quinta-feira, 7 de junho de 2018

Como os Movimentos Sociais se relacionam com a Universidade:


Por Lara Albuquerque Rodrigos
Relatório Final de Iniciação Científica
Ano: 2015

Introdução

O presente projeto visa compreender como ocorre a relação entre a universidade e os movimentos sociais. Para tal finalidade, torna-se necessário analisar e problematizar as especificidades dos saberes construídos tanto no âmbito acadêmico quanto dentro dos movimentos sociais. Primeiramente, é preciso conceituá-los a partir de suas formações históricas. Etimologicamente, universidade remete à ideia de universalidade, porém, surgem várias questões que evidenciam o contrário. Historicamente, nota-se que o saber produzido na Universidade era tido como o único conhecimento válido, considerado elitista por não ser acessível a todos, principalmente às classes tidas como populares. Neste sentido, cria-se uma hierarquização dos saberes; o saber elitista da universidade em detrimento aos saberes locais, não acadêmicos, os quais são produzidos geralmente dentro dos movimentos sociais. Diante do exposto, os movimentos sociais reivindicam a democratização desses espaços hegemônicos; e, também, a pluralidade do saber.
       Dessa forma, abordarei os conceitos de Movimentos Sociais e Universidade, incluindo a Extensão Universitária, a partir dos seus contextos históricos, respectivamente; os quais estão organizados em subtópicos. Por conseguinte, numa perspectiva pós-colonial, será abordado o que seria uma “descolonização dos saberes”, no sentido de embarcar todas as realidades e experiências existentes, de modo contra-hegemônico.

Movimentos Sociais

Defendemos que é necessário conceituar os movimentos sociais a partir do contexto histórico no qual estão inseridos. Ao analisar, historicamente, não há uma teoria geral e nem uma única concepção que consiga explicar a multiplicidade dos movimentos sociais. Existem diversas teorias que constituem análises diferenciadas acerca dos movimentos. A maioria dessas teorias são provenientes do Norte Global, ou seja, da Europa e dos Estados Unidos.
Nesta bibliografia existe um certo consenso que ao conceituar os movimentos sociais, historicamente, reforça uma dicotomia entre o que seriam os “velhos” movimentos sociais e os “novos” movimentos sociais (NMSs). Os “velhos” movimentos sociais são fundamentados nas abordagens do paradigma decorrente da teoria marxista, até os anos 50, os quais eram estritamente associados à luta de classes. Sendo assim, os estudos empíricos possuíam como objeto e principal sujeito dos processos ocorridos na realidade social: a classe trabalhadora, o movimento operário, os sindicatos e os partidos políticos. Por outro lado, Santos (2005), Touraine (1998), Laclau e Mouffe (1985) definem os movimentos contemporâneos como os “novos” movimentos sociais, os quais diferem dos velhos movimentos sociais, devido ao fato das lutas sociais salientarem a cultura, identidade, questões vinculadas às temáticas específicas como gênero, etnia, meio ambiente, entre outras (GOHN, 2012). Logo, os NMSs têm sujeitos distintos da teoria crítica eurocêntrica existente nos movimentos da forma clássica, os “velhos”, composto pelo o partido e o sindicato. As reivindicações dos novos atores sociais visam dignidade, território, respeito, autogoverno, subjetividade, interação política, autonomia. Segundo a concepção de Melucci, os novos movimentos sociais são menos forma e mais conjunto de representações significativas, expressões culturais; Ou seja, ao contrário dos “velhos” movimentos sociais que eram organizadamente estruturados (sindicato, sistema político), os “novos” movimentos não dependem necessariamente de uma estrutura física para reivindicar suas lutas. Para os novos movimentos, quanto menos amplos forem seus locais ou base, mais eles se tornam propensos a se definir culturalmente, afirmar a sua identidade etc. (GOHN, 2012)
De acordo com as análises de Maria da Glória Gohn (2004), os novos olhares direcionados aos movimentos sociais ocorreram, também, devido às novas modalidades de movimentos sociais que surgiram nos anos 50, como o dos direitos civis nos Estados Unidos. O paradigma norte-americano, na matriz acionalista[1], enfatizou o lado positivo dos movimentos sociais, em busca de inovações culturais e mudanças sociais. Portanto, houve uma ampliação de estudos específicos sobre os diversos movimentos, o que resultou em preocupações teóricas e revisões críticas, principalmente a teoria comportamentalista-funcionalista norte-americana, gerando-se, assim, a nova teoria da Mobilização de Recurso, na qual a mobilização das bases são analisadas através da ótica econômica, tendo como a variável mais importante os recursos: humanos, financeiros e de infraestrutura. De outro modo, o paradigma latino-americano centralizou-se nos estudos acerca dos movimentos libertários ou emancipatórios constituídos pelos índios, negros, mulheres, minorais, de forma geral; as lutas populares urbanas reivindicando por moradias e as lutas rurais, pelas terras. As orientações prescindiram tanto das teorias marxistas quanto das abordagens dos Novos Movimentos Sociais, dos anos 80. Entretanto, nos anos 90, houve uma alteração na produção teórica e nas manifestações concretas dos movimentos sociais; na América Latina, ocorreu a ascensão das Organizações Não-Governamentais (ONGs), incitando numa divisão entre os autores; uns, consideram as ONGs e os movimentos como sinônimos, outros, passam a desvalorizar os movimentos sociais, o que influenciará no deslocamento de muitos pesquisadores para outras temáticas da ação coletiva. (GOHN, 2012)
A partir do século XX, na era da globalização, evidencia-se uma reestruturação das formas de organização, dos protestos da ação coletiva e dos movimentos sociais, destacando-se, assim: o aparecimento de um ativismo internacional e transnacional multiescalar; uma renovação dos atores sociais; a ampliação do campo participativo-institucional e de um “paradoxo democrático”; mudanças significativas no cenário internacional e regional; uma tendência crescente às críticas ao eurocentrismo e ao “ocidentocentrismo” etc. Destas transformações, surge um grande debate epistemológico referente à produção de conhecimento na contemporaneidade, a qual no contexto dos movimentos sociais dá-se pelo reconhecimento dos movimentos e dos espaços não acadêmicos. Além disso, contrariamente às tensões clássicas entre os “estruturalistas” e os “acionalistas” dos anos 80, há uma atenção maior centrada nas interpretações mais fenomenológicas, reflexivas e relacionais dos movimentos sociais. Assim, outros fatores vão surgindo. As análises não se restringem às disciplinas mais frequentes nos estudos dos movimentos, há uma multidisciplinaridade capaz de diálogos. Enquanto, na América Latina, as análises reivindicam uma descolonização do saber e do poder, o que estimula à pluralização do debate.
Neste sentido, Gohn (2012) ressalta que as “novas” práticas dos movimentos sociais são ocorridas no interior de movimentos que já eram existentes, ou seja, encontram-se em contínua reinvenção. Em suas palavras:
Não se trata mais de contrapor os “novos” movimentos sociais – nucleados em torno de questões identitárias, tais como sexo, etnia, raça, faixa etária etc. – aos “velhos” movimentos, dos trabalhadores, como Claus-Offe e outros fizeram na década de 1980, por exemplo. Tampouco se trata de contrapor tipos de movimentos ou ações coletivas, e nem paradigmas teóricos interpretativos como mais ou menos adequados, até porque todos eles continuam a coexistir com os novos. Trata-se, em suma, de reconhecer a diversidade e os marcos interpretativos que têm lhes atribuído sentidos, significados e os têm trazido à luz no campo da investigação sociológica. (GOHN; BRINGEL, 2012, p.12)
Dessa forma, torna-se necessário analisar o conceito dos movimentos sociais, a partir de uma lógica que não haja desperdícios das experiências ou das diversas formas de resistências. Neste intuito, Júlia Benzaquen (2014) propõe adotar um conceito de “(r)existências resistentes” que possibilite abarcar a pluralidade dos protagonistas contra-hegemônicos, de formas organizacionais e das temáticas existentes.

