Gabriel Brito[2]
Resumo
O objetivo deste artigo foi
identificar as contribuições que determinados autores, à margem dos chamados
clássicos em sociologia, poderiam fornecer para tal área, segundo comentadores.
Concatenado a este objetivo, neste artigo também buscou-se inferir quais
motivos poderiam estar por trás do processo de aceitação/difusão do
conhecimento científico. A unidade de análise selecionada foi a ementa da
disciplina Teoria Sociológica I, do primeiro semestre letivo de 2017, do
mestrado em Sociologia da UFPE. Para realizar tal análise, optou-se pelo uso da
técnica de leituras sucessivas referente à análise documental e pesquisa bibliográfica.
Os seguintes trabalhos foram selecionados: Mehmet Soyer & Paul Gilbert
(2012); Syed Farid Alatas (2006); Ali Arazeem Abdullahi & Bashir Salaw
(2012); Bjørn Thomassen (2012). Após seleção e classificação do material
segundo os critérios pré-estabelecidos, elaborou-se um roteiro de análise simples
e flexível contendo os seguintes itens: tema; objetivo; conceitos; conclusão;
contribuições do título para o estudo; crítica e comentários. Como resultado,
foi identificado que os comentadores se utilizam de argumentos
teórico-metodológicos em alguns casos; noutros recorrem a questões
geopolíticas; e, ainda, também cruzam interesses pessoais envolvidos no
processo de disputas acadêmicas, no intuito de resgatar os pensamentos dos
autores por eles escolhidos. Conclusão: existiriam três elementos fundamentais
que não poderiam ser ignorados quanto à instituição de um campo de saber: 1) a
língua e idioma; 2) o local; 3) as técnicas
de comunicação.
Palavras-chave:
clássicos-da-sociologia. Émile-Dukheim.
Ibn-Khaldun. Gabriel-Tarde. Arnold-van-Gennep.
Introdução
Atualmente, no Brasil, a área de ciências
sociais conta com inúmeras graduações e pós-graduações, diferente de algumas
décadas atrás[3].
Em tais graus de ensino, é obrigatório conhecer os chamados clássicos da área –
jocosamente conhecidos como os “três porquinhos” -, Karl Marx, Émile Durkheim e
Max Weber. August Comte, todavia, é normalmente reconhecido como o pai fundador
da sociologia (mas não quem institucionalizou tal campo). Todavia, nas escolas,
no ensino médio, tais autores também estão presentes nos livros didáticos. Na
esteira do espírito crítico incentivado na área de ciências sociais, pergunto: por
que estes autores e não outros e outras? Existem outros e outras? E por que,
ainda, somente os três porquinhos continuam sendo o horizonte de nosso conto de
fadas (nesses tempos de Shreck e Fionna)[4]?
Tal como não é possível reconhecer a
extensão das raízes, e a espécie das plantas pintadas na famosa pintura de Monet
– o lago das ninfeias -, o mesmo acontece quando somos apresentados, enquanto
graduandos e graduandas, à sociologia – não sabemos até onde se estende a toca
do coelho, nem que criaturas vivem às sombras dos personagens principais de
nossa área. Neste artigo, mergulho no lago das ninfeias sociológicas, buscando “identificar as contribuições que determinados autores, à
margem dos chamados clássicos em sociologia, poderiam fornecer para tal área,
segundo comentadores”. Como unidade de análise, selecionei a ementa da
disciplina Teoria Sociológica I, do primeiro semestre letivo de 2017, do
mestrado em Sociologia da UFPE.
Metodologia
Seguindo orientação de
trabalhos da área de análise documental (Sá-SILVA,
ALMEIDA, GUIDANI, 2007) e de análise bibliográfica (LIMA & MINHOTO,
2007), analisei o material a partir de leituras sucessivas. Na primeira análise, obtive os seguintes dados: a ementa
dispõe de 32 títulos (dentre livros, capítulos de livros e artigos). O material
deveria ser utilizado em 15 aulas; contudo, devido a imprevistos, nem todos os
trabalhos foram utilizados nas aulas, restando 31 títulos[5]. Deste total encontram-se: 10 títulos dos
próprios autores abordados como clássicos[6]; e 21 trabalhos de comentadores. Destes, 18,
a priori, parecem pertinentes para a análise,
cujo critério era; “abordar autores não clássicos”. O segundo passo para a
análise foi uma leitura mais criteriosa, para “enxugar” o material para a
análise sistemática do conteúdo. O critério de seleção nesta fase foi não
apenas abordar os não clássicos, mas, também, que buscassem “identificar as
contribuições de tais autores, em comparação com os clássicos, para a sociologia”.
