharei (com estratégias tecnológicas, já que também
estou em isolamento), estou registrando meu dia a dia como um antropólogo
profissional costuma fazer quando, por exemplo, estuda o cotidiano de etnias
indígenas ou de “tribos urbanas”. Com isso, descreverei o máximo possível todos
os aspectos que eu puder registrar sobre a pandemia de Covid-19 no bairro que
investigo. Assim, pretendo produzir conhecimento sobre o modo pelo qual a
Covid-19 gerou mudanças de hábitos e práticas no cotidiano do bairro e das
pessoas que nele vivem (mas diferente da grande mídia, não estou aqui para julgar quem estudo ou "educá-los").
É
arriscado? Sim! Bem o sei: estou fazendo o máximo para evitar o contágio, mas
aproveito toda vez que preciso sair pra registrar em um caderno as coisas que
pude observar pessoalmente em ambientes públicos e comerciais.
Bom,
agora é com vocês. Se acredita que isso tem utilidade ou não é com você. Se
quer saber se acho que tem, eu diria que sim, mas que utilidade é relativa aos
interesses e pontos de vista de cada instituição, grupo político ou indivíduo.
Acredito que a contribuição desse tipo de conhecimento seja de produzir um
registro e uma perspectiva que torne mais claro como as pessoas de hoje – a partir
do estudo de caso que estou fazendo – estão se posicionamento politicamente,
como isso pode ter relação com isolamento social, uso de máscara, consumo de
bebida alcoólica e outras substâncias, trabalho, convivência, relação entre gênero
e espaço público (quem continua nos bares e nas ruas...), comércio de máscaras,
a moda a partir da Covid-19 e a estetização das máscaras, as mudanças de
cumprimentos entre pessoas; a relação entre consumo de mídia (você se informa como?) e
hábitos (já viu a diferença entre a Globo e a Band na cobertura política e da
Covid-19? Pois é...); a relação entre entretenimento e isolamento (tu tás curtindo
as lives mais que antes?); a confiança nas instituições em tempos de pandemia
de “fakenews” (será que não estamos conseguindo compreender o que, de fato,
aconteceu para que a ciência tenha se tornado tão criticável ou duvidosa para certas pessoas a ponto de um ministro da Saúde ter que defender a Ciência? Terra
plana? Doença é conspiração? Será que a ideia de que “tudo é político” ou “ideologia”
que nasceu em movimentos de esquerda não se tornou, ao invés de remédio, um
veneno que, agora, está comprometendo todo esse organismo chamado terra, já que chegamos a "pós-verdade"?).
Bom,
é isso. A utilidade desse tipo de pesquisa, como eu disse, é relativa: você tem
seus critérios pra dizer isso. Espero que haja algum consenso, mesmo que momentâneo,
que precisamos responder as questões levantadas acima sem “especulação”, mas
sim, por que não, com a velha e boa coleta de evidências e provas científicas?
^^
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