segunda-feira, 23 de setembro de 2019

DICAS SOBRE UNIVERSIDADE II - SOCIOLOGIA NÃO É ANTROPOLOGIA!

Ciência, Sociologia e Antropologia. GB 2019.

Tendo me formado em Recife, acreditava que Antropologia era “igual” à Sociologia. Decidi, do mestrado para o doutorado, passar da segunda área para a primeira. No entanto, as ciências “irmãs” não eram nenhum pouco semelhantes. Era uma ilusão conveniente acreditar nisso.

PRIMEIRO ENGANO: eu havia ouvido que as diferenças eram “caprichos” institucionais ou de departamentos. Errado. Esse foi o primeiro engano a ser desfeito. Com a disciplina/cadeira de História da Antropologia e também com ETNOLOGIA Brasileira, você meio' que descobre que a área da Antropologia é bastante DIFERENTE da área de Sociologia. Na Antropologia existe um amplo e antigo debate sobre ETNOGRAFIA, ETNOLOGIA e Antropologia. Autores como LÉVI-STRAUSS e TIM INGOLD já falaram bastante sobre o assunto. Porém, tendo cursado o mestrado em Sociologia, descobri em Métodos Qualitativos de Pesquisa Social, que ETNOGRAFIA na Sociologia perde toda sua “riqueza” e “problemática”, tornando-se “apenas” um “método de pesquisa” (o que é uma ofensa para uma etnógrafa como MARIZA PEIRANO ou a não menos famosa MARILYN STRATHERN).

O SEGUNDO ENGANO a ser desfeito foi sobre METODOLOGIA. Na Antropologia tenho observado professoras e livros [LIVROS AGEM] defendendo uma metodologia que “nasce” da relação do observador com seu campo e que, portanto, a objetividade se constituiria de maneiras “incomuns” para outras áreas. Tendo passado pela Sociologia, mas fazendo pesquisa de campo na área de Saúde, com ENTOMOLOGISTAS, tive o privilégio de “sair dos gabinetes” e pude observar  como a metodologia era empregada no laboratório; como eu mesmo, Sociólogo, a empregava; e como a Antropologia utiliza metodologia. São formas muito distintas de fazer ciência – Max Weber, então, foi bem sucedido ao não reduzir as Ciências Humanas e Sociais ao mesmo método “matemático” das Ciências da Natureza. É por isso, aliás, que fiquei profundamente incomodado com a entrevista de Jessé de Souza Martins, quando ele afirma que o problema das Ciências Sociais foi perder a “objetividade” e o “rigor metodológico” deixando-se levar por “ideologias”.

O TERCEIRO ENGANO é, na verdade, uma coisa que venho observando ao longo desse ano: escolher antropologia e sociologia ao mesmo tempo, para aumentar as chances de conseguir acesso ao doutorado. Eu mesmo fiz isso. Não estou, por outro lado, julgando as razões e os motivos para isso. Apenas queria registrar que essa postura pode dar bem errado. No meu caso, esse engano ocorreu com meu “primeiro choque”, quando um amigo disse, “etnografia não é (apenas) campo” (ou algo assim). O segundo choque veio durante a banca, quando uma antropóloga demonstrou certo incômodo com a minha “metodologia ter ‘pesado’ a mão em métodos quantitativos”! De fato, não estávamos mais na Sociologia. As semelhanças começavam a se desfazer...

Tive a oportunidade de escrever um artigo com um professor. Esse foi outro choque! Na Antropologia existe uma problematização muito forte sobre o papel da escrita e da relação entre o observador e seus “nativos”. Apesar de isso não ser incomum à Sociologia, a questão da “escrita” e do “lugar de fala” estão intimamente relacionados de modo que um sociólogo ou socióloga simplesmente demoraria para se “acostumar”. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando escrevi o texto com o professor, pois, no final, ele era “meu nativo”. Ou seja: ele era co-autor, mas também “objeto” de análise, já que eu me propus a escrever sobre as aulas como rotinas de aprendizagem e, ao mesmo tempo, sobre a relação entre percepção, experiência e “ontologia”. Resultado: a escrita e “o lugar de fala” me deixaram confuso: pois a escrita não era mais aquela atividade “solitária” e “autossuficiente”. Era preciso “deixar” que o outro modelasse o texto de um modo que eu, habitualmente, não faria.

