O NOVO PPC
2012 DO CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS NA UFRPE E A PARTICIPAÇÃO
ESTUDANTIL: QUAL A MORADA QUE QUEREMOS TER?
Por Carla Patricia Moreira Vila Nova
Trabalho de conclusão de curso em formato monográfico
Ano: 2017
Introdução
Nos
últimos anos o Curso de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal
Rural de Pernambuco (UFRPE) passou por uma mudança considerável na grade
curricular do Curso, a partir da reformulação do PPC (Projeto Pedagógico do
Curso). Para essa alteração, o processo de decisões e deliberações se deu na
instância do MEC, do corpo de docentes do curso, da coordenação e do quadro técnico-administrativo
da UFRPE. Essa pesquisa tem como ponto de partida a hipótese que a participação
dos discentes nessa mudança da grade curricular não se apresentou de forma
clara.
Surgindo
daí a relevância de se investigar, de que forma os estudantes contribuíram ou
não para mudança do PPC de Ciências Sociais em 2012 de maneira a se avaliar o
grau de participação e prática democrática desses estudantes no âmbito da
UFRPE.
Dessa
maneira, a pesquisa tem por objetivo avaliar a implantação do novo projeto
pedagógico do curso em 2012 e qual foi o nível de envolvimento e participação
estudantil neste processo, visando a melhoria da qualidade do curso.
Neste
sentido, a presente pesquisa pretende analisar todo processo participativo na
mudança do PPC em 2012 nas instâncias administrativas e pedagógicas, como
também, no âmbito das ações coletivas e deliberativas entre docentes e
discentes do curso.
Temos
o interesse de pesquisar o posicionamento dos estudantes na época da mudança do
PPC 2012; se agiram de forma participativa e integrada ou encontravam-se
apáticos, objetivando apenas a participação nas aulas, não tendo tempo e nem
disposição para se envolver com qualquer outra atividade do curso.
Dessa
forma, buscaremos avaliar como foi na época da implantação do novo PPC em 2012
o posicionamento crítico e político dos universitários de atuar e produzir
saberes utilizando instrumentos políticos de participação e de democracia, na
formação de utopias e ideologias[1]
dentro do Curso de Ciências Sociais da UFRPE.
Nesse
contexto, a nossa pesquisa gira em torno da suposição de que há uma ausência
significativa na participação dos estudantes universitários nas atividades
políticas e extra-pedagógicas no curso de Ciências Sociais da UFRPE; o que
deveria ser um ambiente do pleno exercício da participação nas atividades
políticas e pedagógicas dentro e fora das salas de aula.
Ao
mesmo tempo supomos que a atuação da docência, da coordenação e do quadro técnico-administrativo
da UFRPE, no estímulo e integração a participação dos universitários na
implantação do novo PPC em 2012 se apresentou de forma desinteressada e
ausente.
O desinteresse do corpo
discente pelas questões administrativas e político-pedagógicas nas universidades
não é maior ou menor do que o desinteresse do corpo docente e do corpo dos
trabalhadores técnicos-administrativos. Em verdade, nesse aspecto, outra coisa
não faz a universidade, a não ser reproduzir o quadro social extramuros: um
quadro de total descrença nas instituições públicas e o consequente abandono da
esfera pública. A crise é conjuntural e diz respeito ao abandono progressivo de
uma visão republicana do modo de governar a res
publica em favor de uma concepção liberal-individualista. Dessa forma, é
fundamental que as lideranças estudantis (e as docentes e dos trabalhadores
técnico-administrativos) esforcem-se no estabelecimento de mecanismos de
participação capazes de trazer a “comunidade universitária” para o debate
público acerca das questões institucionais do demos. (ALVIM; RAMPINELLI; RODRIGUES, 2005, p. 128 -129).
Ao
que parece a noção de participação dos discentes, em sua maioria, apenas se
resume em sala de aula e de forma didática, tornando medíocre a noção de ocupar
espaços reforçando a representatividade política desses discentes em decisões
importantes para a melhoria da qualidade do curso.
A ocupação participativa
dos espaços decisórios institucionais das universidades depende,
fundamentalmente, de uma conscientização estudantil acerca da importância
desses espaços e de um compromisso com as gerações presentes, sim, mas talvez
um comprometimento ainda maior com as gerações passadas (que lutaram na
conquista daqueles espaços) e com as gerações futuras (para as quais temos o dever
de conservar e ampliar tais espaços). Ademais, essa ocupação institucional
deve-se dar com um duplo fim: denunciar as estruturas antidemocráticas que
alicerçam a política universitária e atuar de forma propositiva no cotidiano
decisório do demos. Por meio dessa
luta conjugada, vale frisar, encontrarão os estudantes um profícuo caminho na
construção de uma sociedade mais democrática. (ALVIM, RAMPINELLI; RODRIGUES,
2005, p.129).
Dessa
forma, analisar sintomaticamente a falta de consciência crítica e política
pelos universitários de terem atuado e produzido saberes utilizando
instrumentos políticos de participação e de democracia, na formação de
ideologias em prol do curso de Ciências Sociais da UFRPE.
Com
isso nosso interesse é de investigar, por meio desta pesquisa, no campus sede
da UFRPE, Como se deu o processo de participação, do Diretório
Acadêmico de Ciências Sociais e dos discentes no processo de implantação em
2012, do PPC (Projeto
Pedagógico do Curso) no curso de Bacharelado em Ciências Sociais?
Com
isso, por meio desta investigação, nortear toda a base do nosso trabalho de
pesquisa.
Os objetivos específicos serão: avaliar como foi a atuação do DACS e a relação do
DACS e os estudantes no período de implantação da nova grade curricular em 2012
no Curso de Ciências Sociais.
Também buscamos verificar na coordenação do curso
os documentos oficiais relativos à implantação do novo PPC em 2012.
Dessa
forma, a pesquisa é relevante dada a necessidade de identificar os caminhos da
participação democrática, do DACS e dos discentes, nas deliberações referentes
ao curso de Ciências Sociais, principalmente na implantação do novo PPC em
2012.
A
pesquisa trará benefícios no sentido de que será obtido dados concretos sobre a
participação estudantil como também diagnósticos que possam ao longo e curto
prazo contribuir, indicando vetores de conscientização e mudança na
participação política do estudante do curso de ciências sociais, e uma maior
abertura do corpo docente e do quadro administrativo sobre como tornar o espaço
acadêmico mais democrático.
Com
isso trataremos de trazer, por meio dessa pesquisa, um estudo cientifico no
qual nos traga de forma clara, simples e objetiva, benefícios para toda
comunidade acadêmica ligada ao Curso de Bacharelado em Ciências Sociais na
UFRPE, como também pessoas interessadas no tema de pesquisa não ligadas ao
curso.
Um outro
ponto importante de grande interesse e valoração nossa pelo tema da pesquisa é
a observância se há instrumentação na nova grade curricular implantada em 2012,
de maneira a tornar o curso com condições de habilitar o cientista social para
concorrer a áreas de grande importância no mercado de trabalho como por
exemplo, nas áreas, políticas públicas, relações internacionais, ciência
política, pesquisa orientada em sociologia e antropologia contemplando o uso e
manejo de dados qualitativos e quantitativos utilizando estatística aplicada às ciências sociais,
como também estar habilitado para a área de planejamento, elaboração e gestão de projetos
sociais e programas.
Com
isso apontamos que é de suma importância a necessidade de análise e pesquisa de
todos os fatores possíveis para um diagnóstico, no sentido de se desenvolver
práticas de participação, com o objetivo de democratizar os espaços até então
vazios voltados para a democracia e participação dos universitários e seu
diretório acadêmico, no curso de ciências sociais da UFRPE.
Através
desta pesquisa, também demonstraremos que na relação entre a comunidade
universitária, por meio da participação, não se trata da relação ou
sobreposição de poderes e dominação, e sim e cada vez mais pensar o curso de
ciências sociais como uma produção de saberes para a vida profissional e para o
exercício da cidadania e da política.