No sentido de garantirmos um conceito para o presente estudo, seguiremos a definição de Gohn (2011) que entende os movimentos sociais como ações sociais coletivas de caráter sócio-político e cultural que tornam viáveis diferentes formas de organização para reivindicar seus interesses. Estas ações coletivas são concretizadas através de variados tipos de estratégias: denúncias, mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, distúrbios à ordem constituída, pressões indiretas, etc. Os movimentos sociais, atualmente, atuam pelas redes sociais locais, regionais, nacionais e internacionais ou transnacionais, além de utilizarem novos meios de comunicação e informação. Historicamente, os movimentos sociais “representam forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas não como força-tarefa de ordem numérica, mas como campo de atividades e experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais [...] A experiência recria-se cotidianamente, na adversidade das situações que enfrentam.” (GOHN, 2011, p.336), o que justifica a sua existência desde sempre. Para tal afirmação, Gohn cita às análises de Touraine, nas quais os movimentos eram tidos como o coração, o pulsar da sociedade; “expressam energias de resistência ao velho que oprime ou de construção do novo que liberta”. (Ibidem)

Diante do exposto, trazendo à tona a temática da Educação, nota-se claramente que a educação não se restringe à educação escolar, realizada apenas em instituições. Há vários outros espaços de aprendizagens e produção de saberes, os quais definem-se por educação não formal. De acordo com Gohn, a relação movimentos sociais e educação torna-se possível através da interação dos movimentos em contato com as instituições educacionais; das práticas educativas existentes no interior do próprio movimento, e, academicamente, nos fóruns de pesquisas ou na produção teórico-metodológica. Citando caso análogo, a área da educação tornou-se área estratégica para os movimentos populares, como o MST, no Brasil. Além do surgimento dos chamados “bacharelados populares”, organizados em antigos espaços fabris por ex-trabalhadores, em ações denominadas “fábricas recuperadas”, que se transformaram em espaços culturais com atividades educativas. Para Gohn, “uma das premissas básicas a respeito dos movimentos sociais: são fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes.” (GOHN, 2011, p.333)

Por conseguinte, devido à ascensão dos movimentos sociais, as demandas sociais oriundas das classes ou grupos oprimidos tornaram-se visíveis na esfera pública por meio de suas próprias reivindicações. Segundo Alberto Melucci (2011), um movimento concreto é sempre uma realidade histórica complexa e heterogênea (MELUCCI, 2001). Os movimentos sociais atuam no interior de vários sistemas organizativos, sistemas políticos, ou seja, numa sociedade histórica, na qual, diversos modos de produção coexistem. Logo, sua ação constitui uma série de problemas, atores e objetivos. Contudo, de acordo com Alberto Melucci (2001):

A eficácia política dos movimentos depende da abertura, da receptividade, da eficiência das formas de representação. E, justamente pelo caráter das questões que colocam, os movimentos não se esgotam na representação e os impulsos conflituais sobrevivem e se reproduzem para além das mediações institucionais. (MELUCCI, 2001, p.99)

Dessa maneira, busca-se compreender a multiplicidade de elementos presentes nos movimentos sociais e a complexidade, a não redutibilidade, a polivalência dos significados da ação do ator coletivo. Os movimentos sociais na visão de Melucci, “são um sinal. Não são apenas produto da crise [...] Obrigam o poder a tornar-se visível e lhe dão, assim, forma e rosto. Falam uma língua que parece unicamente deles, mas dizem alguma coisa que os transcende e, deste modo, falam para todos”. (MELUCCI, 2001, p.21).

Os “movimentos sociais nas sociedades complexas”, ou seja, os movimentos sociais contemporâneos referem-se a um fenômeno coletivo que contêm uma pluralidade de significados, formas de ação, modos de organização, mas, que buscam unificar suas diferenças. Dessa forma, a maioria dos conflitos na contemporaneidade podem ser explicados através do funcionamento do mercado político, como expressão de grupos sociais excluídos que exigem acesso à representação. Nas palavras de Alberto Melucci (2001):

[...] só uma sociedade aberta, capaz de captar o impulso dos movimentos através dos sistemas políticos de representação e de decisão, pode fazer com que a complexidade não seja nivelada, que a diferença não seja violentada. Manter aberto o espaço da diferença é uma condição para inventar o presente. (MELUCCI, 2001, p.28)

Seguindo essa linha de raciocínio, alguns fenômenos coletivos ocasionam conflitos, ou seja, uma relação de oposição entre dois atores que disputam o controle de recursos constituídos de valor para ambos. No entanto, segundo Melucci, apenas a presença de conflito não é suficiente para caracterizar uma ação coletiva como movimento social. Isto é, se o conflito gerado por essa ação coletiva não ultrapassar os limites do sistema de referência, há uma competição de interesses no interior da ordem normativa. Neste caso, Melucci enfatiza que essas ações conflituais estão presentes nas grandes organizações, nos sistemas de relações industriais e nos sistemas políticos das sociedades complexas. Além disso, “termos como competição, concorrência, reinvindicação são adequados para exprimir o conteúdo analítico, que diz respeito à presença de interesses contrapostos e à aceitação de certas regras do jogo”. (MELUCCI, 2001, p.37).
Entretanto, diante esses conflitos, os movimentos sociais podem se encaminhar a três tipos de condutas: Um movimento reivindicativo, no qual o sujeito coletivo reivindica uma diversa distribuição dos recursos no interior da organização e confronta o poder que impõe as regras de divisão do trabalho; Um movimento político, que luta pela ampliação da participação nas decisões e se choca contra a hierarquização do jogo político que sempre privilegia certos interesses sobre outros, visando, desse modo, “melhorar a posição do ator nos processos decisórios ou a garantir-lhe acesso e quer abrir novos canais para a expressão de questões exclusas, impulsionando a participação além dos limites previstos pelo sistema político.” (MELUCCI, 2001, p.41-42); e, por fim, um movimento antagonista que atinge a produção de recursos de uma sociedade, o qual luta não apenas em oposição ao modo que os recursos são produzidos, mas, também, os objetivos da produção social e a direção do desenvolvimento. Sendo assim, as formas de ação dos movimentos antagonistas não são negociáveis com a ordem do poder social e com a hegemonia política dos interesses dominantes. Nos argumentos de Melucci:

O protesto, no interior de um sistema organizativo, que atinge diretamente o aspecto do poder, provoca a intervenção do sistema político e do aparato repressivo do Estado. Um movimento político que vai além dos limites consentidos pela participação provoca uma reação que interessa ao modo de produção (por exemplo, sob a forma de crise econômica,interrupção da inovação ou afirmação de novas elites). (MELUCCI, 2001, p.44)

Em síntese, observa-se que os movimentos sociais, historicamente, contribuem na organização e conscientização da sociedade, através de práticas de pressão e mobilizações. Entretanto, não se trata de um processo isolado, mas de caráter político-social. De acordo com os pressupostos ditos por Gohn, os movimentos sociais, atualmente, lutam por novas culturas políticas de inclusão. Há neles uma ressignificação dos ideais clássicos de igualdade, fraternidade e liberdade. A igualdade como justiça social; a fraternidade como solidariedade; a liberdade como princípio de autonomia – da constituição do sujeito, não individual, mas de inserção na sociedade. Em outras palavras, os movimentos sociais redefinem a esfera pública, possui grande poder de controle social e constroem modelos de inovações sociais. A título de exemplo, os conselhos gestores são novos instrumentos de expressão, representação e participação, por possibilitarem à população o acesso aos espaços em que se tomam as decisões políticas. Entretanto, vários pareceres oficiais têm apontado o caráter apenas consultivo dos conselhos, tornando-os isentos do poder de decisão. Logo, é necessário que se reafirme seu caráter deliberativo, de forma que haja participação da sociedade civil na gestão de diferentes políticas públicas, e, assim, exerça maior controle sobre o Estado. Por fim, nas palavras de Gohn:

É preciso alterar a cultura política de nossa sociedade (civil e política), ainda fortemente marcada pelo clientelismo, fisiologismo e por diversas formas de corrupção; reestruturar a cultura administrativa de nossos órgãos públicos, ainda estruturados sobre os pilares da burocracia e do corporativismo; contribuir para o fortalecimento de uma cultura cidadã que respeite os direitos e deveres dos indivíduos e das coletividades, pois a cidadania predominante se restringe ao voto e é ainda marcada pelas heranças coloniais da subserviência e do conformismo. (GOHN, 2011, p.356)

Desse modo, o universo dos movimentos sociais busca o aumento progressivo dos níveis de participação democrática da população, e, nesse sentido, os sujeitos existentes nesses movimentos tornem-se ativos na transformação política e social. Há certo consenso que os movimentos sociais propiciam a difusão dos ideais de emancipação, alimentam os desejos de liberdade, mas também anunciam o novo ao denunciar as contradições existentes e desafiar os códigos culturais dominantes (MELUCCI, 1989, 2003).