Dos títulos que atendiam a tais critérios, restaram
4: Mehmet Soyer & Paul Gilbert (2012); Syed Farid Alatas (2006); Ali
Arazeem Abdullahi & Bashir Salaw (2012); Bjørn Thomassen
(2012). É sobre eles que o presente artigo se debruça. Mas, antes de
prosseguir, é importante dizer que após a seleção destes textos, foi feita uma
análise reflexiva e crítica do material, na qual foi adotada a criação de um
instrumento – como sugerem Lima & Mioto (2007)
- para realizar uma análise que classificasse o conteúdo conforme o objetivo
proposto para o trabalho. Tal roteiro possuía os seguintes itens: tema; objetivo;
conceitos; conclusão; contribuições do título para o estudo; crítica e
comentários.
Mehmet Soyer e Paul Gilbert, em
“Debating the origins of sociology Ibn Khaldun as founding father of sociology”
(2012), examinam se é legítimo afirmar que Khaldun poderia ser considerado,
realmente, um “pai fundador” da sociologia. Para eles, Khaldun teria dominado
os fundamentos da sociologia, nada mais nada menos, que cinco séculos antes que
August Comte cunhasse tal termo. Além desse aparente interesse em comum pela
“sociologia”, há muito mais que isso. Em “Ibn Khaldun and contemporary
sociology” (2006), Syed Farid Alatas compara, à guisa de Baali (1986, p.39-32 apud ALATAS, 2006,
p. 786) os dois possíveis pais de uma filha sem mãe:
·
Ambos enfatizam um método histórico e não
propõem um método estatístico;
·
Ambos distinguem sua ciência de quem os precedeu;
·
Ambos acreditam que a natureza humana é a mesma
em qualquer lugar;
As aproximações acima não são
suficientes para encerrar o assunto. Soyer & Gilbert (2012) destacam outros
aspectos semelhantes entre o pensamento de Khaldun e o de Comte: Khaldun afirma
que a sociedade surge e decai em um ciclo de três etapas, nas quais se tem um
processo de acúmulo de recursos primários, depois uma fase de assentamento (settelment) e, por último, vem a
decadência e/ou senilidade (senility);
Comte também concebe três etapas de desenvolvimento na sociedade, são elas: um
estágio inicial, teológico, um metafísico e, por último, o científico
(positivista).
Outro aspecto destacado é em relação
à explicação dada por Khaldun e Comte para seus métodos, histórico-empíricos.
Segundo nossos comentadores (SOYER & GILBERT, 2012), por meio da observação
e experimentação – de acordo com Comte -, seria possível inferir relações de
causa e efeito nos fenômenos estudados; Khaldun, por sua vez, também teria um
método de análise histórico-empírico para verificação da duração de uma
sociedade durante algum tempo.
Tais aproximações são bastante
interessantes, mas ficam ainda mais estimulantes quando Khaldun é aproximado de
nossos “três porquinhos”. Além de poder ter antecipado alguns insights que apareceriam quatrocentos
anos mais tarde no pensamento de Adam Smith – em relação à dependência que os
seres humanos teriam de se associarem uns com os outros para trabalhar (ABDULLAHI
& SALAW, 2012) -, Khaldun também é aproximado a Karl Marx, no que tange a
sua concepção de estágios da história humana e a dialética entre grupos e
classes; e, também, à tipologia weberiana de liderança e à teoria das elites de
Pareto (AKBAR, 2002, apud ABDULLAHI
& SALAW, 2012).
Mas, sem sombra de dúvida, são com
as semelhanças entre Khaldun e Émile Durkheim que devemos mais nos impressionar.