Com o
objetivo de pesquisar a participação dos estudantes e do diretório acadêmico do
curso de bacharelado em Ciências Sociais em relação à qualidade do curso e seu
novo PPC/2012 busquei como marco teórico principal o conceito de participação e
democracia, conceitos como poder e educação também serão desenvolvidos como
forma de apoio teórico ligados ao tema.
O conceito
de participação está ligado diretamente à política dos movimentos sociais e
estudantis, sendo um marco no exercício democrático brasileiro. Porém, a
prática de participação entre os estudantes do curso Ciências Sociais, na UFRPE,
precisa ter a sua atuação avaliada, como nas palavras de Pateman;
A
teoria da democracia participativa é construída em torno da afirmação central
de que os indivíduos e suas instituições não podem ser considerados isoladamente.
A existência de instituições representativas a nível nacional não basta para a
democracia; pois o máximo de participação de todas as pessoas, a socialização
ou “treinamento social”, precisa ocorrer em outras esferas, de modo que as
atitudes e qualidades psicológicas necessárias possam se desenvolver. Esse
desenvolvimento ocorre por meio do próprio processo de participação. A
principal função da participação na teoria da democracia participativa é,
portanto, educativa: educativa no mais amplo sentido da palavra, tanto no
aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e
procedimentos. Por isso, não há nenhum problema especial quanto à estabilidade
de um sistema de participação; ele se auto-sustenta por meio do impacto educativo
do processo participativo. A participação promove e desenvolve as próprias
qualidades que lhe são necessárias; quanto mais os indivíduos participam,
melhor capacitados eles se tornam para fazê-los. As hipóteses subsidiárias a
respeito da participação são de que ela tem um efeito interativo e de que
auxilia a aceitação de decisões coletivas. (PATEMAN, 1992, p. 60-61)
Pateman
deixa claro nesta citação, que a ação de participação dos estudantes é
fundamental e o aprendizado se dá na ação de participar, pois é uma prática
educativa.
A
universidade, além do ensino formal, tem o papel fundamental de conscientizar
os estudantes na formação dos saberes políticos para o exercício da cidadania e
participação social independente do curso que os discentes escolheram para sua
formação acadêmica.
A pesquisa a
respeito da participação estudantil dos estudantes no curso de Ciências Sociais,
na UFRPE, se torna fundamental, no sentido de melhorar a qualidade do curso de
Ciências Sociais, como também, verificar se a gestão do curso é democrática e
estimula a participação dos estudantes.
A presente
monografia será baseada no procedimento metodológico de pesquisa qualitativa
que terá como objetivo entender de forma interpretativa os motivos de uma
possível baixa na participação da implantação do novo PPC de 2012 do curso de
Ciências Sociais em 2012, por parte dos discentes. Pois segundo Minayo,
A pesquisa qualitativa
responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais,
com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha
com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização de
variáveis. (MINAYO, 2002, p. 21-22)
O local da pesquisa será situado em
torno das salas de aula, na coordenação do curso, na sede do DACS e nas salas
dos professores e funcionários do quadro técnico-administrativo referentes ao
curso, localizado na Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Os sujeitos da
pesquisa serão os discentes que participaram do DACS em 2012 e os que não
participaram, os líderes oficiais do DACS em 2012, a coordenação do curso e seu
quadro administrativo, e o quadro de docentes ligados ao curso em 2012.
Um dos
instrumentos de pesquisa será a aplicação de entrevistas semi-estruturadas, e através
destas entrevistas faremos o levantamento de todos os problemas e desafios
elencados pelo entrevistado, na implantação do PPC em 2012, essa entrevista
será restrita apenas aos estudantes que passaram pela transição da mudança da
grade curricular no curso de ciências sociais, sendo 7 o número de estudantes
entrevistados: Jessé, Liana, Demerval, Jussara, Leandro, Edivaldo, Clara[2]
Adotaremos o mesmo
procedimento com os docentes do curso de ciências sociais utilizando o método
da entrevista semi-estruturada. Só serão entrevistados aqueles professores que
participaram da comissão de transição e adequação da nova grade curricular, com
o objetivo de saber como se deu essa transição do PPC em 2012. Serão
entrevistados 5 professores: Dulce, Roberto, Gisele, Fernando, Pedro.[3]
Também como
instrumento de pesquisa, faremos avaliação e levantamento da literatura
específica ao assunto, verificação das diretrizes do curso, análise documental
e técnica da produção do novo PPC em 2012 a partir da consulta aos documentos
do arquivo da coordenação do curso.
Elencamos os possíveis
indicadores da falta de participação dos discentes nas decisões de mudança do
PPC de 2012. Esses indicadores nos auxiliaram na análise do corpus da pesquisa:
·
Falta de espaço
dado aos discentes nas resoluções e deliberações dos problemas administrativos,
estruturais e burocráticos apresentados ao longo dos anos no curso de bacharelado
em ciências sociais;
·
Uma possível falta de objetividade e certo desinteresse do corpo docente
em planejar estratégias eficientes e permanentes de participação democrática
dos discentes no processo do PPC em 2012;
·
Possível desativação do DACS na época do processo do PPC 2012;
·
Por ser o PPC de 2012, o primeiro PPC a ser construído coletivamente,
exigiu um foco maior do corpo docente envolvido, com isso não tendo tempo de
projetar espaços para participação permanente dos discentes no processo.
·
Deflagração de um estado de Greve nacional de professores universitários
no período de construção do PPC em 2012.
·
Descrença dos
discentes na objetividade e nas metas da coordenação para melhoria da qualidade
do curso Ciências Sociais da UFRPE, principalmente em relação ao mercado de
trabalho;
Em
relação a nosso trabalho de pesquisa dividiremos os capítulos da monografia em
temas teóricos e dinâmicos problematizando e apresentando aspectos que balizem
a qualidade do curso de Ciências Sociais e a participação estudantil na UFRPE como
sendo pontos determinantes para uma boa formação do sociólogo com capacidade
para competir no mercado de trabalho.
A
monografia conta com mais três capítulos abordando as teorias ligadas ao tema
da pesquisa, históricos, anexos e problematização do tema principal da pesquisa:
no primeiro capítulo abordará a participação e movimento estudantil; no segundo
capítulo falaremos sobre o curso de ciências sociais; e no terceiro, e último
capítulo, trataremos de discorrer sobre uma universidade mais democrática e
participativa.
1. Participação e movimento estudantil
1.1 A teoria da participação
A participação
é uma ação fundamental diretamente inserida na prática dos movimentos sociais,
onde se torna essencial uma análise nas bases conceituais e teóricas da
participação. De forma objetiva, na teoria da participação existem várias
categorias de análise bastante ampliadas com bases psicológicas, empíricas,
culturais, educacionais e comportamentais, atreladas a ações e necessidades no
plano sociológico, político e sócio econômico. O conceito de participação se estrutura
por meio de um conjunto de abstrações e reações como resultados de integração
de movimentos sociais de acordo com as demandas para derrubar ou modificar a
ordem social vigente. Em uma visão conceitual, participar de acordo com o Dicionário do Pensamento Social do Século XX,
significa:
Conceito ambíguo nas ciências sociais,
participação pode ter um significado forte e fraco. No primeiro, significa que,
em virtude das dimensões e da complexidade das sociedades de massa
contemporâneas, da centralização do poder político, do crescimento da
burocracia e da concentração do poder econômico, as garantias tradicionais da
democracia precisam ser fortalecidas, protegidas e ampliadas a fim de contrabalançar
a tendência para um número cada vez maior de decisões a serem tomadas por
pequenos grupos e que afetam a vida das pessoas; esses grupos são
frequentemente e não facilmente identificáveis ou responsabilizados, uma vez
que atuam em nome do estado, de uma autoridade local ou de alguma grande
empresa comercial ou industrial.
Nesse sentido, e no que diz respeito à
política, o princípio da participação é tão antigo quanto a própria democracia,
mas se tornou imensamente difícil em consequência da escala e abrangência do
governo moderno, bem como pela necessidade de decisões precisas e rápidas –
cuja omissão é motivo de protesto por parte dos que exigem maior participação.
