terça-feira, 6 de abril de 2021

Da Antropologia da Covid-19 para animes: reativando o animismo.

            Finalmente minha pesquisa se tornou “oficial” para a universidade. Mas o que isso significa para quem participa dela? É isso que tentarei explicar, aqui.

            Estou pensando sobre o papel da antropologia, não só da Ciência, na vida das pessoas. Mas penso isso a partir das plataformas digitais, como Instagram, Facebook, WhatsApp e YouTube.

            Estou pensando sobre como esses “ambientes digitais” oferecem diferentes “pontos de vista” (perspectivas) para lidar com a pandemia de Covid-19. Já parou para pensar sobre algoritmos modelando nossa percepção?

            Pois é... A ideia, por outro lado, é usar essas ferramentas, criticamente. Com isso, sinalizo para o papel da antropologia, da minha escrita sobre a pandemia, no formato de mídias sociais (posts), contra o “sistema”.

            Mas quem é esse “sistema”? Há muitos nomes. Mas, normalmente as pessoas falam de “capitalismo”, como um bicho papão, a bruxa (russa) baba yaga diabólica criada pelos europeus e levadas para as colônias, no “passado”.

            Bom, se é crítico, então a antropologia pode servir como a disciplina que narra e dá visibilidade a experiências que estão, no meu caso, acontecendo em paralelo ao discurso oficial, da Mídia, mas sem cair em certos binarismos políticos, tão pobres.

            Ao mesmo tempo, a proposta tenta valorizar a experiência das realizações científicas, porque vacinas, por exemplo, são produzidas por essa “Ciência” tão criticada pela própria antropologia “pós-moderna” e “pós-colonial”.

            Dialogando com filosofia da ciência (Isabelle Stengers) e com o feminismo socialista (Donna Haraway), estou propondo uma antropologia que “reative” o animismo, revalorizando experiências diversas com a pandemia.

            A tradução desses termos “exóticos” é pensar sobre um mundo “pós-Ciência”, ou em paralelo à Ciência oficial. E se digo isso, não é como proposta, mas como um acontecimento “histórico”, inevitável.

            Engana-se, contudo, quem achar que o mundo se divide em pós-verdade/negacionismo versus Ciência. Essa visão é, justamente, efeito dos ambientes digitais e da Mídia de Massas. Pesquisas apontam para o contrário.

            Entendendo que este texto que “digito” se tornará mídia social (conteúdo digital compartilhado em ambientes digitais), então escrevo para fazer falar estratégias de contra-influência, de “contra-monismos” (ontológicos).

            A tradução do papo acima é que é urgente não apenas fazer uma antropologia “afirmativa” e de “justiça social” (epistemologias, saberes), mas de despertar as experiências de ser e de existirem alternativas à autoridade científica, sem desfazer das realizações científicas.

            Também ligo capitalismo e Ciência, como antropólogo, porque estou dizendo que o mercado capitalista mundial, sobrevive, de um lado, devido à Ciência. Vacinas valorizam ações da indústria farmacêutica, por exemplo.

            Por outro lado, isso é inevitável; assim como a extração de Petróleo movimenta o transporte mundial. Sem narrativas épico-marxistas, a ideia, com Stengers, seria fazer militância digital, com reativação de outras táticas de luta, fazendo alianças.

             Vejamos onde isso pode dar. Já assistiu Shingeki no Kyojin (Anime traduzido como Ataque de Titãs)? Ou Ghost in the Shell, Eu Robô, Matrix? Tudo “ficção científica”, certo? Mais ou menos.

            A ciência guardou o termo “lúdico” para a infância; o que quer dizer que a experiência de ser criança, permanece “animada”, nos dois sentidos: um como alegre e divertida, outro como “mágica”.

            E nós, adultos? Bom, quando crescemos “perdemos” o lúdico (nem todo mundo). Mas a arte, a música e, incluiria: o RPG, como aparece no Stranger Things também podia ser considerado uma experiência “animada”, lúdica, mas para adultos, e não apenas.

