1.
Bairro de Ouro Preto-PE. Fonte de Internet. |
A pandemia torna visível os hábitos e práticas de cada região.
Costumo dizer
que a antropologia tem o papel de dar sentido, para nós, ao ponto de vista alheio.
No caso da pandemia, a ideia pode ser dar sentido ao ponto de vista dos outros
sobre a pandemia.
Por outro
lado, também se torna possível ligar esse ponto de vista aos hábitos e práticas
das pessoas. É por isso, por exemplo, que é interessante notar como, em um
mesmo bairro, encontramos tantas diferenças, mas também semelhanças no
comportamento e nas opiniões das pessoas sobre a pandemia.
Com esse
rastro podemos desenhar redes diferentes em que os discursos são conectados com
práticas e saberes diferentes
2.
Existem redes de saberes estabilizadas e, fora delas,
crises de saberes.
Quando ligamos
a antropologia ao seu desenvolvimento teórico a partir de pesquisas realizadas
no mundo todo há mais de um século, podemos identificar como outras pesquisas
e teorias ajudam a interpretar a realidade atual.
No caso da minha
pesquisa atual, eu costumo buscar quais hábitos e práticas estão se
assemelhando e desassemelhando em cada espaço. Por exemplo: quando o assunto é
lidar com a doença, existe um sentimento comum: medo de ir a um hospital, mesmo
estando com sintomas, para não aumentar o risco de contaminação.
Por
outro lado, nas redes hospitalares e laboratoriais, a Ciência prospera em seu
consenso metodológico sobre diagnósticos de Covid-19 (clínicos,
laboratoriais, PCRs...). Mas fora dela, as pessoas compartilham sentimentos e,
também, saberes, no processo de autodiagnóstico e “receitas”. Isso faz surtir
um hábito de cruzar experiências pessoais com saberes que estão acessíveis,
seja no Google, seja com amigos, seja nos noticiários.
Por
outro lado, quando os corpos que entram em possível contato com a Covid-19 e manifestam
sintomas, as práticas e saberes diferentes são “negociados” entre as pessoas
3.
Limite de teorias sobre falar sobre nossa
própria experiência
Em
relação a saúde, mesmo se autodiagnosticando e compartilhando experiências, e
saberes, o critério do ato de conhecer ou saber sobre sintomas extrapola nossa “experiência
pessoal”.
Diante da
crise, o hábito de autodiagnóstico e de duvidar do que sentimos, os sintomas,
desautoriza nosso critério epistemológico (de como é possível ter conhecimento
sobre nossa saúde) baseado apenas na nossa própria experiência. Essa é só outra
forma de dizer que o saber compartilhado (Ciência) sobre a saúde extrapola o
critério de saber baseado apenas na experiência (individual), nas vivências ou
nos diferentes “saberes” (outras epistemologias). Sem ciência biomédica, aqui,
sem vacinas, sem tratamento ao micro-organismo transmissor da Covid-19.
Se, ao
contrário, validarmos o critério da experiência como critério de verdade, fato
ou objetividade, então teremos que aceitar argumentos de Bolsonaro sobre a
hidroxicloroquina... Pragmaticamente, portanto, é preciso colocar uma fronteira
entre o critério científico e o critério da experiência pessoal. É aqui, inclusive,
que a nossa capacidade de apreender, perceber e transformar a realidade são prepotentes,
querendo negar fatos científicos com base na crítica à objetividade científica
por ela ser enviesada ou distorcida conforme os interesses de quem está por
trás da ciência.
Dito de outra
maneira: a pandemia da Covid-19 está gerando um efeito sobre as instituições
científicas e nos debates acadêmicos sobre objetividade, subjetividade e utilidade
científica. Um dos pontos que percebi até o momento foi que ao recolocar a
importância da ciência para alcançar uma cura contra a Covid-19, ela coloca em
questão ou demonstra os limites da fronteira entre ciências humanas e ciências naturais,
pois os critérios científicos iniciais, por mais que tenham os vieses
denunciados pelas ciências humanas e sociais, ainda são válidos para alcançar
resultados tão urgentes como a cura para Covid-19. Portanto, os limites da
crítica à ciência e à objetividade demonstram que as últimas quatro décadas,
pelo menos, com toda crítica pós-moderna à ciência, é limitada ao seu campo de
atuação. Por isso, falar em outras epistemologias é um modo de criar outra
ciência, como um novo ramo, cujo limite, finalmente, começa a se delinear. Não
se trata, portanto, de criticar a separação entre o método das ciências sociais
e o das ciências da natureza, mas de reforçar suas fronteiras, demonstrando
mais claramente, a que alvos se aplicam as ciências humanas e sociais...
Fonte da imagem: Ouro Preto
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