No período pós-guerra a tendência foi para estender a participação a outros
campos além do político – por exemplo, à educação superior, onde era a
principal exigência de todos os protestos estudantis no final da década de 60 e
de novo no final dos anos 80; e, de muito maior importância e alcance, à
atividade comercial e, a partir do final da década de 70, aos governos locais.
Foi nessa fase que o “significado fraco” de participação começou a se
desenvolver. (ZAHAR, 1996, p. 558)
Neste
sentido o conceito de participação se torna ambíguo de acordo com a demanda
fraca ou forte do ato de participar, que varia de acordo com o status quo do tempo político,
burocrático ou social, por exemplo onde há um governo com bases na democracia
moderna, em que o Estado otimiza sua tomada de decisões, em prol da sociedade a
participação social tende a ser fraca, acomodando-se ao cenário de tomada de
decisão por parte dos governantes eleitos para representar o povo. Do contrário,
quando um Estado é tirano concentrador e não atende as demandas da sociedade a
participação social tende a se avolumar e tornar-se forte.
De
acordo com as demandas e lutas apontadas pela história dos movimentos sociais a
consciência pela necessidade da participação se adquire dentro das práticas
cotidianas quando existem reuniões de indivíduos com objetivo comum para se
conquistar ou impedir algo ligado a uma determinada demanda de ordem social ou
política, seja em uma associação de bairro, ou um grupo ligado as questões de
gênero ou raciais, a participação se torna peça fundamental para a geração de
um determinado movimento social.
Desse
modo, inicialmente toda participação é empírica, e por vezes desordenada e
temporária, consciente ou mecânica, ou seja, a complexidade e diversidade da
participação é sempre um objeto de investigação que está ligado a outros
processos teóricos e metodológicos ligados a associação, realidade social,
alienação, democratização, temas esses muito caros para os movimentos sociais.
Y la medida que nos hemos propuesto a mediano plazo encarar sistemáticamente
tanto em el plano abstracto como empírico el estudio de los movimientos
sociales actuales, encontramos la participación como una arista indesligable a
los mismos; colocándolos prácticamente en el redescubrimiento teórico de este
concepto. Es necesario en consecuencia encararlo como un objeto teórico
particular articulado en el espacio mayor de las luchas sociales. La primera
reflexión nos hace aparecer la flexibilidad conceptual del término
participación, por lo que debe de emprenderse inmediatamente un cuidadoso
estudio, proceder analíticamente para encontrar el conjunto de categorías que
lo estructuran dando lugar a sistemas explicativos del proceso social. (LIMA,
1988, p.7)
Numa
visão analítica, Lima, (1988) observa fundamentalmente a adesão participativa
no plano emotivo e psicológico, os valores fundamentais de ação e comportamento
dos indivíduos analisando a crítica de cada adesão desses indivíduos e sua
dedicação efetiva nas dimensões racionais, políticas, passionais, afetivas,
culturais, religiosas, econômicas, culturais, e até mesmo de interesses meramente
pessoais ou de qualquer outro segmento. Sendo todos esses processos inseridos
na participação do indivíduo de forma consciente ou não, de natureza profunda
ou superficial, com solidariedades ou particularidades.
Nas
instâncias ligadas a participação em uma perspectiva sócio-econômica, Lima (1988),
mostra a força do engajamento para a transformação participativa dos processos
de produção e distribuição de bens na sociedade por meio das forças produtivas,
dessa forma a ação participativa atua nas relações de propriedades, trabalho,
sindicatos, destino de bens produzidos e serviços distribuídos de forma desigual
na sociedade, sobre a alienação e
desalienação do trabalho, associação dos trabalhadores como grupo, como classe
e das diversas dinâmicas possíveis de autogestão de trabalho.
No
qual se tece o tecido conceitual participativo superando a dicotomia instalada
para a transformação de uma ordem social por outra, onde a utopia se converte
na ideologia como forma de poder vigente na sociedade.
Participamos
a partir do momento que acreditamos em algo transformador, onde essa linha de
pensamento se transforma em uma ação coletiva por meio dos movimentos sociais.
Somente
quando nos encontramos no verdadeiro centro de ideias mutuamente conflitantes é
que se torna extremamente difícil determinar o que se deve considerar
verdadeiramente utópico (isto é, viável no futuro) no horizonte de uma classe
em ascensão e o que se deve considerar meramente como a ideologia de classes
dominantes, bem como de classes ascendentes. Mas, se olharmos para o passado,
parece possível encontrar um critério razoavelmente adequado para a distinção
entre o utópico e o ideológico. Tal critério é sua realização. Ideias que
posteriormente se mostraram como tendo sido apenas representações distorcidas
de uma ordem social passada ou potencial eram ideológicas, enquanto as que
foram adequadamente realizadas na ordem social posterior eram utopias
relativas. As realidades atualizadas do passado põem um termo ao conflito de
meras opiniões sobre o que, nas ideias situacionalmente transcendentes de
antigamente, era relativamente utópico, rompendo os laços da ordem existente, e
o que era uma ideologia, servindo unicamente para dissimular a realidade. (MANNHEIM,
1986, p. 228)
Outrossim
toda participação em ações coletivas relativas a um determinado grupo social,
são motivadas pela dicotomia utopia e ideologia, ambas por vezes transcendem,
em sua base teórica, com isso surgindo o consenso e o dissenso no plano
estratégico do grupo ou do “líder carismático”, onde há avanços, retrocessos e
até mesmo dispersão do grupo por não ver os objetivos atingidos considerando-os
algo fora da realidade social. Como nas palavras de Karl Mannheim:
[...] Uma utopia real não pode, a longo
prazo, ser trabalho de um indivíduo, já que o indivíduo não pode por si mesmo
romper a situação histórica e social. Somente quando a concepção utópica do
indivíduo se impõe a correntes já existentes na sociedade, dando-lhes uma
expressão, quando, sob esta forma, reflui de volta ao horizonte de todo grupo,
sendo por este traduzida em ação, somente então pode a ordem existente ser
desafiada pela luta por outra ordem de existência. Com efeito, pode-se
constatar, ainda mais, que se trata de uma dimensão bastante essencial da
história moderna o fato de que, na gradativa organização da ação coletiva, as
classes sociais somente se tornam eficientes na transformação da realidade
histórica quando suas aspirações se encontram encarnadas em utopias apropriadas
para a situação em mudança. (MANNHEIM, 1986, p. 231)
Com a
superação do grupo participativo na implantação da utopia como meta a ser
atingida, os desafios seguem maiores quando na sociedade, o grupo participativo
consegue mudar a ordem social implantando a ideologia, pois, na maioria das
vezes, as ideias ora são tendenciosas ao uso do poder inadequado ou algo tão
transcendental que são incapazes de serem realizadas na sociedade, daí por
vezes a descrença no grupo participativo se torna uma realidade em relação a
mudança da ordem social vigente, como explica Mannheim:
As ideologias são ideias situacionalmente
transcendentes que jamais conseguem de
facto a realização de seus conteúdos pretendidos. Embora se tornem com
frequência motivos bem intencionados para conduta subjetiva do indivíduo, seus
significados, quando incorporados efetivamente à prática, são, na maior parte
dos casos deformados. A ideia do amor fraterno cristão, por exemplo, permanece
em uma sociedade fundada na servidão, uma ideia irrealizável e, neste sentido,
uma ideia ideológica, mesmo quando o significado pretendido constitui, em boa
fé, um motivo da conduta do indivíduo. É impossível viver harmoniosamente, à
luz do amor fraterno cristão, em uma sociedade que não se acha organizada sob o
mesmo princípio. O indivíduo se vê, em sua conduta pessoal, sempre forçado – na
medida em que não recorre à ruptura da estrutura social existente – a renunciar
a seus motivos mais nobres. (MANNHEIM, 1986, p. 218-219).
São
esses os grandes desafios que leva o indivíduo no plano social, político e econômico
ver com descrença ou exacerbada crença se inserir nos processos dos grupos
participativos no âmbito social.
O
conceito participação tem seu caráter também educativo de cooperação e de
solidariedade que formam as bases das forças coletivas dos movimentos sociais
que segundo Gohn, “A consciência gerada no processo de participação num
movimento social leva ao conhecimento das condições de vida de parcelas de
população, no presente e no passado” (GOHN,1992,
p. 20).
