quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Dicas de etnografia online: da tag #covid-19 à #lugardefala

 Neste post, direcionado a estudantes de graduação das ciências sociais, apresento brevemente uma conexão teórico-metodológica útil para pesquisa online: uso da Pragmática (análise de discurso) e da teoria ator-rede em etnografia online.

 

Implicaturas e máximas de qualidade

Os termos acima são da análise de discurso da linguagem pragmática ou, apenas, da Pragmática. Seu criador foi Herbert Paul Grice (1913-1988). O primeiro termo se refere à inferência feita por um participante em uma comunicação. O segundo, ligado ao “princípio de cooperação”, refere-se à credibilidade e à confiabilidade daquilo sobre o qual se faz alguma implicatura. No caso da minha pesquisa, eu tenho notado no meu campo de pesquisa, mas também no meu próprio dia a dia conforme assisto noticiários e acompanho notícias em mídias digitais, bem como nas interações em ambientes virtuais, que cada pessoa estabelece uma implicatura com base na máxima de qualidade das interações em que toma parte.

Vejamos um exemplo: conversei com uma comerciante que duvidava dos números da Covid-19 informados pela Prefeitura de Olinda, os quais mencionei considerando-os, justamente, confiáveis. Já um interlocutor mais próximo e participante de minha pesquisa utilizou como implicatura a “gripezinha” e, a partir disso, considerou os números nacionais da Covid-19. Neste caso, a credibilidade foi dada aos números oficiais. Porém, não foram os números locais, do município em que ele vive. Apesar desta disparidade entre o primeiro e o segundo exemplo, há em comum entre eles um mesmo ato: a implicatura.

Redes ou cadeia genética? Fonte: internet.
Na etnografia de Covid-19 esse assunto é especialmente interessante porque aponta para uma realidade complexa “por
demais!” Na verdade, essas diferentes implicaturas podem ser descritas apelando para dois elementos: 1) o contexto; 2) e a "entextuaização". No primeiro, pode ser descrito “onde” e “como” acontece a implicatura. No segundo, trata-se de analisar o modo pelo qual a fala traz um assunto; o modo pelo qual traz o assunto; e o que comunica além do que fala. Essa parte pode ficar um tanto confusa. Mas se pensarmos no segundo exemplo citado, a implicatura foi feita por meu informante a partir do enunciado “gripezinha” e, ao mesmo tempo, ele o comparou com os números nacionais da Covid-19. Essa é a entextualização. Já no primeiro exemplo, fui eu quem realizou o ato de trazer a referência aos números, neste caso, municipais. Porém, na ocasião, diferente do segundo exemplo, a comerciante questionou a qualidade da informação.

Teoria ator-rede

O interessante para se pensar, por outro lado, neste “onde” e no “como” as implicaturas acontecem é que você pode considerar os dois tipos de ambientes em que eles acontecem. Por exemplo: o primeiro aconteceu num ambiente físico; o segundo em um ambiente virtual. As implicaturas decorrentes dessas conversas são especialmente interessantes para se adicionar um segundo elemento analítico: seguir os sentidos que estão sendo mais ou menos utilizados, principalmente, nos ambientes digitais. Saindo dos dois exemplos, podemos então associar duas abordagens: a etnografia em ambientes virtuais – especialmente no sentido de seguir “perambulando” etnograficamente alguma hashtag (neste caso seria #gripezinha); e a teoria ator-rede “atualizada” por Bruno Latour para seguir esse fluxo de sentidos (“modo de existência das preposições”).


Hashtags

  Ao realizar o movimento teórico-metodológico mencionado acima, podemos captar os diferentes usos da tag, tendo-a como um termo chave de pesquisa (preposição) que circula ou viaja pelo ambiente virtual. Esse tipo de análise permite identificar os diferentes sentidos e, por conseguinte, as diferentes implicaturas neles contidas. É o que se tem chamado atenção quando o assunto é terrorismo, por exemplo. Foi o que fez Simon Lindgren ao seguir a tag #terrorism no Twitter.

Uma dica para quem gosta de debates em redes sociais e, também, é da área de ciências sociais, seria seguir a tag #lugardefala. A relevância do assunto é evidente. As implicaturas, contudo, não foram, a meu ver, “levadas a sério” satisfatoriamente. Ao invés de simplesmente “cair no debate”, por que cientistas sociais não “abaixam a bola” acreditando, implicitamente, que sua linguagem lhes garante um status social mais elevado que o “senso comum” e estudam as implicações da atualização (entextualização) conforme as pessoas vão realizando novas inferências a partir da tag #lugardefala?

Enfim, esse foi um post “meio fichamento” para experimentar a relação entre Pragmática, etnografia online e teoria ator-rede. A intenção, todavia, foi dar dicas de abordagens de pesquisa para cientistas sociais. Ao mesmo tempo, este post é também um tipo de relato ou feedback da minha pesquisa que cumpre a função que acredito, a saber, que visibilizar trajetórias de pesquisa social, a partir de redes sociais, permite que a “opinião pública” julgue a pertinência ou não das ciências sociais, tendo em vista que a nossa profissão sempre foi, historicamente, alvo da crítica conservadora e do utilitarismo econômico para o qual apenas o que entra na lógica do sistema socioeconômico capitalista é que interessa.


Link da imagem: https://scitechdaily.com/images/Remdesivir-COVID-19-Coronavirus.jpg


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