Universidade e Extensão Universitária

Historicamente, desde a Idade Média europeia, a Universidade é direcionada à formação da elite dominante e segue à lógica do Estado-Nação moderno (HUMBOLDT, 1959 apud BENZAQUEN, 2012). Devido à colonialidade existente nesses ideais modernos, as universidades medievais europeias eram consideradas depósitos dos conhecimentos de alto nível, onde as verdades tidas como fundamentais eram transmitidas. Logo, estar inserido neste espaço significava possuir prestígio, poder e riqueza; sendo assim, o público frequentador restringia-se à elite. No entanto, o com o passar do tempo, a Universidade foi desestruturada pelas transformações consequentes das três crises abordadas por Boaventura de Sousa Santos (2005): A crise da hegemonia, ocasionada pela perda da exclusividade da Universidade como produtora dos saberes; portanto, outros espaços que também os produzem passam a ser reconhecidos. Deste modo, torna-se necessário conjugar saberes ditos universais com os saberes locais. Segundo Santos (2005) os saberes da universidade tiveram como embasamento às dicotomias da alta cultura e cultura popular; educação e trabalho; teoria e prática. Neste sentido, os Movimentos Sociais, através de reivindicações e experiências, buscam superar essas dicotomias que geraram uma universidade elitista. Por conseguinte, a tensão entre a hierarquização ou democratização dos saberes universitários, resultou na crise da legitimidade. Remetendo-se a questão de acesso à Universidade, de forma que contemple além das elites intelectuais. Desta problemática, surge o desafio de democratizar a universidade, ampliando o encontro de saberes e reivindicar a igualdade de oportunidades para as classes populares. Por outro lado, a crise institucional foi consequente dos cortes de investimentos do Estado e a imposição de uma produtividade oposta à autonomia na definição dos valores universitários, submetendo à Universidade uma globalização mercantil. Com isto, gerou-se a expansão de universidades privadas, discurso de uma universidade ineficiente e a procura por formas alternativas de financiamento aproveitando-se de um discurso de autonomia e responsabilidade social.
Para além das transformações ocasionadas pela comercialização do conhecimento científico, segundo Santos, as implicações são múltiplas, até epistemológicas. Diante disso, em contrapartida ao conhecimento universitário, Santos propõe um conhecimento pluriversitário, o qual define-se como: Um conhecimento transdisciplinar que, pela sua própria contextualização, obriga a um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais heterogêneo e mais adequado a ser produzido em sistemas abertos menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica [...] A sociedade deixa de ser um objeto das interpelações da ciência para ser ela própria sujeita de interpelações à ciência. (SANTOS, 2005, pp.41-42)
De acordo com as concepções de Santos, é imprescindível uma reforma democrática e emancipatória da universidade. No entanto, a única forma possível de enfrentar a globalização neoliberal é através de uma globalização alternativa, contra-hegemônica. Porém, para reconquistar a legitimidade, Santos cita cinco áreas de ação: acesso, extensão, pesquisa-ação, ecologia dos saberes, universidade e escola pública.
Detenho-me neste momento à questão da extensão. A reforma da universidade que Santos (2005) propõe deve orientar às práticas extensionistas de modo alternativo ao capitalismo global. Na visão de Santos, as práticas extensionistas devem ter “como objetivo prioritário, sufragado democraticamente no interior da universidade, o apoio solidário na resolução dos problemas da exclusão e da discriminação sociais e de tal modo que nele se dê voz aos grupos excluídos e discriminados.” (SANTOS, 2005, p.74).
Seguindo essa linha de raciocínio, no diálogo com o pensamento freiriano, e, com base na sua análise crítica às práticas extensionistas, evidencia-se a “coisificação” do outro pesquisado, tornando-o passivo no processo; isto é, mero objeto de estudo. Semanticamente, Paulo Freire (2006) questiona o termo “extensão”, o qual remete à ação de ‘estender-se’ ao outro; transmitir, de modo mecanicista, seus conhecimentos e técnicas. Freire afirma que a extensão pensada dessa maneira é uma “invasão cultural” e de forma contrária o que ele acredita é nos processos de “comunicação”. Portanto, Freire defende à ideia de que educador e educando tornem-se sujeitos cognoscentes mediatizados pelo mundo ou objeto cognoscível. E, isto, só é possível por meio do diálogo. Segundo Freire, “rejeitar, em qualquer nível, a problematização dialógica é insistir num injustificável pessimismo em relação aos homens e à vida. É cair na prática depositante de um falso saber que, anestesiando o espírito crítico, serve à “domesticação” dos homens e instrumentaliza a invasão cultural.” (FREIRE, 2006, p.55). Daí que, em referência à relação entre movimentos sociais e universidade, não deve haver um reducionismo messiânico ou superior, mas, um “estar sendo com eles” constante, sem desconsiderar condicionamentos sócio-culturais dos movimentos sociais; estimulando, assim, à ação transformadora de ambos.
Paralelamente, de acordo com Jezine (2004), as mudanças sociais, econômicas e políticas influenciam diretamente nas concepções ideológicas acerca de Extensão. Segundo a autora, há três tipos de concepções das práticas extensionistas: assistencialista, acadêmica e mercantilista. A concepção assistencialista baseia-se na ideia de extensão como prestadora de serviços, focada apenas no atendimento às necessidades sociais das camadas populares. Visando superar a prestação de serviços assistencialistas, propõe-se a função acadêmica de extensão, a qual “é redimensionada com ênfase na relação teoria-prática, na perspectiva de uma relação dialógica entre universidade e sociedade, como oportunidade de troca de saberes.” (JEZINE, 2004, p.2). Os aspectos da função acadêmica integram-se ao conceito de extensão reforçado no Plano Nacional de Extensão de 2000. Em contrapartida, devido às mudanças econômicas e políticas da globalização, houve significativas modificações ao papel social da universidade e extensão universitária. Desse modo, o produto da universidade transforma-se em mercadoria e a extensão torna-se um dos principais meios de divulgação e articulação comercial, o que resulta numa concepção de extensão mercantilista.
De acordo com a Política Nacional de Extensão Universitária, elaborada no Fórum De Pró-Reitores De Extensão Das Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX), ocorrido no ano de 2012 em Manaus, a articulação da Extensão Universitária com os movimentos sociais “deve estar pautada pela competência, espírito crítico e autonomia, mas deve também buscar preservar a autonomia desses movimentos, estabelecendo com eles relações horizontais, de parceira, renunciando, assim, a qualquer impulso de condução ou cooptação.” (Ibid, p.27). Assim, gera-se uma relação de reciprocidade, a Universidade também aprende novos saberes, valores e interesses na interação com os movimentos sociais.