Diante
disso, existe uma cultura e identidade inserida nos processos de participação
gerando um pertencimento a uma demanda social ao qual se deseja transformar numa
determinada localidade na sociedade para aquela população não tenha necessidade
de abandonar o lugar onde sempre viveu é necessário a imersão na participação
como forma de transformação daquela realidade social. Partindo de uma
transformação da consciência individual e coletiva. Como nas palavras de GOHN:
A cultura da participação exige para seu
desenvolvimento, que não haja condicionantes ou imperativos externos. A
liberdade é a sua categoria central. A participação dos indivíduos deveria ser
feita objetivando não apenas um bem material imediato, ainda que extremamente
necessário, mas também o crescimento daquele ser enquanto indivíduo,
estimulando o desabrochar de seu potencial humano, de sua individualidade,
aspirações e desejos. Ou seja o amadurecimento de sua personalidade. A nível
das ações coletivas, os princípios básicos que deveriam estar presentes são os
da tolerância, do respeito à pessoa do outro, da existência de certas regras de
civilidade e o uso do método da discussão e da persuasão como forma de
estruturar as ações, as reivindicações, as propostas etc. Ou seja, o coletivo
deve ser o cenário, o espaço de construção das vontades, através do pluralismo
das ideias, de seus confrontos e da formulação de linhas comuns que
possibilitem a canalização das vontades individuais em vontades coletivas. (GOHN,1992,
p. 108).
Gohn,
(1992) apresenta a visão de participação como um lado holístico e individual, é
a persona em si pensando a nível de ações coletivas, para transformação do meio
social em que vive de forma pluralista respeitando as individualidades e as
coletividades. Desse modo, criando um campo de cultura política com fortes
bases na participação. Assim como explica Lima que a participação se refere a
subjetividade pessoal e a participação coletiva.
Em devenir de la participación está ligado tanto a los procesos de
potenciar la igualdad social como los procesos de afianzamiento de las
desigualdades sociales. Esta dualidad ha sido expresada teóricamente desde
diversas perspectivas. La recíproca implicación entre el individuo que propende
a la participación y la sociedad a la que se refiere, entre la “subjetividad
personal y la objetividad colectiva” siempre se ha definido postulado la
integración o el conflicto entre sujeto y la colectividad. La vida del hombre
en la sociedad a veces se entiende como armónico proceso de integración progresivo
al orden social para lo cual sirve la participación o bien se interpreta como un
desarrollo cuyas contradicciones determinan la alienación o rebelión subjetiva
en el marco de conflictos colectivos a cuya superación contribuye la
participación. (LIMA, 1988, p.14)
Dessa forma, vimos a necessidade de
discorrer, neste capítulo, sobre a teoria pura da participação por acreditar
ser algo fundante no objetivo que temos a atingir neste trabalho, onde a
participação vista na ótica humanitária é algo determinante para o
desenvolvimento social como um todo, e na educação algo a ser desenvolvido,
construído e estimulado por meio da instituição. Lima (1988) explica que a
participação não significa apenas o consenso de todas as classes sociais, pois
essa perspectiva minimizaria o conflito e valorizaria o consenso, porque uma
participação verdadeira promove a inclusão de todos os estamentos, classes
sociais e instituições, promovendo o equilíbrio entre o consenso e o dissenso
em uma democracia.
1.2 A participação nos movimentos
estudantis no Brasil
O
movimento estudantil, antes de tudo, é um movimento social, onde durante
aproximadamente três séculos os estudantes atuaram nas lutas e resistências dos
processos sociais e políticos do Brasil, com isso, discorreremos a princípio
sobre o conceito de movimento social.
Teoricamente,
definir o conceito de movimento social como objeto de estudo se torna algo
complexo e desafiante, pois o movimento social se encontra presente em vários
âmbitos sociais, com demandas de todos os tipos ligadas ao meio trabalhista,
político, educacional, ambiental, de gênero, popular entre outros.
Com
isso, muitos teóricos afirmam que o conceito de movimento social são conceitos
generalizados, pelo fato de não haver uma visão científica que os unifique.
Onde segundo Gohn, afirma que, movimento social refere-se à ação dos homens na
história. Esta ação envolve um fazer – por meio de um conjunto de procedimentos
– e um pensar – por meio de um conjunto de ideias que motiva ou dá fundamento à
ação. (GOHN, 2007).
Numa
visão sociológica o movimento social é visto como um fenômeno voltado para as
lutas de classe, para as desigualdades, para implantação de novas ideologias. Existem
vários paradigmas para explicar o conceito de movimentos sociais que podem ser
utilizados de acordo com o contexto do qual se queira analisar cientificamente,
ou seja, não existe um conceito geral e definitivo para análise teórica dos
movimentos sociais. Porém Gohn, assume, segundo ela, o risco de formular uma
ampla conceituação sobre movimentos sociais:
Movimentos sociais são ações
sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a
diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da
conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de
força social na sociedade civil. A ações se estruturam a partir de repertórios
criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciadas
pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e
político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir
dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio
da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais
e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não-institucionalizados.
Os movimentos geram uma série de inovações nas esferas públicas (estatal e
não-estatal) e privada; participam direta ou indiretamente da luta política de
um país, e contribuem para o desenvolvimento e a transformação da sociedade
civil e política. Estas contribuições são observadas quando se realizam
análises de períodos de média ou longa duração histórica, nos quais se observam
os ciclos de protestos delineados. Os movimentos participam por tanto da
mudança social histórica de um país e o caráter das transformações geradas
poderá ser tanto progressista como conservador ou reacionário, dependendo das
forças sociopolíticas a que estão articulados, em suas densas redes; e dos
projetos políticos que constroem com suas ações. Eles têm como base de suporte
entidades e organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação
construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou político-culturais que abrangem
as problemáticas conflituosas da sociedade onde atuam. (GOHN, 2007, p. 251-252)
Neste
sentido, os movimentos sociais está ligado a liberdade de expressão que a
democracia traz, com isso a participação
e atuação dos estudantes no movimento estudantil foi sempre colocada em xeque
na teoria política moderna, na tentativa de onde se enquadraria a participação
dentro dessa nova democracia, na qual a participação foi renegada a último
plano, onde a ciência política, em suas conceituações renegaram a ampla
participação estudantil e popular a um plano inferior em relação ao risco da
democracia ser revertida em aspectos radicais ligados ao autoritarismo
político. Como na constatação de Pateman:
É um bocado irônico que a ideia de
participação tenha se tornado tão popular, particularmente entre os estudantes,
pois entre os teóricos da política e sociólogos políticos a teoria da
democracia mais aceita (aceita de maneira tão ampla que se poderia chamá-la de
doutrina ortodoxa) é aquela na qual o conceito de participação assume um papel
menor, Na realidade, não apenas tem um papel menor, como nas teorias de democracia
atuais um dado predominante é a ênfase colocada nos perigos inerentes à ampla
participação popular em política. (PATEMAN, 1992, p. 9-10).
Nessa
perspectiva, a participação por meio dos movimentos estudantis e populares
sempre foi temida, entre os elitistas da democracia, que para eles, esse
posicionamento político popular beiravam os limites entre a democracia e o
autoritarismo civil e militar.
A
participação dos estudantes nos movimentos estudantis foi sempre decisiva na
história das lutas e resistências sociais e políticas do Brasil. Há registros
históricos que mostram que o movimento estudantil surgiu bem antes da UNE
(União Nacional de Estudantes), ainda no Brasil-Colônia, onde Poener, em seu
livro, aponta essa passagem na história :
A primeira manifestação estudantil
registrada pela história brasileira ocorre ainda no período colonial, em
setembro de 1710, quando da invasão que mais de mil soldados franceses, sob o
comando de Jean François Duclerc, empreendem no Rio de Janeiro. Depois de
conseguir penetrar na cidade, aparentemente desguarnecida e deserta, a
expedição estrangeira sofreu sua primeira decepção quando, à altura da Rua
Direita, “uma alta grita de cólera e incitamento ao combate atroou aos ares”. O
que se seguiu, segundo a descrição de Bilac, foi, mais ou menos, o seguinte:
“... viram (os franceses), defendendo o caminho, uma multidão de moços que os
esperava a pé firme. Não havia uma farda nas suas fileiras. Todas as fardas
estavam ainda no campo do Rosário cercando o governador (Francisco de Castro
Morais), que hesitava e vacilava, sem se resolver a cortar o passo aos
invasores. Os que guardavam a Rua Direita eram todos moços. Quantos?
