quinta-feira, 26 de março de 2020

Sociologia e Antropologia “não servem pra nada”?

      
O Globo*
Nos últimos dias, temos visto políticas públicas desmantelando as Ciências Humanas no Brasil. Diante disso, precisamos reiterar a importância de tais áreas, além de esclarecer a população sobre qual o papel das CS para a sociedade.

      Pesquisamos fenômenos e interações sociais, ou coletivas, em curso ou que já ocorreram e provocaram mudanças e transformações na sociedade. Uma pesquisa sociológica pode, por exemplo, investigar o fenômeno do contágio da pandemia de Covid-19 em Recife, PE, no período de fevereiro; pode investigar como os meios de comunicação associaram conceitos biomédicos com nossos hábitos de higienização, ou, quem sabe, como os discursos dos ministérios da saúde e do presidente representaram a pandemia. Com esse conhecimento, nós sistematizamos os diversos fenômenos sociais decorrente da pandemia e utilizamos teorias e resultados de outras pesquisas sociológicas para comparar, por exemplo, os impactos gerados pela pandemia sobre o comportamento das pessoas e, assim, a partir dos dados, chegamos a conclusões de quais foram as transformações que ocorreram na sociedade (positivas ou negativas) e o que poderia ser feito para gerar desenvolvimento social.
 
     Já na Antropologia, poderíamos seguir o exemplo de pesquisas realizadas sobre a epidemia de Zika vírus de 2015 e 2016. O Estado financiou direta e indiretamente (bolsas de pesquisa e editais de fomento à pesquisa) antropólogas e antropólogos para produzirem conhecimento sobre as experiências de famílias que foram afetadas pela  epidemia e, também, experiências nas relações entre Secretaria de Saúde e essas mesmas famílias. O papel da Antropologia, neste caso, foi o de sistematizar o conjunto de experiências socioculturais após o impacto causado pelo fenômeno da contaminação pelo vírus Zika e, em seguida, oferecer avaliações de como as mudanças decorrentes desse processo afetaram as vidas das pessoas (positiva ou negativamente) e o que poderia ser feito a respeito.

     O conhecimento que foi produzido por cientistas sociais contribui economicamente de forma indireta, nos caso acima, mas não deixa de fazê-lo. Quando profissionais ligados às Ciências Sociais participam de pesquisas de mercado e consumo, por exemplo, temos uma relação mais direta entre conhecimento produzido por especialistas e desenvolvimento de setores de mercado. Mas é preciso entender que estas duas formas de produção do conhecimento em Ciências Sociais são diferentes e partem de critérios utilitários distintos: uma atende ao Estado e ao desenvolvimento Social; a outra atende o mercado e a setores da economia, como o de Serviços, por exemplo.

      Em seleções para pós-graduações e financiamento de projetos de pesquisa, é normal encontrar o chamado critério de relevância social. O que quer dizer que as pesquisas produzidas por pós-graduações precisam atender exigências de contribuição pública. Por esse motivo: as pesquisas propostas devem atender a tais critérios sob pena de não serem selecionadas. Por isso, não podemos acreditar no argumento de que Antropologia, por exemplo, não “serve pra nada”. Qualquer área científica serve a algum propósito elementar, a saber, desenvolvimento humano. Ligar Antropologia e Sociologia aos mesmos critérios de outras áreas acadêmicas, desconsiderando suas especificidades, é continuar com a ideologia do desenvolvimento predatório e excludente que só beneficia aos interesses da classe e dos grupos dominantes de nossa sociedade.

           

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