Descolonização dos saberes

Numa perspectiva pós-colonial, Boaventura de Sousa Santos (2009) aborda a discrepância entre experiências, - por vezes, infelizes, precárias, desiguais, opressoras-, e, expectativas por uma melhoria da situação em que se vive. A partir disso, se caracteriza uma emancipação social, na sociedade moderna. Contudo, Santos adverte que há uma inversão na discrepância entre experiências e expectativas. Devido esta crise
epistemológica, Santos propõe à reinvenção da emancipação social. Santos tem como foco principal a crítica à racionalidade indolente, preguiçosa, hegemônica. Segundo ele, esta razão manifesta-se como metonímica[2] e proléptica[3]. A razão metonímica caracteriza-se por contrair o presente; a razão proléptica, expandir o futuro. No entanto, a estratégia proposta por Santos é justamente o contrário. Pela razão metonímica, ao contrair o presente, desperdiça-se muita realidade e experiências existentes no mundo como um todo, gerando uma simetria dicotômica, a qual constantemente oculta uma hierarquia e desigualdades.
No entanto, visando combater a razão metonímica, ou seja, a redução das totalidades, Santos sugere uma Sociologia das Ausências. Em outras palavras, Sociologia das Ausências designa o fato de outras realidades possíveis serem consideradas como não-existentes diante à realidade hegemônica. Para tal finalidade, Santos aponta modos de produção de ausências. Primeiramente, a monocultura do saber e do rigor, que, prescinde a ideia de que o único saber válido é o saber científico, desvalorizando os saberes tidos como populares ou alternativos, os quais estão constituídos nos movimentos sociais. Cria-se uma espécie de monocultura do rigor, a qual destrói outros conhecimentos, o que Santos denomina de “epistemicídio[4]”. O procedimento da Sociologia das Ausências realiza-se pela substituição das monoculturas pelas ecologias. Na ecologia dos saberes, há a possibilidade de diálogo entre o saber científico com o saber alternativo, no caso, o saber existente nos movimentos sociais, incentivando uma ampliação de saberes. Enquanto na ecologia das temporalidades, há a compreensão de que existem outros tempos além do linear.
Em busca de um futuro concreto que englobe as realidades, até então, excluídas; Boaventura de Sousa Santos concebe uma Sociologia das Emergências, a qual enfrente a razão proléptica. Sendo assim, tornam-se existentes experiências e realidades que eram invisíveis ou “descredibilizadas”. Contudo, para articular realidades opostas, sem reduzir a heterogeneidade do mundo ao modo hegemônico, Santos recomenda um procedimento de tradução, que, seria relacionar práticas e saberes, buscar o que há
de comum nas realidades heterogêneas. Segundo ele, “é preciso criar inteligibilidade sem destruir a diversidade.” (p.40).
Propondo esta finalidade, segundo as concepções de Boaventura de Sousa Santos, torna-se necessário uma ecologia dos saberes e uma ecologia das produtividades. Dos saberes, no sentido da não existência de um saber científico em detrimento aos outros tipos de saberes; visando, dessa forma, relacionar os conhecimentos existentes para que haja uma justiça cognitiva global.

OBJETIVOS

OBJETIVO GERAL:

Descrever e analisar como a produção acadêmica contemporânea da UFRPE se relaciona com as práticas dos movimentos sociais. Através do mapeamento e da análise das ações extensionistas desenvolvidas no período de execução do projeto de pesquisa, considerar como os saberes acadêmicos dialogam ou não com os saberes dos movimentos sociais.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:


·         Entender o papel dos projetos de extensão na dinâmica da produção acadêmica da UFRPE
     
     Mapear os movimentos sociais que estão dialogando com a UFRPE. Verificar como está ocorrendo  esse diálogo;
        

         Problematizar o conceito de saber no sentindo de analisar as especificidades do saber acadêmico e do saber dos movimentos sociais;
·   
    Buscar elencar outras formas de relação UFRPE – movimentos sociais para além de projetos extensionistas;
·   
          Divulgar através de artigos científicos e participação em eventos nacionais e internacionais o material produzido no decorrer da execução do projeto.

METODOLOGIA

A metodologia caracteriza-se pelas técnicas de pesquisa e princípios éticos que norteiam à pesquisa social ou o projeto proposto. Em decorrência disso, o presente projeto seguiu os procedimentos adequados da observação participante, entrevistas semi-estruturadas e análise documental. Primeiramente, o projeto adota uma perspectiva pós-colonial, como crítica à ciência eurocêntrica. Logo, vale salientar a existência de um referencial teórico antecedente às estratégias práticas, o que contribuiu para o momento de análise.
No cenário da pesquisa, a observação participante ocorreu pela aprendizagem e envolvimento nas atividades cotidianas exercidas no âmbito estudado, visando descrever os detalhes de modo objetivo e consciente, isentos de pré-conceitos. Na concepção de Michael Angrosino (2009):

A observação não é um ato isolado, mas sim um processo gradual que envolve: seleção de local; a obtenção do acesso na comunidade; o treinamento de colaboradores e/ou participantes locais, como se fizer necessário; tomada de notas (estruturadas e narrativas); discernir padrões; atingir a saturação teórica, um estado no qual as características genéricas de novos resultados reproduzem constantemente os anteriores. (ANGROSINO, 2009, pp.86-87)0

Segundo os pressupostos de Michel J. M. Thiollent (1987) há duas vertentes de “observação”, uma de caráter direto; outra, de caráter indireto. Na observação direta, existe um contato ou comunicação com as pessoas inseridas no problema pesquisado. Por outro lado, a observação indireta visa coletar informações existentes nos canais de meio de comunicação ou em análise de arquivos.
 Quanto às entrevistas, Angrosino define como um processo que consiste em direcionar a conversação, em busca de colher informações relevantes para pesquisa. O objetivo das entrevistas, de acordo com Angrosino, “é sondar significados, explorar nuances, capturar as áreas obscuras que podem escapar às questões de múltipla escolha que meramente se aproximam da superfície de um problema.” (AGRONSINO, 2009, p.62).

Diante outros tipos de entrevistas, o tipo referencial ao projeto, é a entrevista semiestruturada, a qual utiliza-se de perguntas predeterminadas e questões destinadas a extrair informações específicas dos campos de interesse escolhido, de forma dialógica.
            Parcialmente, o primeiro passo na realização da pesquisa, através de uma análise documental, foi mapear os projetos extensionistas da Universidade Federal Rural de Pernambuco, vigentes no ano de 2014; com o intuito de averiguar de que forma os Movimentos Sociais têm se relacionado com a produção acadêmica ou vice-versa. Após o mapeamento, houve uma seleção dos projetos executados a partir das temáticas; tendo em vista, que, não é possível contemplar todos, em termos de uma pesquisa qualitativa, devido a fatores como curto prazo de tempo, a dificuldade em exercer a observação participante por causa da distância das cidades em que são executadas as práticas extensionistas etc. Porém, ao contatar os docentes por e-mail e telefone, algumas entrevistas semiestruturadas foram realizadas para um maior entendimento a respeito de cada projeto. As entrevistas principiam-se com um roteiro básico de perguntas referentes à abordagem do projeto, do objetivo proposto, de como ocorreu o primeiro contato com os movimentos e de como se relacionava com os mesmos. No entanto, outras questões eram levantadas ao decorrer da entrevista. Os docentes entrevistados permitiram a gravação das entrevistas, mas, algumas anotações foram feitas em um caderno pessoal. Além disso, os docentes disponibilizaram os contatos dos bolsistas, de forma que contribuísse para o desenvolvimento da pesquisa. Houve convites feitos pelos docentes à participação das reuniões periódicas com os bolsistas de determinado projeto; contudo, algumas reuniões coincidiram com o horário das aulas e outras atividades. Vale salientar, que, os projetos analisados nesta pesquisa não serão identificados, no sentido de preservar os sujeitos pesquisados.
Posteriormente, apesar das dificuldades ao realizar algumas observações-participantes, tais como distância e transporte, foi possível ir a campo. A observação-participante foi realizada numa Associação no interior de Pernambuco, onde ocorrem palestras destinadas aos assentados. E, também, numa escola estadual que há outras palestras direcionadas aos alunos do ensino médio. Houve a participação em mais reuniões periódicas, com a presença do docente e os demais bolsistas. Além da realização de outras entrevistas semi estruturadas com os docentes e bolsistas dos respectivos projetos para acompanhar e analisar o processo. Além de uma entrevista com o Pró-Reitor da Pró-Reitoria de Atividades de Extensão – PRAE para compreender como se dá o processo seletivo dos projetos e qual a concepção da UFRPE acerca de Extensão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Processo de Seleção dos Projetos e Análise geral