Quatrocentos ou quinhentos, se tanto. Desiguais, nas armas, como no vestuário,
tinham-se reunido à pressa, ao acaso. Cada um apanhava a primeira arma que
encontrava à mão. Eram quase todos estudantes...(POENER, 2004, P.53-54)
A história mostra a forte
participação dos estudantes nos processos de lutas políticas e sociais no
Brasil, antes da institucionalização por meio da UNE, à partir do período do
Brasil-colônia, onde houveram várias intervenções por meio da participação dos
estudantes como historiciza Poener
(2004): a captura do corsário
francês, pelos estudantes, impedindo a invasão do Brasil em 1710, a
participação nas campanhas pela abolição e pela república no Brasil-império em
1880, a participação dos estudantes contra as atrocidades militares em canudos em
1893, A primavera de sangue ocorrida na primeira República brasileira em 1909,
o movimento constitucionalista de São Paulo em 1932, na segunda República do
Brasil. Foram essas participações estudantis, entre muitas outras, fatos
históricos marcantes, a respeito da participação estudantil ainda não
institucionalizada no Brasil.
No entanto o movimento estudantil
apenas foi institucionalizado e organizado em 1937 com a fundação da UNE, e com
isso emancipando, centralizando e unificando a participação dos estudantes no
movimento estudantil, como nas palavras de Poener:
O movimento estudantil é a forma
mais adiantada e organizada que a rebelião da juventude assume no Brasil. Tal
como o entendemos e conhecemos, esse movimento
existe somente a partir da criação da União Nacional dos Estudantes, em 1937,
quando alcança a centralização. É com a
centralização, na UNE, das lutas estudantis, que elas vão adquirir,
progressivamente, caráter organizado e de emancipação nacional. (POENER, 2004,
P.53)
No
processo histórico dos movimentos estudantis institucionalizado no Brasil, a
UNE foi a pedra fundamental e um marco na participação estudantil na luta política
e social. Porém em 1937 na fundação da UNE que inicialmente era vista com bons
olhos ao poder público, em seu 1º conselho nacional de estudantes fica vetado
expressamente assuntos ligados a política. Como historicamente Poener cita:
A UNE nasceu na Casa do Estudante
do Brasil, entidade simpática ao poder público, onde o Conselho Nacional de
Estudantes, depois de solenemente instalado pelo ministro da Educação, efetuou,
no dia 12, a sua primeira sessão ordinária, dirigida pela presidente vitalícia
e fundadora daquela Casa, Ana Amélia de Queirós Carneiro de Mendonça, poeta,
socialite e mulher do historiador e famoso goleiro do Fluminense e da seleção
Marcos Carneiro de Mendonça. Dois detalhes nos dão ideia do clima de
bem-aventurança que predominou nessa reunião inicial: 1) o encontro foi
encerrado com um chocolate oferecido pela União Universitária Feminina aos
delegados dos estados que se fizeram representar (São Paulo, Ceará, Bahia,
Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais); 2) aprovou-se, logo de
saída, uma proposta do representante do Diretório Central de Estudantes de
Minas Gerais, proibindo, expressamente, a discussão de temas políticos (Correio
da Manhã, 13 ago. 1937). (POENER, 2004, P.123-124)
Com
isso Poener (2004) também cunha as passagens históricas marcantes da atuação da
UNE como: o 1º congresso da juventude operária-estudantil em 1934, o 1º
conselho nacional de estudantes em 1937, o 2º congresso nacional de estudantes e
a primeira diretoria da une em 1938, o 3º conselho nacional de estudantes, a
primeira grande passeata em 1942, a mobilização para a II guerra, estudantes de
direito contra Vargas, a trégua com o Estado Novo, o rompimento da trégua com o
estado novo, a fase de hegemonia socialista, a
ascensão direitista, entre outras grandes passagens históricas nas ações
do movimento estudantil por meio da UNE.
No
final da década de 60, na prática intensa da participação política, em meio a
um regime militar instaurado, os estudantes adquiriram um protagonismo através de
uma imensa consciência participativa e de forma progressiva, se tornando uma
prática cotidiana e com isso acumulando experiências de participação que
entraram para história dos movimentos sociais no Brasil e no mundo. Como afirma
Mesquita:
As manifestações e lutas estudantis
ocorridas em várias cidades do mundo, suas bandeiras e reinvindicações, são uma
demonstração deste momento que não só não foi esquecido, como foi fortemente
ressignificado, anos depois, de maneira positiva, tornando-se emblemática de um
período de lutas. Além disso, como veremos os movimentos estudantis – e de
maneira realçada os da década de 1960 – foram, visivelmente, o primeiro
paradigma de participação do movimento juvenil no Brasil, assumindo um ideal daquilo
que devem ser a política e a participação. (MESQUITA, 2009 p. 28).
Nesse contexto, no Brasil e no mundo
a participação foi evidenciada de forma marcante para fortalecer os movimentos
sociais e estudantis na luta política e social recuperando as várias ações
ativistas como sindicatos e organizações populares. Como nas palavras de
Pateman:
O conceito “participação” tornou-se,
assim, parte do vocabulário político popular no final dos anos 60 do século
passado e, também, esteve ligado a uma onda de reivindicações provindas de
estudantes universitários por maiores espaços na esfera da educação superior e,
ainda, por parte de vários grupos que queriam, na prática, a consolidação dos
direitos já instituídos (PATEMAN, 1992, p. 9).
Com
isso a participação do movimento estudantil no Brasil no final da década de 60,
foi um marco na tentativa de emancipação da democracia, como também na
modificação das estruturas econômicas, políticas e culturais.
Neste
movimento[4],
entendido pelo imaginário dos estudantes como uma revolução nacional estudantil
havia também o processo de problematização da universidade, como referência
para novas dinâmicas sociais e culturais, fazendo com que o ambiente
universitário se tornasse um lugar de grandes resistências e embates políticos
como também a reinvindicação da reforma universitária.
O
período da ditadura no Brasil se encontra relacionado a luta, a resistência e a
grande participação dos estudantes, com isso, na década de 70, o ethos do movimento estudantil foi se
consolidando a nível participativo, dialogando com as lutas sociais e dentro da
própria universidade criando movimentos culturais e de resistências políticas
contra a ditadura.
No
exercício da ação participativa intensa o movimento estudantil, foi fundamental
na reivindicação também de uma reforma universitária, onde o ideário de
liberdade era uma forte bandeira para uma universidade menos conservadora,
incorporando no Brasil o movimento que denominava a contracultura que já
acontecia na Europa e nos Estados Unidos criando o CUCA (Centro Universitário
de Cultura e Arte), onde Benevides define as práticas do CUCA:
Tratava-se de um grupo experimental de
música, teatro e cinema formado por estudantes universitários cujo o objetivo,
de acordo com seus organizadores, era promover a arte e a cultura dentro da
universidade. (BENEVIDES, 2006, p.99).
O
nível participativo da militância do movimento estudantil entre as décadas de
60 e 70 em relação ao perfil dos estudantes, que tinham em mente a ideologia
revolucionária, Benevides (2006) relata que esses estudantes não discutiam
temas ligados às individualidades dos participantes.
Em
relação a questão de gênero, racial e orientação sexual, a militância do
movimento estudantil tinham em mente que esses “outros valores” e temas não
eram relevantes em detrimento aos grandes objetivos revolucionários ao qual o
grupo almejava alcançar.
