quinta-feira, 8 de abril de 2021

BBB, smartphones e Amor de Mãe: como não se encantar?

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Às vezes sou levado a pensamentos sobre capitalismo e socialismo, à democracia e autoritarismo, a fanatismos e “soluções” para sair do capitalismo. Mas me pergunto sempre: é possível sair do capitalismo?

Para ser prático, penso em dois eixos: um político, outro econômico.

No caso político, estamos falando de governo e de regime legal. Ou seja: democracia ou não?

No caso econômico, estamos falando de: capitalismo ou não?

Pois bem: no primeiro caso, mantemos a democracia, tal como ela está aí: direito universal ao voto. No segundo caso, a questão é: como não ser capitalista?

A questão segunda parece intragável, e muita gente se engana quando tenta resolver o problema “individualmente”.

O primeiro ponto de partida deveria ser: propriedade privada dos meios de produção, das fábricas e das empresas, ou propriedade cooperativa de mão de obra associada? Em regimes socialistas “reais” o Estado assumia esses meios de produção.

Não tenho dúvidas de que o segundo caso é um passo inicial de transição de modelos de propriedade. Mas isso não “acaba” com o capitalismo.

Precisamos nos perguntar o que é acabar com o capitalismo a sério, sem os sonhos épicos do passado. O capitalismo, na prática, não vai acabar de um dia para o outro.

Em segundo lugar, o capitalismo, lembremos, demorou séculos para dominar todos os continentes, tendo precisado que a política, na forma inicial não democrática, mas monárquica, dominasse outros povos; depois, na forma de Estados Democráticos de Direito, neo-colonizasse países das Américas, Ásia e África.

Resultado: economia capitalista e política de Estado estão sempre de mãos dadas, como o marxismo sempre alertou.

Mas o que interessa dessa lição? Entender que não é “individualmente” que a gente muda o “sistema” (político-econômico). Aqui é preciso outra lição.

Há certo consenso em filosofias bem diferentes, e sociologias e antropologias, que nós participamos e somos “captados” por nosso meio (época, cultura, sociedade, estrutura, pensamento etc., há diferentes nomes).

Na prática, nós participamos de eventos e acontecimentos que estão, de fato, “acontecendo” no exato momento em que esses bytes de palavras são produzidos. Vamos a um exemplo:

Exemplo 1: você acorda, pega o smartphone debaixo do travesseiro. Ele já tá com Wi-fi ligado, a tela mostra notificações de vários aplicativos. Você toma um banho enquanto ouve música em algum aplicativo e, depois, no café da manhã, mantém o polegar deslizando entre feeds e alternando janelas de aplicativos. Mais tarde você posta alguma coisa, um story. Ou então já passa o dia “postando”. Mas digamos que você seja produtora de conteúdo “crítico” e “político”. Ora, seu Wi-fi paga uma empresa que fornece internet; 2 – a empresa que fornece internet tem “capital aberto” e suas ações são negociadas nas principais bolsas de valores do mundo; ora! O mesmo vale para seu smartphone e seu computador. O mesmo também vale para os aplicativos ou plataformas em que você posta seu conteúdo (mídias sociais é o conceito para tais conteúdos). Assim, essas mídias sociais que você “posta” com toda sua “liberdade”, financiam o fluxo de capital ou de “dinheiro” pelo mundo inteiro. Mais ainda: a energia elétrica que você paga para manter a internet funcionando, os alimentos que você compra no Carrefour e as marcas que você consome, todas elas estão ligadas, também, a um circuito de capital, ou fluxos monetários, mundiais. Opa, as roupas, suas toalhas, e seus lençóis de cama também fazem parte da “circulação de mercadoras” regulada por políticas de Estado e tendências de mercado. Mas aí você me diz que, ainda assim, estamos fazendo política, com nossos posts críticos [como esses bytes!]. Essa não é a questão.

 

Lembremos: paremos de “individualizar” a questão da ação. Esse longo exemplo é só uma forma de dizer que estamos “atolados” no capitalismo da hora que acordamos a que dormimos. Estamos “atolados”, por outro lado, em formas de fazer “política”.

Por exemplo: posts em blogs [como esse], produção de audiovisual como influencer, Tik Tok, etc., não produzem leis, não dissolvem parlamentos, não dissolvem a propriedade privada dos meios de produção. Eles apenas podem “agregar” gente que pensa parecido e que já tem uma intenção política clara ou em formação a partir do que acreditam ser certo ou errado.

Estudos em antropologia, comunicação, ciência da informação, sociologia, vêm mostrando como algoritmos desses aplicativos selecionam nossas mídias e definem para quem apareceremos... faz tempo que não vejo posts de “direita” no meu feed. Aliás, só vejo BBB, outro projeto de empresários sustentados pela audiência e, agora, por usuários e usuárias de redes sociais.