            Então os filmes mencionados e o ludismo, diria, seriam experiências ricas em gerar possibilidades de mundo alternativas, tanto no sentido de ir além da Ciência, quanto da possibilidade de “animação” no sentido de alegria.

            Assim, o que estou desajeitadamente tentando dizer é que, “não, a Ciência não esvazia o mundo”, ela pode povoá-lo com novos “personagens” e novas “ficções”. Os filmes e animes mencionados demonstram exatamente isso.

            Foi pensando nessa “animação” científica que lembrei de Donna Haraway. Ela lançou o “Manifesto Ciborgue” em 1985. De modo breve, ela está indo além do “gênero” (gender studies), aproximando-nos da “máquina” e, também, de “outras naturezas”.

            Foi Haraway quem me lembrou da importância do “fantasma na máquina”. Mas, afinal, que é isso? É a ideia de que existe algo além de nossa consciência habitando o mundo. Outras “consciências”, “algo além do nosso conhecimento”.

             No caso de Eu Robô, o fantasma da máquina está em comportamentos não programados de robôs construídos para servir pessoas. Mencionei Shingeki no Kiojyn porque há algo no comportamento humano e dos titãs, além da consciência dos personagens...

            Voltemos um pouco: há alguma religião de tradição judaico-cristã que poderia ser considerada essencialmente animista? Óbvio: o espiritismo de Alan Kardec. Não é a toa que ele dialoga com a filosofia, mas se pretende científico.

            Ora! Mas é uma religião herdada daquelas etnias (povos) de Israel. E as outras? Pois é: as religiões de matrizes africanas foram perseguidas pelos mesmos europeus que colonizaram as terras daqui, onde pisamos.

            Mais ainda, o xamanismo e demais religiões, daqui dessas terras, foram perseguidas pelos mesmos colonizadores que trouxeram a Ciência de um lado, as armas e a violência física, do outro.

            Na Europa, por sua vez, as perseguições foram contra quem? Ora, as mulheres, é claro. Um professor da PUC-SP, Renato Sztutman, nos lembra que Silvia Federici, no livro O calibã e as bruxas, nos mostra como a perseguição à bruxaria pagã serviu ao capitalismo.

            Quer dizer então que a bruxaria foi uma prática animista, a do solo europeu. No filme Lucy, a máfia asiática não duvida em nenhum momento que ela, Scarlett Johansson,  é uma “bruxa”; enquanto Morgam Freeman, o cientista, precisa de provas...

            Isso tudo indica apenas uma coisa: há dois modos de viver que não precisam se excluir. Eis o papel destes bytes. Isso aqui não precisa ser chamado de “conhecimento”. Isso aqui é percepção e alternativa de enfrentamento.

            O grande problema, aqui, é que esses bytes estão amarrados ao que tenta combater: redes sociais como financiadores/as do capitalismo global (capitalocêno). E os algoritmos participam dessa relação entre mim e vocês.

            É neste sentido que estou tentando dizer que nossa experiência com a pandemia de Covid-19 tem sido moldada pelas mídias sociais que compartilhamos (ou deixamos de compartilhar).

            Então meu convite é para refletir sobre esses ambientes digitais. Convite para pensarmos nas diferentes experiencias com a Covid-19, sem cair no relativismo moral, pois há sim jogos de interesses.

            Mas é aí mesmo que reside “o fantasma na máquina”. Há sempre algo mais, como uma possibilidade de algo além da nossa experiência com os algoritmos e com as mídias sociais.

            Os posicionamentos políticos, por exemplo, sejam quais forem, sempre “brincam” com essa “fonte” (mais valia) de possibilidades de criação da realidade e de nossa experiencia com a pandemia.

            De todo modo, fica a questão inicial de se é possível “ativar” o animismo e qual preço teremos que pagar para tanto, sem cair na moral de nossos adversários e adversárias, políticos/as.

 

Link para palestra de Isabelle Stengers (em Francês): https://www.youtube.com/watch?v=jaS6HtkH7UU

Link para o anime Shingeki no Kyojin: https://animesonline.cc/anime/shingeki-no-kyojin/

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