Benevides,
afirma que mesmo havendo uma quantidade importante de mulheres participando
ativamente do movimento estudantil, as questões de gênero eram renegadas e afirma:
Isso era um reflexo da posição da mulher
na sociedade como um todo, de acordo com eles[5]. As
discussões em torno dessa questão só começaram a ocorrer no movimento
estudantil no final dos anos 1970, mais precisamente em 1978 e 1979, quando os
primeiros exilados políticos retornaram ao Brasil trazendo na bagagem
preocupações que não estavam unicamente ligadas àquelas preconizadas pelas
concepções tradicionais do socialismo daquelas décadas. (BENEVIDES, 2006, p.100).
Contudo,
em relação as demandas advindas das discussões raciais de participação nos
movimentos estudantis, Benevides em suas entrevistas, com os informantes, aponta
dados graves em relação ao negro nos âmbitos de inclusão educacional e social:
Quanto a questão racial, 75% dos
informantes disseram que tal questão não era discutida dentro do ME[6]
por dois motivos. Primeiro, por não haver muitos negros militando no ME. Isso
ocorria basicamente porque a presença do negro nos últimos anos do curso
secundário e, sobretudo, nos cursos de nível superior era pouco comum, o que
refletia a condição do negro na sociedade em geral e seu pouco acesso às
oportunidades educacionais. Segundo, porque havia, de fato, um racismo velado
entre os militantes do ME, tal como o era no conjunto da sociedade. (BENEVIDES,
2006, p.100-101).
No
tema à respeito da orientação sexual dos integrantes que participavam do ME,
essa questão, segundo Benevides, não era discutida nem em momentos informais do
grupo, pois tudo se transformaria por meio da revolução socialista que combateria
os desvios da sociedade trazendo novos valores.
Sobre a orientação sexual, 95% dos
informantes afirmaram que nem mesmo em bares ou festas se discutia essa
questão. Havia uma forte censura em torno desse tema entre os militantes do ME
e da esquerda em geral. Por um outro lado, alguns justificaram tal censura
dizendo que o grande compromisso das esquerdas na época era com a revolução
socialista. Portanto, essas questões mais específicas (gênero, raça, orientação
sexual) tinham de fato de ser negligenciadas para não prejudicar o foco de luta
no processo revolucionário. Por outro, alguns disseram que as esquerdas, em geral,
condenavam práticas homossexuais pois estas eram vistas como um “desvio”
pequeno-burguês[7] que
seria “curado” quando o socialismo transformasse os valores da sociedade. (BENEVIDES,
2006, p. 101).
Claramente
observa-se que o movimento estudantil, desse período, (entre as décadas de 60 e
70) estava interessado em mudar os aspectos no âmbito político, social e
cultural de acordo a revolução socialista, onde almejavam transformar a
sociedade no Brasil e no mundo, desligando-se, portanto, de questões mais
específicas relacionadas ao comportamento individual de cada integrante
participante do grupo.
Porém,
em certa medida, os costumes mudaram entre os anos de 1960 e 1970, e mesmo que
os movimentos estudantis e sua intensa participação, não quiseram assumir, “certas
bandeiras” em suas ações ideológicas, porém estimularam indiretamente fortes mudanças
na sociedade e a luta pelo reestabelecimento da democracia.
No
final dos anos 70 e início dos anos 80, o Brasil vivia o momento histórico da
transição da ditadura para a consolidação da democracia no Brasil, e o
movimento estudantil juntamente com a UNE consolidaram esta transição com uma
grande participação das eleições diretas no Brasil e o apoio a nova
Constituição do Brasil em 1988. Como aponta cronologicamente Mesquita:
Num primeiro momento, os estudantes foram
críticos da ditadura Vargas (1930-1945), realizando várias manifestações e
protestos sob o signo da luta anti-facista que caracterizava aquele período
marcado também pelo acontecimento da II Guerra Mundial. Num segundo momento,
críticos ao golpe militar nos anos 1960. Se na ditadura de Vargas, os
estudantes ainda “ensaiavam” sua participação no cenário social, na ditadura
militar (1964-1985), o movimento estudantil se constituiu como ator de maior
resistência e visibilidade na luta em defesa da liberdade e das garantias
políticas e sociais. (MESQUITA, 2009, p.64).
Já no
final da década de 80 início da década de 90, foi um marco na reconstrução
democrática do Brasil e das entidades. Onde os estudantes secundaristas e
universitários chamados de “caras pintadas” saíram às ruas para pedir a saída
do Presidente Fernando Collor de
Mello por estar envolvido com corrupções em seu mandato. Com isso afirma
Mesquita:
Reconstruindo
as entidades e o país, o movimento estudantil participa amplamente do processo
de democratização e abertura: a) no movimento pelas Diretas Já!, que exigia o
direito às eleições presidenciais com voto livre; b) na elaboração de uma nova
Constituição; c) na revitalização das redes de movimentos sociais com sua
articulação e dinamização dos espaços de participação; etc. É neste horizonte
de participação que os estudantes entram em cena depois de dez anos de
interdição, de negação da crítica e intervenção, de clandestinidade. (MESQUITA,
2009, p.65).
Nos
anos 2000 e nos tempos presentes as reinvindicações dos movimentos estudantis
apresentam variadas demandas e fragmentações, bem diferentes do passado, onde a
agenda do movimento estudantil reivindica questões relativas a macroestrutura política,
social e educacional do Brasil.
No
qual o modelo de participação da militância estudantil na atualidade se compõe
de reinvindicações bastante diversificadas, com um novo formato de participação
e de ação coletiva, que por vezes se torna complexo o entendimento dos
processos dentro dos grupos.
Inscritos num outro paradigma de
participação e ação coletiva, atualmente, as organizações e os grupos juvenis –
incluindo o movimento estudantil – trazem consigo elementos, estratégias e
repertórios característicos do referencial teórico dos Novos Movimentos Sociais.
(MESQUITA, 2003, p.118)
Onde a
prática e as temáticas e agendas dos pequenos grupos se correlacionam com
outros grupos, formando uma rede onde o processo de mobilização se dá
presencialmente ou mesmo virtualmente, há também nos movimentos estudantis
contemporâneos o processo de
partidarização, no qual para muitos que participam não é algo positivo dentro dos movimentos estudantis. Como explica Mesquita:
A colonização dos partidos no modo de ser
e atuar das entidades e as disputas ideológicas que são produzidas no meio
estudantil certamente têm produzido reflexos no grau de participação do
movimento, bem como, realçado uma visão do mesmo. Além disso, muitas vezes os
grupos excessivamente partidarizados atuam de modo impositivo não levando em
consideração os espaços de organização próprios do movimento estudantil.
(MESQUITA, 2009, p. 122)
No
que diz respeito as ações coletivas dos movimentos estudantis da atualidade há
algo novo, porém nada tem a ver com o caráter revolucionário do passado, que são
a formação de grupos com temas bem específicos como explica Mesquita (2009), como
coletivos feministas, coletivos LGBT, coletivos de cultura, coletivos de
agroecologia, a marcha da maconha, como também um início de um movimento social
e estudantil nas redes sociais onde por ser bastante recente não há estudos
científicos completos. Mesquita mostra sua percepção desses movimentos:
Não se sabem se esses coletivos
sobreviverão no cenário e campo políticos no interior do movimento estudantil;
nem podemos afirmar que a intervenção que realizam é mais ou menos qualificada
que a do movimento clássico. O que podemos sim dizer, é que são expressão de um
tempo onde as demandas culturais, identitárias e associativas têm tido uma
importância central na dinâmica da sociedade. Além disso, tornaram-se espaços
de politização do cotidiano e de cotidianização da política. (MESQUITA, 2009, p. 237).
Com isso, há uma clara percepção de uma aparente
desmobilização dos estudantes na militância da participação forte, tornando-os
menos participativos nos novos movimentos sociais, dada a preocupação no
mercado de trabalho, os estudantes tendem a se focar na rotina institucional e
utilitária da universidade. Como nas palavras de Mesquita:
A inserção num modelo que, muitas vezes,
privilegia dinâmicas e espaços ligados a uma lógica do conhecimento e menos a
uma perspectiva onde a partilha de experiências, a participação e a crítica
política não são valorizadas, tem acentuado esse cenário de desmobilização.
(MESQUITA, 2009, p. 125).