Isto é: as semelhanças entre tais autores são, de fato, tão curiosas que beiram
à superstição. Nossos comentadores (ABDULLAHI & SALAW, 2012) afirmam que na
mais importante obra de Khaldun, Muqaddimah,
ele cunhou um conceito chamado asabiyyah. Tal conceito poderia ser traduzido
do árabe para o inglês como “group
feeling, group cohesion, group
solidarity or social solidarity...” (ALATAS,
2006, p. 31), e sua função é praticamente a mesma utilizada pelo conceito de
solidariedade social, tese de Durkheim para explicar como a sociedade é
possível.
Não é o propósito deste artigo se
alongar na biografia de Khaldun ou nas semelhanças de seus pensamentos com
nossos “pais fundadores”. O passeio pelos textos de comentadores nos mostra
como existiram semelhanças entre tais pensadores em relação ao advento de uma
ciência que estudasse a sociedade de modo diferente do que fazia, à época, por
exemplo, a filosofia ou a teologia; mais tarde, com Durkheim, a diferença seria
entre a sociologia, a psicologia e a filosofia e, em certa dose, ainda em
relação à biologia. Mas, o que buscavam os seguidores de Khaldun que nos
serviram de intérprete?
Abdullahi
& Salawu (2012) tentam demonstrar quais fatores pesaram para que o
pensamento de Khaldun fosse invisibilizado e, consequentemente, não tenha
aparecido entre os cânones e, ainda, que tenha pouca visibilidade ainda nos
dias atuais. Para eles, é óbvio que o
pensamento não europeu não era aceito na composição e desenvolvimento das
ciências. Principalmente por questões políticas decorrentes ao período imperialista. A despeito dessas
questões, os comentadores sugerem que o pensamento de Khaldun seja incorporado
ao pensamento e a teoria social contemporânea.
De maneira mais ousada, digamos
assim, Soyer & Gilbert (2012) buscaram
identificar se havia legitimidade em se dizer que Khaldun poderia ser
reconhecido como um fundador da sociologia. Para fazer isso, como vimos
anteriormente, o caminho seguido foi comparar Khaldun a Comte e a Durkheim –
aquele que cunhou a expressão sociologia e aquele que instituiu o campo
sociológico. Com isso, tais comentadores veem legitimidade suficiente não só para
fazer uma menção honrosa a Khaldun, mas também para sugerir que, enquanto pai
fundador ele também deveria estar nos currículos de sociologia contemporâneos.
Alatas (2006) segue na tônica de que
autores não ocidentais não foram “bem vindos” no surgimento da sociologia. Sua
intenção, aparentemente em consonância com os estudos pós-coloniais que vem se
desenvolvendo na segunda metade do século XX em diante, é demonstrar – a partir
da rica análise que faz do pensamento de Khaldun – que abordagens em sociologia
não deveriam se restringir a apenas uma “cultura”, mas sim que abordagens
“multiculturais” deveriam ser incentivadas.
Se o zeitgeist europeu invisibilizou o pensamento de outros tempos e
lugares, deixando o resto dos continentes comendo a poeira da história, como
explicar a invisibilização ou marginalização dentro de casa? Nesta penúltima
parte, seguraremos a mão de um comentador que é colaborador da universidade dinamarquesa
de Roskilde, Bjørn Thomassen. Ele nos contará sobre outros pensadores que foram
esquecidos à sombra de Émile Durkheim. A princípio, um dado biográfico
fornecido pelo texto (THOMASSEN, 2012) é bastante pertinente para os propósitos
deste artigo: enquanto Gabriel Tarde era reconhecido entre estudiosos
franceses, e mais velho 15 anos que Durkheim, Alrnold van Gennep não era. Este
era 15 anos mais jovem que Durkheim.
Segundo Thomassen (2012), durante a virada do
século XIX para o XX, Gabriel Tarde e Émile Durkheim foram adversários
enérgicos preocupados, cada um a seu modo, com a instituição da ciência do
“social” – a sociologia. Após a morte de Tarde, em 1904, Arnold van Gennep
tornou-se outro importante adversário e crítico de Durkheim. Contudo, van
Gennep estava interessado com a instituição de outro campo científico: a
antropologia. De todo modo, Durkheim venceu tanto van Gennep quanto Tarde.