Na Universidade Federal Rural de Pernambuco, em 2014, 150 projetos foram aprovados a partir de um processo seletivo que tem como critérios avaliativos: clareza nos objetivos; viabilidade no cronograma; adequação das atividades dos bolsistas aos projetos; integração com o Ensino e a Pesquisa; Possuir relevância social, ou seja, é relevante o público a ser atendido e a participação da comunidade; atuar como comunidades extramuros e promover a inclusão social. Ao selecionar os projetos que fariam parte do nosso corpus de pesquisa, surgiu à dificuldade em identificar quais projetos realmente se relacionavam com os movimentos sociais, visto que, a lista disponibilizada dos projetos contém apenas o nome dos projetos, dos seus coordenadores e departamentos. Portanto, foram selecionados alguns dos que supomos haver relação com os movimentos sociais. Durante a pesquisa, devido às dificuldades ocorridas e curto prazo de tempo, o foco foi direcionado a quatros projetos.
Na análise sobre como ocorre o diálogo entre os saberes acadêmicos com os saberes dos movimentos sociais, foi perceptível nos relatos dos coordenadores dos projetos escolhidos, que eles compreendem o direito e a importância do diálogo com os outros saberes, principalmente, a partir da perspectiva dos “oprimidos”; Visando, dessa forma, entender também a realidade e as experiências dos pesquisados. Sendo assim, adotam uma postura de comunicação e não de invasão cultural, nos termos defendidos por Freire (1982).
Entretanto, embora optarmos por uma pesquisa qualitativa e não haver tempo de olhar para todos os projetos de extensão selecionados em 2014, a partir das concepções de extensões abordadas por Jezine (2004) e após a entrevista realizada com o Pró-Reitor de Extensão da UFRPE, surgiu o questionamento sobre o objetivo real da extensão universitária e de quais formas ocorrem às relações extramuros com os movimentos sociais.
Diante do exposto, foi observado que os projetos analisados são similares à concepção acadêmica de extensão, isto é, há uma interação dialógica entre a universidade e os movimentos sociais, implicando numa relação de reciprocidade, mutuamente transformadora, em que o saber científico possa se associar ao saber popular (JEZINE, 2004). Contrariamente, notou-se também que ainda prevalece um discurso de extensão assistencialista. Ou seja, as ações extensionistas resumem-se em atividades esporádicas nas comunidades em busca de resolver problemas sociais de forma paliativa, realizando apenas prestação de serviços; nesse sentido, a universidade baseia-se no princípio de “compromisso social”, substituindo ações governamentais.
No que se refere às observações participantes e análise acerca dos movimentos sociais, surgiram algumas problemáticas. Primeiramente, a título de exemplo, o Projeto A e Projeto D mesmo existindo uma relação dialógica entre a universidade e a associação, há certa evasão em algumas palestras que dificultam discussões que contemplem a todos. Outro fator no Projeto D é que os próprios frequentadores da associação estão relutando aos debates voltados às questões sociais, como gênero, raça etc., o interesse deles é focado ao mercado de trabalho. Partindo da análise do Projeto C, há uma relação de clientelismo entre a Associação da comunidade e os moradores. Logo, este fator impossibilitou às atividades extensionistas. A própria estrutura da comunidade se baseia numa estrutura clientelista, onde as relações de dependência e troca de favores se desenvolvem e se estabelecem como relação de poder.
Dos vários fatores que podem interferir ao desinteresse dos movimentos sociais ao se relacionar com a universidade, um deles pode ser caracterizado pela falta de clareza no que se pretende com a extensão, pois cria-se expectativas que não serão atendidas. Segundo um dos docentes-pesquisadores, há uma racionalidade do ator, mediada por meios e fins. Em alguns casos, na própria comunidade ou movimentos sociais e na universidade, existem relações custo-benefício nas quais acabam pesando mais o retorno do benefício. A partir disso, reforça-se a importância da abertura de diálogos. Outro fator que dificulta a relação movimentos sociais-universidade, na opinião do Pró-Reitor de Extensão da UFRPE, está ligado à existência de partidos políticos no âmbito dos movimentos sociais. Segundo ele, as ações da universidade não quer se envolver com movimentos partidários, ou que possuam pensamentos de liderança política oposta ao que a universidade pensa socialmente.
Foi notório que a concepção de extensão abordada pelo Pró-Reitor é essencialmente assistencialista. Ou seja, os movimentos sociais deveriam recorrer à universidade em busca de ajudas ou melhorias sociais.

Projeto A

A partir de um Núcleo de Pesquisa que possuem linhas de pesquisas direcionadas à justiça ambiental; participação social; Direitos Humanos e pensamentos contra-hegemônicos, Direitos dos Resíduos e Gestão Ambiental, e, Direitos Humanos e informação, assim como um olhar voltado ao semiárido; surgiu a ideia do Projeto de Extensão, realizado no interior de Pernambuco. A equipe do projeto possui um caráter multidisciplinar, os bolsistas que o compõem são do curso de Engenharia Agrícola, Sociologia, Biologia, Administração e Economia; O coletivo realiza plenárias entre os bolsistas, de 15 em 15 dias, que servem como representatividade política e assessoramento didático ou acadêmico. Sendo assim, através de uma aproximação que, segundo o docente-pesquisador, ocorreu de uma forma delicada, foram promovidas oficinas na comunidade escolhida; Essas oficinas eram realizadas uma vez por mês e funcionavam como uma espécie de seminário para abordar conteúdos específicos, na maioria das vezes, escolhidos pelas próprias pessoas da comunidade. Nessas oficinas, o referencial teórico das abordagens é marxista, ou seja, de crítica ao capitalismo, propondo superá-lo. Logo, a metodologia advinda do materialismo histórico visa solucionar problemas a partir da noção de classes. Diante disso, não se pretende utilizar um discurso radical, mas que seja claro o suficiente para que os envolvidos consigam assimilar. Desse modo, o projeto tem por objetivos efetivar os mecanismos de participação social e ativar os movimentos sociais onde for possível. Para tal finalidade, busca-se empoderar a comunidade e politizar as lutas de libertação.
Em decorrência às oficinas, houve a necessidade de criar um fórum livre, de segurança ambiental, com o intuito de se pensar políticas e ideias. Embora o objetivo se concretize em longo prazo, foi proposto se voltar às escolas de ensino médio, tendo como estratégia montar um curso nas escolas públicas e assentamentos; com o intuito de montar uma espécie de formação vinculada à justiça ambiental, de forma que relacione o ambiente com as questões sociais e econômicas e aproxime os estudantes ao sindicato, movimentos sem terra, os conselhos de participação social da região, enfim, a realidade dos assentamentos.
Outro fator adotado pelo projeto será a utilização das redes sociais, o que remete a uma das características dos Novos Movimentos Sociais (NMSs) abordadas por Gohn (2011). No caso do projeto, será a criação de um blog; utilizando-se um discurso que, contrariamente ao dos meios de comunicação tradicionais, tem viés contra-hegemônico. A metodologia adotada de empoderamento classifica os assentados e os alunos das escolas não apenas como simples repositório do conhecimento, mas como sujeitos ativos na construção social, de modo que estimule o pensamento crítico nos assentamentos e sirva de catalizador para que os movimentos (dos sindicatos, camponês e estudantil) se ativem na região.
Numa análise geral, nota-se devido às entrevistas e observações, que, por seguir uma perspectiva contra-hegemônica, o fórum proposto pelo projeto não pretende ser suplante aos movimentos; ao contrário, compreende o direito do diálogo com outros saberes.
As reuniões periódicas com os bolsistas ocorrem de 15 em 15 dias, geralmente nas quintas-feiras ao meio dia, por ser considerado um horário neutro que garante a presença de todos. No entanto, na reunião em que pudemos participar, de 10 bolsistas,
apenas 4 compareceram. Para além das discussões sobre o projeto de extensão no interior de Pernambuco, foram discutidas outras pautas como a redefinição das linhas de pesquisa do grupo e a criação de Oficinais do Saber (Reciclando saberes) na FUNDAJ, com o intuito de recrutar alunos de ensino médio e técnico. Os alunos apresentam trabalhos sobre meio ambiente e, daí, haveria publicação dos trabalhos e 5 bolsas seriam oferecidas. Em relação às palestras do projeto direcionadas aos assentados e na Escola Estadual do interior de Pernambuco, o docente-pesquisador reforçou a ideia de que torna-se necessário associar o estudo das questões ambientais com as intervenções práticas. Dessa forma, nos assentamentos, é preciso debater sobre os problemas pontuais como, por exemplo, a água. Por outro lado, na escola, tem-se por objetivo montar os grêmios estudantis.
Devido à metodologia participativa do grupo, o docente-pesquisador convidou a participar do planejamento da palestra que ocorreu dia 02 de junho de 2015 com os assentados. Primeiramente, o docente ressaltou que a postura adotada na apresentação teria que seguir a linha ideológica anticapitalista, antiliberal e antimercado do projeto. Nessa palestra o foco principal era debater sobre o uso da água nos assentamentos, agrotóxicos e crédito rural; temáticas que foram escolhidas pelos próprios assentados em palestras anteriores. No dia 02 de junho, saímos às 7h da UFRPE e chegamos de volta em Recife às 21h40. Ao chegar no interior de Pernambuco, fomos à escola estadual onde também há palestras vinculadas ao projeto de extensão, porém, soubemos que estava tendo uma olimpíada de matemática no mesmo dia. Sendo assim, tornou-se necessário conversar com a Diretora da escola para saber se seria possível realizar as atividades previstas. Na observação de uma conversa rápida, foi perceptível o empenho da Diretora em facilitar a execução das atividades do projeto, liberando alguns alunos da olimpíada para participar da palestra que um dos bolsistas apresentou. A palestra ocorrida na escola, além dos slides explanados pelo bolsista, teve a formulação de um questionário, no qual, vale enfatizar, tinha uma frase escrita no cabeçalho: “Não há respostas certas, nem erradas. Responda com suas palavras.”, o que, de certa forma, não impõe um único conhecimento como válido. Por outro lado, na Associação dos assentados, nomeada Centro de Educação Ambiental do Semi Árido de PE – CEASAPE, houve uma grande evasão decorrente de outras reuniões e eventos que estavam acontecendo na cidade. Diante disso, apenas 4 pessoas compareceram. Isto gera a problemática de que os assentados que participam de palestras antecedentes e escolhem temáticas específicas que serão debatidas num próximo encontro, não são
contemplados. Mas, durante a palestra, foi observado que há uma relação dialógica entre os assentados e o docente/bolsista. Os assentados contaram casos do dia-a-dia, a dificuldade com a manutenção da água, tendo em vista que a região está sem chuvas desde 2010. Após a apresentação de slides do bolsista, o docente lhe chamou a atenção por ter reproduzido um discurso hegemônico, o qual é contrário à linha ideológica do projeto. Sendo assim, foi ressaltado que é preciso estimular o pensamento crítico dos assentados frente à realidade. Por fim, em consequência do calendário acadêmico e período de provas, a próxima palestra só pôde ser marcada para o começo de agosto. E, como as temáticas sempre são escolhidas a partir do interesse dos próprios assentados, mesmo não estando todos os assentados presentes, ficou decidido que iria continuar a debater sobre a questão da água.