Portanto
o estudante com o objetivo de obter de forma rápida a graduação e a pós-graduação,
consequentemente não resta tempo para participar e se envolver intensamente nas
atividades da militância do movimento estudantil. Onde Mesquita afirma que o
atual desenho da universidade e o perfil dos universitários acabam por ganhar
importância na reflexão que se faz acerca da participação estudantil.
(MESQUITA, 2009, P.124).
1.3 Breve história da participação estudantil em Pernambuco
na ditadura civil e militar
Em
1964 foi deflagrado o Golpe de Estado no Brasil derrubando o então presidente
João Goulart o “Jango”, a alegação do golpe seria uma suposta invasão
ideológica do comunismo no Brasil derrubando assim um governo populista e
nacionalista como era considerado o governo de Jango, que pretendia dar início
a reforma agraria no Brasil, com isso enfurecendo a classe burguesa e conservadora.
Como explica Araújo:
Os anos anteriores ao golpe, como vimos,
foram marcados por um processo de radicalização política em torno da campanha
pelas reformas de base que congregava um conjunto amplo de forças
progressistas, reunindo partidos e organizações de esquerda e movimentos e
grupos sociais, tais como o PCB, a AP, grupos trotskistas, as Ligas Camponesas
e outros representantes dos trabalhadores rurais, os sindicalistas da CGT e os
militantes e lideranças trabalhistas, os deputados nacionalistas da Frente
Parlamentar e os setores nacionalistas das Forças Armadas, intelectuais,
artistas, professores e os estudantes, universitários e secundaristas, através
da UNE e da UBES. Uma ampla frente reunindo comunistas, nacionalistas, sindicalistas
e trabalhistas. Essa frente pressionava o governo Jango – e lhe dava
sustentação política – no rumo das reformas de base. No interior dessa frente,
a posição do Partido Comunista era bastante expressiva. (ARAÚJO, 2007, P. 137)
O
golpe de 1964 também indica, por meio das análises históricas, uma intervenção
capitalista e imperialista do governo dos Estados Unidos na época, sendo considerado
um governo imperialista, no intuito de desenvolver o capitalismo no Brasil.
Claramente
observa-se, e a história confirma, que o Golpe civil e militar no Brasil,
ganhou forças pela preocupação da burguesia brasileira e os segmentos
capitalistas, de um redimensionamento de distribuição de renda entre as classes,
pelo medo da implantação da ideologia comunista e a perda de “certos
privilégios” adquiridos pela classe média, com isso se atribui ao Golpe de 1964
a característica de ser civil e militar.
A
participação dos estudantes por meio do movimento estudantil após o golpe de 64
foi silenciado por meio de sua mais forte instituição a UNE, onde no primeiro
momento o movimento estudantil foi poupado, atuando e driblando a ditadura de
forma clandestina, conforme explica Araújo:
Após o golpe militar as entidades
estudantis, diretórios e centros acadêmicos foram fechados. Em muitas
universidades o governo interveio, cassando o registro de professores acusados
de comunistas, nomeando “interventores” como chefes de departamento ou
diretores de unidades e expulsando estudantes. No dia 27 de outubro de 1964 foi
votado e aprovado pelo Congresso Nacional o decreto que extinguia a UNE. O
decreto também proibia greves e atividades políticas das entidades estudantis.
Apesar disso, os estudantes continuaram a desenvolver intensa atividade
política nas universidades, que não foram o principal alvo da repressão em
1964. A ditadura militar, nesse primeiro momento, abateu-se mais pesadamente
sobre as lideranças sindicais e operárias. A direção da UNE certamente teve de
ir para o exílio ou para a clandestinidade. Mas o movimento estudantil, na
base, nesse primeiro momento, foi poupado. E uma nova geração substituiu os
veteranos que tiveram que sair de cena. (ARAÚJO, 2007, P. 155)
Em
1968 foi um ano marcado por uma rebelião dos estudantes em quase todos os
lugares do o mundo onde estes estudantes combatiam a forma tradicional de se
fazer política, o objetivo desses movimentos estudantis, em sua maior parte era
reivindicar a implantação de ideologias socialistas e comunistas em seus países
de origem, como nas palavras de Araújo:
Praticamente no mundo todo, no ano
de 1968, os estudantes foram às ruas, entraram em confronto com a polícia,
realizaram greves, levantaram bandeiras de diferentes matizes. No Brasil, na
França, no México, nos Estados Unidos, na Espanha, no Canadá, na Argentina, na Venezuela,
nos países da Europa do Leste, como a Polônia, a Tchecoslováquia, a Iugoslávia.
Países com diferentes realidades políticas e diversas condições econômicas que
se viram, de repente, enfrentando um mesmo fenômeno político: uma rebelião de
jovens estudantes universitários e secundaristas. (ARAÚJO, 2007, P. 155).
A
ditadura por meio do golpe civil-militar de 1964 atingiu diretamente a
universidade e a participação no movimento estudantil, por meio da Lei Suplicy
(nº 4464 de 09/novembro/1964)[8] e a
união do governo brasileiro com os Estados Unidos com o objetivo de reformar a
lógica da universidade no Brasil através do acordo MEC-USAID[9],
onde o movimento estudantil combateu veementemente este acordo, por acreditarem
que este acordo indicava a formação de uma “elite estudantil” vinculada a
cursos ligados ao sistema de produção capitalista, consequentemente
privatizando o ensino público e excluindo as classes mais necessitadas do
acesso ao ensino universitário.
Logo,
ao contrário do que se esperava, a participação do movimento estudantil não foi
silenciada em suas ações, mesmo com a UNE fragmentada e cerceada em seus
direitos e ações, os estudantes criaram uma forte resistência ao acordo
MEC-USAID e foram em grande maioria para as ruas, combater a reforma “americanizada”
da universidade brasileira imposta pela ditadura.
Historicamente
em Pernambuco os movimentos estudantis na ditadura de 1964 foi um dos
movimentos mais resistentes e combatentes do Brasil, onde não faltou coragem e
determinação para o enfrentamento dos militares e políticos ligados ao regime
ditatorial.
A
participação estudantil em Pernambuco no regime militar, era ligado aos
estudantes secundaristas e universitários vinculados em sua maioria na Universidade
Federal de Pernambuco, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Fundação do
Ensino Superior em Pernambuco – FESP, Faculdade de Direito do Recife (FDR) e a Universidade
Católica de Pernambuco, porém a comunidade universitária, envolvida, estava sendo
duramente investigada, observada e punida, conforme explica Coelho:
Nas universidades, inúmeros professores e
alunos foram presos, alguns mestres foram, também, afastados sumariamente das
cátedras, demitidos ou aposentados compulsoriamente. O movimento estudantil foi
totalmente desarticulado. O que ocorreu com a UNE, no Rio de Janeiro, nas
devidas proporções também aconteceu em Pernambuco com as entidades locais. Não
apenas com aquelas que atuavam na universidade, uma vez que a movimentação dos
secundaristas também era intensa. Alguns meses antes do golpe, por exemplo,
seis dessas agremiações haviam divulgado um manifesto contra a ameaça de
decretação do estado de sítio na Guanabara e em Pernambuco, subscrito pelo
centro de estudantes Secundários de Pernambuco
(CESP), Associação recifense de Estudantes Secundários (ARES), União de
Estudantes do Comércio (UNEC), Frente Estudantil do Recife (FER), União dos
Estudantes Secundários de Olinda (UES) e União Brasileira de Estudantes
Secundários (UBES) – na mesma linha de seus colegas do curso superior. Em
função dessa movimentação da juventude – que sempre foram uma constante na
história de Pernambuco – inclusive jovens secundaristas, de menor idade, foram
presos e processados depois do golpe. Alguns passaram meses e anos na cadeia,
até serem, afinal, julgados e absolvidos. (COELHO, 2004, p. 216)
Em
Pernambuco durante a Ditadura de 1964 a participação dos estudantes nos
movimentos estudantis foi sempre intensa durante todo o regime ditatorial, de
forma institucionalizada por meio da UNE e dos DAS, ou clandestina nos momentos
mais opressores do regime militar, que segundo Coelho, foi instaurado em Pernambuco
um verdadeiro clima de terror.