Nesse sentido, Thomassen (2012)
buscou, ao reler a obra de Tarde e de van Gennep, compreender tais pensadores e
suas críticas à Durkheim, chegando à conclusão – e tentando expor no artigo que
nos serve de guia “Émile Durkheim between Gabriel Tarde and Arnold van Gennep:
founding moments of sociology and antropology” (2012) – que as críticas dos
vencidos tocavam nos mesmos aspectos, mesmo que em períodos e áreas diferentes.
Mas, além de aspectos relativos às implicações teóricas e metodológicas
criticadas em Durkheim, Thomassen faz levantamentos bibliográficos bastante
pertinentes (e curiosos) sobre o debate entre tais pensadores. O comentador
fala da briga por posições dentro das universidades – passando pela questão de
salários! - destacando aspectos contextuais que fizeram parte (ou fazem) da
legitimação do conhecimento. Não falemos em nome de nosso guia, deixemo-lo
narrar sua história:
[...] Na França do fim do século XIX, a
situação não era diferente. A sociologia não tinha realmente se estabelecido ainda
como uma disciplina e ainda não havia uma cadeira em qualquer universidade com
seu nome. O mesmo caso com a antropologia. Assim sendo, as batalhas entre
Durkheim, Tarde e van Gennep foram, certamente, muito direta e concretamente na
tentativa de assegurar um emprego e uma posição dentro do sistema universitário
francês, e uma tal posição possibilitaria moldar e direcionar as embrionárias disciplinas
das ciências sociais (THOMASSEN, 2012, p. 234)[8].
Além de aspectos contextuais,
Thomassen afirma que Tarde e van Gennep identificaram sérios problemas
teórico-metodológicos na obra de Durkheim. Os dados utilizados por ele na obra
que ficou conhecida como o primeiro trabalho científico em sociologia, O suicídio, foram adquiridos,
ironicamente, pelas “mãos” de Tarde, pois este era Chefe do Bureau de
Estatísticas Legais do Ministério da Justiça Francês, à época. E foi o
tratamento dado por Durkheim aos dados estatísticos que incomodou Tarde[9]. Grosso modo, Tarde
desaprovava a relação que Durkheim fazia com os dados estatísticos e sua
teoria. De certo modo, é possível dizer que Durkheim “forçava” os dados a se
encaixarem em seu modelo.
Já Gennep criticava, principalmente,
mas no mesmo sentido de Tarde, o uso dos dados etnográficos. Gennep, sempre
segundo Thomassen (2012), foi um grande linguista e etnógrafo. Muito tempo
depois dos debates com Durkheim, ele ficou conhecido como o pai do folclore. O
que legitima sua voz de autoridade no quesito crítica etnográfica, pois foi
baseado em dados etnográficos que Durkheim construiu As formas elementares da vida religiosa. Para Gennep, Durkheim teve
uma visão inteiramente errônea de pessoas de sociedade “primitivas”, além de
não ter uma visão crítica dos dados que coletara através das fontes que lia –
traduzidas para o francês por Gannep, diga-se de passagem (ver THOMASSEN, 2012,
p. 240). Desse modo: “Durkheim simplesmente falhou ao capturar exatamente o que
ele mesmo argumentava que a sociologia e a antropologia deveriam ser,
nomeadamente o nível “coletivo” e as “representações coletivas” (THOMASSEN, 20120, p. 246)[10].
Ao analisar os fatos contextuais,
biográficos e teórico-metodológicos, que escreveram a história dos três autores
mencionados na contenda sobre a fundação da antropologia e da sociologia,
Thomassen não apenas tentou aproximar as críticas de Tarde e de van Gennep,
como também tentou fazer com que se tornasse possível repensar nas fundações da
própria antropologia social. Mas o que é mais pertinente para nosso objetivo é
destacar que sua argumentação tenta resgatar as contribuições de autores
esquecidos para a sociologia (e antropologia), demonstrando de um ponto de
vista tanto referente ao conteúdo dos trabalhos quanto dos fatores externos
(interesses etc.) que atuam sobre a produção acadêmica e científica.
Der Zeitgeist
O espírito do tempo ou de uma época
(der zeitgeist) pode ser tão abrangente quanto seu nome indica? Pode
abranger uma época, um tempo, como uma flecha do tempo que inexoravelmente
produz uma espiral temporal que exerce uma força centrípeta que a tudo atrai?