Projeto B

Ao se relacionar com os movimentos sociais, o projeto de extensão funciona como apoio ao protagonismo juvenil urbano e rural. Em seu contexto estão inseridas várias ações, uma delas denomina-se de “apoio a rede de jovens do Nordeste e as suas ações de informações”. Sendo assim, ocorreu o processo de acompanhamento da rede. Em Pernambuco, ocorreram três ações fundamentais. Primeiramente, houve um encontro da rede de jovens que aconteceu em Garanhuns, com representantes da Região metropolitana, agreste, sertão. Em julho, ocorreu um encontro nacional de jovens em desenvolvimento territorial, quantificando em torno de 120 jovens, integrantes da agricultura familiar, da família indígena e quilombola, além de jovens dos movimentos de assentados da reforma agrária, do movimento MST e movimento sindical dos trabalhadores da agricultura familiar. Neste encontro, misturam-se diversas vivencias e experiências; inclusive, em certo momento, segundo o relato do docente-pesquisador, houve um “Ritual de cura” realizado pelos indígenas. Por fim, o trabalho feito com os jovens durante o ano foi avaliado, de forma positiva, junto à escola dos Quilombos dos Palmares, que é parceira da Rede de Jovens. Segundo o docente-pesquisador, o principal instrumento de relação do projeto extensionista com a Universidade tem sido a construção de artigos. A título de exemplo, ele cita na entrevista, a monografia de um bolsista que problematiza como a rede de jovens influenciam as políticas públicas desenvolvidas no estado de Pernambuco. Acredita-se, portanto, que a maior contribuição será na base da formação dos jovens. Os eventos que ocorrem auxiliam na reflexão crítica de alguns conteúdos de suma importância aos jovens. Quanto à metodologia nesses eventos, o docente-pesquisador deixa claro que não são ministradas palestras de acordo com os ensinamentos da Sociologia, mas a partir das leituras e experiências vivenciadas na vida pessoal e acadêmica, tendo a responsabilidade de compreender as diversificadas experiências dos movimentos, e, contribuir à construção de relações entre os mesmo para que se obtenham resultados práticos, tornando-os, assim, mais autônomos e protagonistas da transformação social através das políticas públicas.
Dessa forma, partindo do pressuposto de que neste espaço, as experiências de diversos movimentos sociais irão coexistir, é evidente a importância não só da relação universidade e movimentos sociais, mas da solidariedade que se cria entre os próprios movimentos em prol ao combate à opressão, marginalização e preconceito que lhe são impostos. Diante disso, associando ao referencial teórico estudo durante a pesquisa, nota-se uma semelhança ao que Boaventura de Sousa Santos (2009) denomina de “procedimento de tradução”, no intuito de buscar o que há de comum em realidades heterogêneas para, então, relacioná-las.
Ocorreram certas dificuldades em contatar o docente-pesquisador para marcar outras possíveis entrevistas no decorrer da pesquisa. E, principalmente, para a realização da observação participante junto aos movimentos sociais. Uma reunião com a Rede de Jovens foi marcada em Gloria do Goitá, o que impossibilitou a ida devido à distância e falta de transporte.