Exemplo 2: a novela da Globo, Amor de Mãe, termina. Depois de muito choro, começa o futebol. A propaganda diz que o BBB vai ter “fogo no parquinho”. Perto das 23:00h, começa. Surge um comentário racista sobre o cabelo de um participante. O ministério público abre inquérito para apurar se houve racismo. Os stories do Instagram começam a compartilhar opiniões sobre racismo e como não ser racista. Milhares de vozes se unem. Muita gente se reagregou por uma causa comum. O Diário de Pernambuco anuncia que Neymar chamou isso de “mi-mi-mi”. Um parente “curtiu”. E por aí vai... centenas de comentários. Você foi capturada/o/e de novo.

 

Estamos sendo “capturados” o tempo todo. Isso é inevitável se participamos dessa “sociedade”. Nosso discurso é comercializado por tendências de mídias sociais. Quanto mais seguidores/as, mais o canal fatura. Mais o capitalismo agradece.

A questão, então, e finalmente, não é “ser ou não ser capitalista?”. Não é ser ou não ser consumidor consciente, empresário com responsabilidade social ou capitalismo soft.

Na verdade, não há respostas ou soluções. Existem caminhos a serem trilhados que rompem ou não com as práticas que herdamos da política democrática e da propriedade privada dos meios de produção, do capitalismo.

O que sinalizei economicamente, e que não é novidade para quem leu Marx e Engels, que é preciso falar em trabalhadores/as livremente associados/as/es, não empreendedorismo.

E para quem já ouviu falar de Rosa Luxemburgo, a questão é fazer democracia com as “bases”, com o povo e não tornar a liberdade um privilégio de partidos socialistas.

Mas como não há fórmula, pois a “história” acontece para bem ou para mal, então é preciso saber se estamos nos mobilizando de “dentro e para dentro” do capitalismo, ou de “dentro, mas para fora dele”.

Exemplo 3: você já teve que usar uma rede social para saber a agenda da universidade que você estuda? Ou para saber os dados de Covid-19 da Prefeitura? Pois é, essa é uma experiência cada vez mais comum. Para se manter atualizado/a/e, você teve de criar um perfil em uma rede social! Absurdo. Então vamos para a irônica trajetória do marxismo. No segundo ou terceiro período, você estuda a teoria do capital e o fetichismo da mercadoria, de Marx e Engels, em seu curso de Ciências Sociais. Se encanta... Aí você quer saber se na próxima aula, o professor ou a professora militante, avançarão para a acumulação primitiva de capital e a mais valia (valor). A militante, então, diz, “o material já tá na nossa página do Facebook. Ah! Lembrei, semana que vem não teremos aula, pois a reitoria postou na página oficial da UF”. Ora! Mas que surpresa, agora nossa comunicação científica é mediada pela empresa de Mark Zuckerberg. Leia-se: abrimos as portas das universidades para que empresas ofereçam seus produtos e serviços nos “corredores virtuais” da universidade, enquanto lemos “O capital...” estranho jeito esse, de se propor sair do capitalismo quando mercantilizamos até a nossa comunicação científica. Então você se forma, “obtém conhecimento” para, depois, postar no Instagram, também do Zuckerberg, sobre “conhecimento revolucionário”. Vai vendo...

 

A questão que mais me interessa, aqui, não é julgar. Se pensou isso, foi longe. A questão é mostrar como estamos sempre atolados/as/es no capitalismo e no pensamento, e comportamentos, de nossa “época”, “cultura” ou “sociedade”.

E, pior, é-nos atribuída toda a culpa e responsabilidade por estarmos atolados/as/es. É nossa culpa se quisermos empreender para sair da pobreza. É nossa culpa se ganharmos salários altos; é nossa culpa se prestamos serviços para empresas; é nossa culpa se obedecemos a “lógica da Educação Formal”; é nossa culpa se “disputamos bolsas de estudo” com nossos irmãos e irmãs. É nossa culpa se alcançamos “privilégios”. É nossa culpa se não “distribuímos” o que conseguimos... é nossa culpa se não damos esmolas... sempre nossa culpa pelo mundo capitalista que herdamos...

Para sair do “capitalismo estando dentro dele, é preciso se filiar a grupos que estejam tentando sair dele pela mudança no regime de propriedade de trabalho e de produção”, assim como pela via político democrática. Mas sabe qual é o problema: no Brasil, quem fala sério em sair do capitalismo, não ganha eleição. Ou você se adapta ao desenvolvimento, se for progressista; ou você o cultua, se for conservador.

O resto, como diria um amigo, é conversa fiada...

 

 Fonte: https://i2.wp.com/blogdaamazonia.com/wp-content/uploads/2021/04/neymar-rodolfo.jpg?fit=1170%2C766&ssl=1

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