Noutras palavras: existe mesmo Um
espírito do tempo? Os comentadores de Khaldun nos fizeram caminhar para a
crítica ao “eurocentrismo”, demonstrando como os europeus, historicamente,
insivibilizaram o mulçumano Ibn Khaldun. Enquanto Thomassen demonstrou que
existia uma exclusão interna, local, entre os próprios europeus – no caso,
entre franceses que seguiam Durkheim e que excluíam aqueles que não o seguiam.
Por outro lado, os textos parecem autorizar
algumas hipóteses: assumindo que a sociologia se instituiu na França,
continente Europeu, durante a virada do século XIX para o XX, então existiriam três elementos fundamentais que não poderiam
ser ignorados quanto à instituição de um campo de saber: 1) o idioma; 2) o
local; 3) as técnicas de comunicação.
Primeiro: foi mencionado que van Gennep traduziu trabalhos de outros idiomas
para o francês e eles foram utilizados por Durkheim (p. 9)[11].
Segundo: atualmente Khaldun tem sido
bastante lido em universidade do circuito Afro-Árabe e, mais precisamente, em
universidades egípcias (ALATAS, 2006). Aqui, novamente, a relação entre idioma
e local de origem joga um papel fundamental na possibilidade na disseminação de
um conhecimento. Se tal fator não é o que garante a legitimidade de um autor,
ele é condicionante. Inversamente, o mesmo pode ser dito em relação à
instituição da sociologia e da possível invisibilidade de Khaldun, ao menos no
passado. É importante não se ter uma visão romântica sobre o assunto, pois uma
ciência séria não pode ser construída sobre um maniqueísmo simplista baseado em
algum tipo de “bom selvagem” de séculos passados. Dito de outro modo: o
conhecimento pode ser sempre geolocalizado, mas este não deve ser um critério natural para determinar sua legitimidade[12].
Terceiro: uma hipótese sobre técnicas
de comunicação merece uma atenção maior do que é possível com o presente estudo.
Mas, grosso modo, é preciso lembrar que o conhecimento não se mantém e se
expande apenas de maneira oral. O registro, a escrita é, antes de tudo, um
processo técnico no qual se registra ou se arquiva algo em algum lugar (topos). Nesse sentido, o suporte à
memória – Derrida de “Mal de arquivo” (2001) diria o memento, ou o suporte hupomnésico;
de maneira semelhante, mas guardando-se as diferenças, Latour de “Vida de
laboratório” (1997) diria “inscrição literária” – é, também, condicionante no
quesito difusão do conhecimento. Se este conhecimento, livre de amarras que o
atam ao “local”, ao “regional”, será legitimado ou não, não interessa (ao menos
não aqui). A hipótese – rude, confesso – é que a tecnologia é outro elemento
que deve ser computado ao se pensar na disseminação ou não de determinado campo
de saber, mas ela não é suficiente, obviamente, para garantir sua legitimidade.
Em suma, nenhum dos fatores elencados, isoladamente, são suficientes para nos dar
garantias. Mas, ao menos nos dão algumas pistas sobre o porquê de determinados
pensadores e pensadoras não estarem entre os cânones da sociologia.
Conclusão
Referências
ABDULLAHI, Ali Arazeem. Ibn
Khaldun: a forgotten sociologist. South African Review of Sociology, v. 43, n. 3. 2012. p. 24-40
ALATAS, Syed Farid. Ibn Khaldun and
contemporary sociology. International
Sociology Review of Books. v. 21, n. 6, nov. 2006. p. 782-795
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana.
Tradução de Claudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro, Relume Damará, 2001
LATOUR, Bruno; WOOGAR, steve. A vida de laboratório: a produção dos fatos
científicos. Rio de janeiro, Relume Damará, 1997,
LIMA, Telma Cristiane S.; MIOTO,
Regina Célia T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento
científico: a pesquisa bibliográfica. Rev.
Katál. Florianópolis. v. 10, n. esp. 2007, p. 37-45.
SÁ-SILVA, Jackson Ronie; ALMEIDA,
Cristóvão Domingos; GUIDANI, Joel Felipe. Pesquisa documental: pistas teóricas
e metodológicas. Rev. Brasileira de
História & Ciências Sociais. Ano 1, n. 1, jul. 2007. pp. 1-15.