Projeto C

Tendo por embasamento teórico o conceito de sociedade civil, referente aos movimentos sociais que se propagaram nos anos 80, considerados movimentos populares urbanos; este projeto de extensão tem como um dos objetivos comparar a Associação dos moradores existente na comunidade pesquisada com os movimentos sociais da década de 80. De acordo com a proposta do docente-pesquisador, se por um lado, há um processo de democratização; por outro lado, há uma perspectiva da sociedade civil de que as demandas de bens e serviços encontrariam espaço para interlocução com os novos representantes do atual Legislativo e Executivo, igual ocorria na década de 80. A metodologia esteve em aberto com o intuito de ouvir à associação para saber qual seria a melhor forma de abordar o conteúdo; ou seja, não pretendia-se chegar com uma proposta fechada, mas, possível de diálogo.
A associação, num primeiro contato mediado por uma ex-aluna do docente-pesquisador, demonstrou interesse; a partir daí, houve a formulação da proposta do projeto, a qual teria como perspectiva um aprofundamento e qualidade à ideia de democracia no âmbito das políticas públicas. Neste sentido, seria necessário desenvolver mais a temática das políticas públicas dentro da área de Ciência Política, visando criar um espaço em que ocorressem debates, de forma que houvesse possibilidade de aproximar a sociedade civil pela via dos movimentos sociais. E, assim, pensar mais sobre as articulações e o que se entende por políticas públicas e a relação com a democracia. Deste modo, seriam abordados conteúdos capazes de promover uma visão crítica e entendimento ao processo de construção das políticas públicas. Segundo o docente-pesquisador, a pesquisa de extensão teria um espaço interessante de diálogo e discussão no âmbito da associação.
No entanto, as propostas do projeto não foram efetivadas, devido à falta de demandas suficientes por parte da Associação. Segundo o docente-orientador, esta problemática, talvez, sirva como indicador de como está o aspecto dinâmico da Associação. Diante do exposto, em análise à relação Universidade e Movimentos Sociais, alguns questionamentos podem ser levantados no sentido de compreender os fatores que ocasionaram à falta de demandas.
Por conseguinte, em entrevistas posteriores com o docente-pesquisador e bolsista do projeto, foi ressaltada pelo docente a dificuldade em executar pesquisas na área das ciências sociais. Ora pela indisponibilidade do objeto ao fornecer informações; ora se esbarra com uma perspectiva de que a universidade se utiliza das informações sem dar algum retorno à comunidade pesquisada. Logo, esses são uns dos aspectos que problematizam a relação universidade e movimentos sociais. Outro aspecto problemático é a metodologia adotada em determinadas pesquisas; nas entrevistas, por exemplo, há uma maior possibilidade de diálogos do que em questionários. O próprio docente enfatizou de que na maioria dos casos, se opta por trabalhos teóricos em vez dos trabalhos de campo. Mas, devido a falta da vivência em campo e observações participantes, corre-se o risco de cair em erros ou generalizações.
A respeito do projeto em foco, o docente-pesquisador falou que as problemáticas existentes no projeto de extensão, primeiramente, se deram na falta de uma espaço para executá-lo (no caso, sala dos professores). Dessa forma, não havia condições em instalar materiais para trabalhar. Por outro lado, a falta de demandas pela comunidade supõe-se que possa ter sido ocasionada pela presença de uma forte cultura de clientelismo na comunidade. Assim, os moradores da comunidade por serem dependentes, entram no processo com uma mínima ou nenhuma autonomia.
Além disso, a troca de gestão na Associação da comunidade ocorreu de pai para filho, seguindo uma tradição. Diante disso, retomando à análise dos movimentos sociais numa concepção política ou elitista, essa troca pai-filho se assemelha à 'circulação de elites', ou seja, a circulação de indivíduos entre a elite ou não-elite, ou, a ascensão ao poder de novas elites. (BOTTOMORE, 1974)
Outro fator importante abordado pelo docente, que se encaixa no nosso referencial teórico, é a afirmação de que a Universidade não deve se considerar a detentora do conhecimento e que está o levando aos movimentos sociais. Os movimentos sociais têm sua particularidade em compreender diferente à perspectiva formal, em termos de teorias, conceitos e métodos acadêmicos. Contudo, produzem informações a sua maneira e buscam soluções para os próprios problemas.
Tendo em vista as mudanças internas de estrutura da Associação e a suspensão do projeto de extensão, foi planejada como forma de retorno à Associação, a criação de uma cartilha. A metodologia adotada na escrita da cartilha será didática, centrada em apresentar a relação entre as demandas sociais e o que se discute na academia sobre políticas públicas. Sobretudo, por existir uma organização política na Associação, vale ressaltar que a temática das políticas públicas já é algo comum entre os moradores.
No quesito da Extensão Universitária, o bolsista relatou que acha rara a realização dos trabalhos de campo na universidade. E, enfatizou o quanto foi gratificante ter contato direto com o que se estuda, vivenciando. Metodologicamente, Michael Agronsino (2009) em seus estudos antropológicos aborda como problemáticas as pesquisas realizadas em comunidades próximas a nossa "zona de conforto". No entanto, não houve rejeição nesse projeto, apesar de que o porteiro da Secretaria da Associação comentou do seu receio com outros projetos extensionistas que montaram uma estrutura com oficinas, a comunidade se integrou ao projeto, e após a conclusão do projeto, finalizaram todas as atividades. Há também outros projetos que fazem apenas várias perguntas sem dar retornos à comunidade. No relato do bolsista, segundo os moradores, pela comunidade ser próxima à universidade, deveria existir uma proximidade mais efetiva.

PROJETO D

O presente projeto de extensão, nomeado “Sociologia como ferramenta de leitura crítica da realidade social”, está voltado às intervenções por meio da Sociologia na Associação Trapeiros de Emaús em Recife. O objetivo proposto pelo projeto é formar uma consciência crítica nos jovens e adultos participantes e, nesse sentido, inseri-los em processos de mudança social. Em 2014, as aulas realizadas pelo bolsista estudante de Ciências Sociais ocorriam nas quartas-feiras à tarde. A primeira turma teve 100 alunos e ocorreu de 10/02/2014 (dez de fevereiro de dois mil e quatorze) a 27/06/2014 (vinte e sete de junho de dois mil e quatorze), enquanto a segunda turma obteve 100 alunos entre 13/08/2014 (treze de agosto de dois mil e quatorze) até 03/12/2014 (três de dezembro de dois mil e quatorze). O público alvo são 200 jovens e adultos, a partir dos 16 anos, pertencentes a famílias de baixa renda da comunidade de Beberibe e arredores. A Escola de Formação Luis Tenderini serviu como um espaço de educação-não formal essencial nesse processo de estimular uma consciência crítica frente às estruturas sociais, estimulando diversos debates e reflexões mútuas acerca de questões como gênero, tolerância religiosa, racial etc. Segundo o relato da docente-coordenadora e do bolsista, as aulas ocorreram de forma satisfatória, onde houve uma relação e construção dialógica. No entanto, um ponto problemático foi em relação à falta de um maior engajamento dos alunos, o que pode ser justificado pelos compromissos do cotidiano (trabalho, família ou os cursos técnicos em que os mesmos são alunos na Associação).
Na primeira observação participante, houve duas apresentações realizadas por pesquisadoras conhecidas da coordenadora do projeto. Partindo da análise dos movimentos sociais, uma dessas pesquisadoras explicou o que era e como funcionava o MST (Movimento Sem-Terra). Durante a explicação, ficou evidente que na própria Associação de Emaús, a maioria das pessoas reproduz o senso comum sobre o MST, sendo conhecido como o Movimento que faz protesto e toca fogo nas estradas. Desse modo, é válido trazer outra visão que faça compreender as causas do movimento.
Na segunda oportunidade de observação participante, no final de 2014, houve um debate sobre gênero em Emaús. A abordagem da temática foi feita por um aluno de
Ciências Sociais e vários aspectos referentes a gênero foram debatidos, como machismo, violência, estupro e homossexualidade; tendo um teor de forte crítica ao patriarcado. No entanto, a maioria dos sujeitos participativos são homens e devido ao meio em que vivem haver preponderância do machismo, houve certos questionamentos e resistência por parte deles em aceitar outro tipo de entendimento. E, muitos não aceitaram nem abriram mão de suas certezas, embora sejam consideradas preconceituosas ou machistas.
Em sequencia, houve renovação do projeto em Emaús. O bolsista, graduando em Ciências Sociais, foi substituído por outra aluna do mesmo curso. Entretanto, está havendo certa resistência da associação em dar continuidade ao projeto. O coordenador pedagógico da Associação sugeriu que fosse debatido mais sobre os meios técnicos, algo voltado ao mercado de trabalho. Vale salientar que, para a construção de uma “consciência crítica” é preciso desconstruir preconceitos e verdades tidas como absolutas dos jovens e adultos participantes no processo. Diante disso, reforça-se a importância de uma interação dialógica dos envolvidos. Nas palavras da docente-coordenadora: “A conclusão desse estudo aponta que a “dialogicidade” nessa lógica, assume um caráter decisivo; o despertar de “sujeitos da práxis” não pode está na persuasão, no convencimento, na “domesticação”, mas na busca constante e curiosa do ser por libertação”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Em síntese, após o mapeamento dos projetos de extensão da Universidade Federal Rural de Pernambuco, vigentes no ano de 2014, identificamos alguns projetos que se relacionam com os movimentos sociais. A partir disso, o objetivo proposto foi questionar de que modo ocorre essa relação entre ambos. Antecedente às análises, o referencial teórico foi de suma importância para tal questionamento. Inicialmente, tornou-se necessário conceituar os movimentos sociais e a universidade, historicamente. Logo, se observa que o contexto histórico da Universidade reforçou a elitização do saber. Por outro lado, embora os movimentos sociais tenham se desenvolvido num contexto europeu que excluiu outras realidades globais, a ideia pós-colonial adotada é considera-los como (r)existências, de forma que contemple a pluralidade de protagonistas, formas organizacionais, experiências e temáticas. Diante do exposto, adotar uma perspectiva pós-colonial facilitou a compreensão da especificidade dos saberes científicos e dos saberes dos movimentos sociais, e, desta forma, problematizar se a relação entre eles reforça a hegemonia colonial existente ou não.
Metodologicamente, por meio de entrevistas semiestruturadas, alguns aspectos dessa relação movimentos sociais-universidade já foram observados. Pelas entrevistas com os docentes-pesquisadores, nota-se que há consciência da necessidade e importância do diálogo entre universidade e os movimentos sociais, de modo que exista uma democratização dos saberes, e, assim, tornem-se sujeitos ativos na transformação social. No entanto, a falta de algumas observações participantes, dificultou uma análise mais aprofundada, no sentido de saber de que forma os movimentos sociais acatam esse conhecimento. Nos poucos projetos que foram possíveis analisar a visão dos movimentos sociais perante a extensão universitária, se observou que há um elo de integração entre o saber científico e popular; em que os movimentos sociais deixam de ser passivos no recebimento dos conhecimentos transmitidos pela universidade e, assim, passa a serem participativos, estimula-se o senso crítico e tornam-se construtores da realidade social. Sobretudo, existem diversas resistências e antagonismos nos próprios movimentos sociais que dificultam essa relação. Paralelamente, existem projetos de extensão que reforçam determinado tipo de resistência dos movimentos por funcionarem de modo apenas assistencialista. Ou seja, devido ao fato dos movimentos sociais já terem conhecimento acerca dessas práticas extensionistas que são executadas de modo paliativo ou mecanicista, os próprios se recusam a servir como mero objeto de estudo ou à mercê do assistencialismo. Diante do exposto, reforça-se a ideia de uma interação dialógica dos movimentos sociais e a universidade. Ou seja, adotar uma perspectiva comunicativa da concepção de Paulo Freire, onde não haja uma “domesticação” ou “objetificação” do Outro. O que se assemelha, também, à concepção de extensão acadêmica. Nas palavras de Jezine (2004)