Os que tiveram condições de sair do
Estado, indiciados ou não em sindicâncias e inquéritos policiais-militares,
transferiram-se para outras regiões do país ou para o exterior. Inúmeros
pernambucanos passaram a residir e trabalhar em São Paulo e no Rio de Janeiro,
tentando iniciar vida nova. Até sacerdotes católicos foram perseguidos e
obrigados a abandonar o Brasil, ameaçados de prisão. Tanto quanto as ligas
camponesas, os sindicatos independentes de trabalhadores e as entidades
estudantis mais combativas, instituições ligadas à igreja, como o MEB e a
própria Ação Católica – principalmente a Juventude Universitária (JUC) e a Ação
Católica Operária (ACO) – também foram vítimas do furor opressivo e, até certo
ponto anticlerical, que dominou Pernambuco. (COELHO, 2004, p. 2225).
Os
Movimentos Estudantis em Pernambuco, sempre estiveram sobre a espionagem do Departamento
de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS-PE), onde eram feitos relatórios
detalhados por agentes infiltrados entre os estudantes, nas manifestações públicas
e reuniões do movimento.
O
regime militar em Pernambuco, durante a ditadura, foi arbitrário e violento de
forma altamente desproporcional, e não
poupava políticos, religiosos nem estudantes de menor idade, a tortura
ultrapassava todos os limites humanos, porém o movimento estudantil lutou
bravamente, onde a morte de dois estudantes secundaristas Jonas José de
Albuquerque Barros e Ivan Rocha Aguiar, em Recife, foi um marco da brutal
violência militar sendo Jonas e Ivan os primeiros estudantes vitimizados pela
ditadura em 1º de abril 1964 como explica Aquino, Mendes e Boucinhas:
Já no dia 1º de abril, estudantes
realizavam uma passeata protestando contra o golpe. Seus gritos de guerra eram:
“Viva Miguel Arraes!” Abaixo o golpe!” Haviam saído da Escola de Engenharia.
Rumavam para o centro da cidade. Carregavam uma bandeira nacional. Ao se
aproximarem da Praça da Independência foram atacados por tropas do Exército e
da Polícia Militar. Ouviram-se tiros. Dois tombaram baleados: um deles
chamava-se Jonas José de Barros e tinha apenas 17 anos. O outro era Ivan Rocha
Aguiar, tendo 22 anos. (AQUINO, MENDES, BOUCINHAS, 2012, p. 306)
Já em
1971, novamente a brutalidade militar se fez presente no movimento estudantil
em Pernambuco com o assassinato de um estudante universitário e militante do
PCBR onde foi torturado de forma bárbara e impiedosa, sendo preso em uma praia no
litoral norte de Pernambuco como afirma Aquino, Mendes e Boucinhas:
O segundo militante do PCBR[10]
assassinado pela ditadura militar chamava-se Odijas Carvalho de Souza
(1945-1971). Ele estudava agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE) e foi preso, juntamente com Lília da Silva Guedes, na praia de Maria
Farinha, no município de Paulista, em 30 de janeiro de 1971. Odijas morreu em 8
de fevereiro de 1971 e foi enterrado no cemitério de Santo Amaro, com outro
nome. (AQUINO, MENDES, BOUCINHAS, 2012, p. 319-320)
Contudo a participação nas manifestações
estudantis em Pernambuco seguiam em massa, articulados com outros movimentos
ligados à igreja católica, camponeses, sindicatos, políticos e professores, no
qual a maioria das manifestações e combates era: contra a prisão de estudantes,
solidariedade a campanha da anistia ampla e irrestrita, Habeas Corpus Pleno, defesa
dos direitos humanos, defesa das liberdades democráticas, reforma e defesa da
democratização das universidades e a favor da extinção do “AI-5 das
universidades”[11].
[1]
Trataremos os conceitos de utopia e ideologia no capítulo 1. Participação e
movimento estudantil, onde Karl Mannheim demonstra a importância de relativizar
esses dois conceitos, pois segundo sua visão teórica, “Nada é mais simples que
sustentar que um certo tipo de pensamento é feudal, burguês ou proletário,
liberal, socialista ou conservador, enquanto não existir método analítico algum
para demonstrá-lo e não se tiver deduzido nenhum critério que proporcione um
controle sobre a demonstração. Por conseguinte, a principal tarefa, no atual
estágio de pesquisa, é de elaborar e concretizar hipóteses implicadas, de modo
a se fazer delas a base de estudos indutivos. Ao mesmo tempo, os segmentos da
realidade com que lidamos precisam ser decompostos em fatores de forma bem mais
exata do que a anteriormente realizada.” (MANNHEIM, 1986, p.76). Neste sentido,
Mannheim demonstra a necessidade, em uma pesquisa científica, de se criar
métodos analíticos para não se correr o risco da criação de bases ideológicas
sem fundamentação.
[2] Por
questões éticas, os nomes citados nas entrevistas com os discentes, desta
pesquisa científica, serão fictícios.
[3] Por
questões éticas, os nomes citados nas entrevistas com os docentes, desta
pesquisa científica, serão fictícios.
[4] Um
movimento é a mobilização de um ator coletivo definido por uma solidariedade
específica, que luta contra um adversário para apropriação e o controle de
recursos valorizados por ambos. A ação coletiva de um movimento se manifesta
através da ruptura dos limites de compatibilidade do sistema dentro do qual a
ação mesma se situa. Defino os limites de compatibilidade como aquela série de
variabilidade dos estados sistêmicos que permite a um sistema manter a sua
própria estrutura (isto é, o conjunto de elementos e de relações que o
identificam como tal). Um movimento não se limita, portanto, a manifestar um
conflito, mas o leva para além dos limites do sistema de relações sociais a que
a ação se destina (rompe as regras do jogo, propõe objetivos não negociáveis,
coloca em questão a legitimidade do poder, e assim por diante). (MELUCCI, 2001,
p. 33)
[5] “eles”
seriam os integrantes do gênero masculino dos movimentos estudantis
entrevistados por Benevides.
[6]
Movimento Estudantil
[7]
Refere-se a pessoa de classe média rica que vive sob o véu de preconceitos e
tiranias.
[8] A lei vedava aos órgãos de representação
estudantil “qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter
político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas
aos trabalhos escolares”. Além disso, a lei procurava limitar e desincentivar a
participação das diretorias das entidades, tornando inelegíveis os estudantes
repetentes, dependentes ou matriculados em regime parcelado, proibindo o abono
de faltas pela participação nos DAs. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/lei-suplicy
28/07/2017 01:05
[9] Acordo entre o Ministério da Educação e
Cultura (MEC), representado pelo ministro Flávio Suplicy de Lacerda, e a United
States Agency for International Development (USAID). http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/dicionarios/verbete-tematico/acordo-mec-usaid
28/07/2017 01:21
[10] Partido
Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR)
[11] O decreto-lei nº
477, de 26 de fevereiro de 1969, também chamado de “AI-5 das universidades“, foi um ato baixado pelo
então ditador general Artur da Costa e
Silva durante a ditadura que punia professores, alunos e
funcionários de universidades acusados de subversão ao regime com expulsão. Na
prática, visava inibir a capacidade intelectual” de uma geração de acadêmicos.
O processo a que se submetia o acusado era sumário. Os professores
atingidos ficavam impossibilitados de trabalhar em outra instituição
educacional por cinco anos, ao passo que os estudantes ficavam proibidos de cursarem
qualquer universidade por três anos.
O
documento anexo foi produzido pela DSI/MEC. A Divisão de Segurança e
Informações (DSI) do Ministério da Educação, era uma espécie de subseção do SNI
que existia em todos os ministérios. A DSI produzia “informes” sobre todo tipo
de questão que preocupava a Ditadura Militar e, por isso, o acervo abrange
muitos assuntos. No caso específico do MEC, a DSI coletava informações a partir
de seus braços nas universidades e as enviava para os órgãos de repressão do
regime. Muitos estudantes e professores foram enquadrados na famigerada Lei 477
mediante a informações dos agentes da ditadura existentes nas faculdades. https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/forcas-armadas/lei-477-o-ai5-das-universidades/ 29/07/2017 01:11
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