SOYER, Mehmet; GILBERT, Paul. Debating the origins
of sociology: Ibn Khaldun as a founding father of sociology. International Journal of Sociological
Research, v. 5, n. 1-2, jan-dec. 2012. p. 13-30.
THOMASSEN, Bjørn. Émile Durkheim between
Gabriel Tarde and Arnold van Gennep: founding moments of sociology and
anthropology. Social Anthropology/Anthropology Sociale. n.
20, v. 3, 2012. p. 231-249
[1] Agradeço especialmente a
Rafael Soares e a Maria Eduarda Mello pelos conselhos dados durante a
elaboração deste trabalho. Sem ele e ela, eu com certeza não teria chegado à
presente versão. Contudo, nem de longe posso culpá-lo ou culpá-la em relação às
possíveis falhas do texto.
[2] Mestrando em sociologia
pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de
Pernambuco. Bacharel em Ciências Sociais pelo Departamento de Ciências Sociais
da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
[3] Foi somente na década de 1970 que fora criada a Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Fonte:
http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=645&Itemid=59
Acesso em 19 nov. 2015.
[4] Antecipando uma primeira
resposta à nossa pergunta: o idioma é um primeiro entrave para a ampliação, e
inclusão, de outros autores e autoras em qualquer área de conhecimento, não
apenas na sociologia “clássica”.
[5] Enquanto discente da
disciplina, tive o “privilégio epistêmico” de ser um insider. Por isso, pude presenciar as chuvas de junho e julho de
2017, no Recife, que impediram a “estrutura” de funcionar.
[6] São eles: 3 clássicos e 7
“marginais”. Os primeiros são: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber; os
seguintes são: Ibn Khaldun, Adam Ferguson, Alexis Tocqueville, Gabriel Tarde,
Arnold van Gennep, Jane Addams e Williams E. B. DuBois. George Simmel foi o autor
cortado pelos problemas “estruturais”.
[7] Tradução livre do
original: “1. Both emphasized
a historical method and did not propose statistical methods. 2. Both
distinguished their sciences from what preceded them. 3. Both believed human
nature is the same everywhere. 4. Both recognized the importance of social
change” (ALATAS, 2006, p. 786).
[8] Tradução livre para: “In France toward the end
of the 19th century the situation was different. Sociology had not really
established as a discipline yet and there was still no chair at any university
carrying that name. The same was the case for anthropology. Therefore, the
battles between Durkheim, Tarde and van Gennep were certainly also very direct
and concrete attempts to secure a job and a position within the French
university system, and from such a position being able to shape and direct the embryonic
social science disciplines” (loc. cit.)
[9] Thomassen diz que Tarde
escreveu uma nota criticando o uso dos dados da maneira que foi feita, logo
após a publicação de O Suicídio, mas
por algum motivo, ele não a publicou (2012, p. 237). Aqui a toca do coelho se
torna tão profunda que parece necessário deixar a mão de nosso guia e partir
para outro gênero literário.
[10] Tradução livre para “[...] Durkheim simply
failed to capture exactly what he himself argues that sociology and
anthropology should be about, namely the collective level and ‘collective representations’...
(loc. cit.).
[11] Apesar de não ter
mencionado antes, existem suspeitas de que tanto Comte pode ter lido Khaldun
através de traduções do árabe para o francês feitas por Montesquieu – já que
Comte era leitor deste -; e, também, que Marx e Engels poderiam ter tido contato
com traduções de textos de Khaldun, já que algumas análises de Engels são
bastante semelhantes às análises de Khaldun (ver. ALATAS, 2006, p. 786).
[12] Em lógica isso tem um
nome: argumento ad hominen. Basta que
se localize “quem fala” que se escorrega rapidamente para a legitimação ou
deslegitimação de seu argumento. No entanto, não é sadio para, principalmente,
cientistas sociais, restringir suas análises apenas ao campo da lógica. Nem
sempre um ad hominen é, a priori, “falso”. No caso de Khaldun,
de fato, há o argumento sobre o período
imperialista (p. 6) e todas as mazelas que daí decorreram. O que inclui a
negação do pensamento proveniente das colônias – neste caso, de mulçumanos,
africanos etc.
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