Finalmente, a ilusão conveniente se desfez com a experiência de me especializar na Sociologia e, depois, ir para a Antropologia. A cada aula vou percebendo mais e mais essas diferenças. Quando era da graduação, eu não conseguia compreender essas diferenças. Isso é válido porque eu preciso lembrar que não se trata apenas de assistir aulas de diferentes cadeiras, mas sim porque eu tenho como tema de pesquisa a contribuição de Antropólogas/os no combate à epidemia de Zika e, por isso, eles e elas são meus “nativos”. Isso é algo que tem sido chamado de “meta-Antropologia”. Prefiro chamar de “Antropologia Simétrica”; mas o “meta” também faz sentido. Além disso, quem sabe se esse termo (“meta”) não se torna uma maneira pragmatista de “escolher entre diferentes antropologias” com base na ideia daquela “que mais serve” para “determinado fim” [assim se definiria o pragmatismo de William James].

 Então, o que eu diria para encerrar e pensando em pessoas que estão terminando a graduação e estão em vias de confeccionar suas monografias, é que existem diferenças fundamentais esses dois campos e, portanto, a escolha entre Sociologia e/ou Antropologia não deve ser diminuída, porque isso poderá modificar sua metodologia completamente. Assim, por exemplo, alguém que anda com dificuldade para escolher um tema de pesquisa ou objeto pode, muito provavelmente, está, na verdade, meio “travada” ou “travado” porque não definiu ainda qual campo escolher, se Sociologia ou Antropologia.
Infelizmente há um outro ponto que não posso esquecer: quando você quiser confeccionar um projeto para essas áreas para seleções, mostre para alguém da área antes de submeter. Eu fiz dois projetos ano passado: mas cada um eu mostrei para diferentes amigos das duas áreas e, claro, apesar de um eixo, a teoria que eu escolhia estava ligada a um debate tanto em Sociologia quanto em Antropologia, então ao menos isso não foi um problema; já a metodologia, ainda “carregada” pela minha formação em Sociologia, não agradou muito a banca. O mesmo aconteceu quando tentei História há uns três anos atrás. Não gostaram da teoria nem da metodologia! Resultado: foi minha pior entrevista de seleções.

Mas é isso... vivendo e aprendendo. Escrevi esse texto motivado a compartilhar informações e experiências com pessoas que tenho visto ter problemas para concluir suas graduações, assim como aquelas que têm tentado seleção de mestrado e doutorado nessas áreas. Porém, acima de tudo, escrevo para desfazer a ideia de que essas ciências são “irmãs”. Elas até podem ser “irmãs”, mas não são siamesas...








2 comentários:

  1. Gostei bastante do texto, Gabriel.
    Inclusive, gostaria que você me indicasse alguma leituras que tens feito sobre etnografia.
    Um grande abraço.

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  2. Rafael, obrigado por comentar. Então, nesta publicação (https://form-acaoblog.blogspot.com/2019/07/etnografia-como-agencia-e-ampliacao.html) tem algumas referências interessantes e uma análise sobre o tema da etnografia sendo comparada por importantes autoras e autores. Destaco Tim Ingold, porque ele aborda o tema distinguindo bem uma coisa da outra (antropologia da etnografia). Há um clássico nisso que separa etnologia, etnografia e antropologia, que é Lévi-Strauss em Antropologia Estrutural. Mas como tu poderás ver no post que indiquei, o Brasil, Marisa Peirano, por exemplo, tem uma visão diferente do que seria etnografia. Mas é isso. Boa leitura. Abraços

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