O trabalho da extensão universitária numa perspectiva acadêmica pretende assim, ultrapassar o limite da ciência técnica, do currículo fragmentado e da visão de homem como objeto a ser manipulado, encaminhando-se para uma visão multidimensional, em que as dimensões político-social-humana estejam presente na formação do sujeito, concebido como ser histórico. [...] Portanto, o desafio que se impõe às universidades brasileiras e à extensão universitária no mundo da globalização e de perda das fronteiras, é o de procurar ser elemento articulador da comunicação entre teoria-prática, universidade-sociedade, construindo a teoria da reciprocidade, integração do pensar, fazer e viver a partir do rompimento da dimensão dicotômica, dualista e fragmentada que tem sido implementada no cotidiano universitário. (JEZINE, 2004, pp.4-5)

BIBLIOGRAFIA


ANGROSINO, Michael. Etnografia e observação participante. Porto Alegre. Artmed, 2009 (Coleção pesquisa qualitativa, coordenada por Uwe Flick).
BENZAQUEN, Júlia F. Reflexões a respeito da ideia de (r)existências do Sul. In: Esudost. Soc. [online]. 2014, vol. 2, n. 20. Disponível em: www.revista.ufpe.br/revsocio/index.php/revista/article/view/385
BENZAQUEN, Júlia Figueredo (2012), Universidades dos Movimentos Sociais: apostas em saberes, práticas e sujeitos descoloniais. Tese (Doutorado em Pós-colonialismos e Cidadania Global) – Centro de Estudos Sociais e Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Coimbra.
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação?. 13.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
GOHN, Maria da Glória (2011). Movimentos sociais na contemporaneidade. In: Revista Brasileira de Educação. V. 16. n. 47, Maio-ago. 2011.
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos Sociais. São Paulo : Edições Loyola, 2004, v.1. p.396, 4. ed.
GOHN, Maria da Glória; BRINGEL, Breno M. Introdução: A discussão contemporânea sobre os movimentos sociais. In: Maria da Glória Gohn, Breno M. Bringel (orgs.), Movimentos sociais na era global. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. p. 07-16.
JEZINE, Edineide. Universidade-sociedade e extensão universitária. Construções teórico-metodológicas. 2006. Disponível em www.anped11.uerj.br/28/GT11-1110--Int.rtf.
MELUCCI, ALBERTO. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2009 (Capítulo I, p.17-49).
SANTOS, Boaventura de Sousa. “A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez Editora; 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula G. e NUNES, João Arriscado (2004). Introdução: para ampliar o cânone da ciência: a diversidade
epistemológica do mundo, in Boaventura de Sousa Santos (org.), Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Porto: Afrontamento. p. 19-101.
THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. 5.ed. São Paulo: Polis, 1980.

ATIVIDADES RELEVANTES DESENVOLVIDAS PELO BOLSISTA

 

·         Apresentação de trabalho no Grupo de Trabalho – “Estudos Pós-coloniais”, na V Semana de Ciências Sociais da UFRPE;
·         Participação como ouvinte no Pré-Alas 2014, na Universidade Federal de Pernambuco;
·         Envio de resumo para o XVII Congresso Brasileiro de Sociologia da SBS (Sociedade Brasileira de Sociologia), 2015;
·         Envio de artigo científico para publicação na Revista Estudos de Sociologia.

DIFICULDADES ENCONTRADAS

No primeiro momento, houve certa dificuldade em contatar os docentes para realização das entrevistas e das observações participantes, principalmente os professores de outros departamentos. Outros contratempos surgiram consequentes à irregularidade do calendário acadêmico; devido ao recesso de final de ano e as férias, alguns docentes não responderam aos e-mails, o que impossibilitou dar continuidade às atividades previstas neste período. Outro fator que interferiu na execução das atividades, como observação-participante, foi o fato de alguns projetos selecionados serem realizados em outra cidade, tendo em vista que não há apoio para transporte ou estadia.

ANEXO

Roteiro básico das entrevistas com os docentes/bolsistas:
1) Com que movimento social o projeto está relacionado?
2) De que forma ocorreu o primeiro contato?
3) Qual o referencial teórico utilizado?
4) Em vias práticas, como o projeto se articula com o movimento?
5) No decorrer das práticas extensionistas, quais resultados ou mudanças foram perceptíveis?
Essas perguntas iniciais são feitas para nortear às entrevistas semiestruturadas, no entanto, outras vão surgindo de acordo com a fluidez das conversas.
Roteiro da entrevista com Pró-Reitor de Extensão
 Como é pensado e organizado o programa de Extensão da UFRPE?
 O programa de extensão da UFRPE tem entre seus objetivos tentar atender as demandas das comunidades?
3) Observando as propostas dos projetos de Extensão aprovados no ano de 2014, dos 150 projetos poucos projetos parecem se relacionar com movimentos sociais. Discutimos no referencial teórico que a Extensão Universitária toma corpo no Brasil justamente a partir de reivindicação dos movimentos sociais, para que a universidade também atue extramuros e tenha responsabilidade social. O que você acha desse dado?
4) A Universidade historicamente se caracteriza por ser uma instituição elitista, na qual concentra o saber científico. Um dos questionamentos que move esta pesquisa é o de fazer uma análise crítica de como a Universidade dialoga com outros saberes. Pois, entendemos que o saber popular também pode contribuir nessa troca. Através dos projetos de Extensão, como você acha que ocorre esse diálogo?
5) São cerca de quatorze critérios de seleção, sendo a maioria de caráter mais objetivo que dizem respeito a parte mais técnica do projeto; e apenas três critérios, os de ordem subjetiva, tentam focar diretamente no lado social. Será que essa discrepância entre os critérios não é problemática, tendo em vista que dessa forma um projeto pode ser aprovado mesmo sem focar no lado social?
6) O que você acha da desvalorização da Extensão Universitária no Brasil?
7) Os projetos de Extensão aprovados na UFRPE duram um ano, podendo ser renovado através de outro edital. Você acha que esse tempo é suficiente para estabelecer uma boa relação entre a Universidade e as comunidades?





[1] 1 Oposta às ideias estruturalistas e funcionalistas, a matriz acionalista enfatiza a identidade, a autonomia, a cultura, a solidariedade etc. Os processos de transformação social são gerados a partir das ações coletivas dos indivíduos
[2] “Figura da teoria literária e da retórica que significada tomar a parte pelo todo. (N.E)” (SANTOS, 2009, p.25).
[3][3] “Figura literária bastante encontrada em romances, nos quais o narrado sugere claramente a ideia de que conhece bem o fim, mas não vai contá-lo. É conhecer no presente a história futura.” (SANTOS, 2009, p.26).
[4] A morte de conhecimentos alternativos. (SANTOS, 2009, p.29).

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