Aqui, torno público o resultado de pesquisa de conclusão de curso (2016) que pode ser encontrada nas empoeiradas gavetas da coordenação de CS da UFRPE.
Alargo, portanto, o objetivo deste blog, que só se baseava em textos da pós-graduação em sociologia. Mas acredito que isso tem seu lado positivo: trata-se de um experimento - levar o relato textual que alistou cientistas sociais, agrônomos/as e agrotóxicos para discutir um projeto político: podemos viver em um mundo em comum?]
1. O SOCIAL DOS/DAS CIENTISTAS SOCIAIS E AGROECÓLOGOS/AS
Os primeiros passos dados no
departamento de ciencias sociais foram voltados para a observação participante
no grupo de estudos Curupiras. Depois disso, fizemos entrevistas com quatro
participantes do grupo e, por último, fizemos análise documental. No entanto,
para que seja possível uma coerência expositiva, indicaremos primeiro quando o
curso de ciências sociais surgiu na UFRPE, bem como localizaremos as associações, disciplinas e planos pedagógicos do
curso. Em outras palavras: precisamos seguir o primeiro e o segundo movimento
sugeridos por Latour (2012): localizar o global e distribuir o local. Por isso,
antes mesmo da existência do Curupiras enquanto grupo de estudos é importante
destacar alguns aspectos que permitam rastrear alguns elementos hoje invisíveis
para integrantes do grupo, mas que permitem com que exista o grupo e, por
conseguinte, que ocorram as reuniões. Só então poderemos nos voltar para o terceiro
movimento e identificar os conectores
que circulam pelo Curupiras.
Nosso grupo de cientistas sociais, em sua maioria, não existiria caso o próprio curso de ciências sociais não existisse.
Então, é importante lembrar que a existência do atual Bacharelado em Ciências
Sociais é algo recente na história da UFRPE. Foi apenas no ano de 1990 que tal
curso surgiu, sendo reconhecido pelo Ministério da Educação, apenas em 1999. O
foco inicial do curso, aliás, era a Sociologia Rural.
Atualmente, a matriz curricular do curso
conta com uma disciplina específica para lidar com questões relativas a meio ambiente, mas ainda não com “pós-colonialidade”, que é o foco do grupo Curupiras.
Figura 1 – Matriz
curricular do curso de CS, vigente em 2016.
No 4º período de CS, existe a disciplina Desenvolvimento Meio Ambiente e Sustentabilidade, cuja carga horária é de 60h. Conforme entrevistas, a temática de agrotóxicos e, mais ainda, de agroecologia participa da formação de cientistas sociais.
Gabriel: Você teve contato na graduação com algum estudo relacionado ou algum...
não só estudos, atividades ligadas a essa temática [agrotóxicos]?
Luna: Sim. Alguns caminhos. Que eu lembro agora de dois. Primeiro... bem,
assim... eu não sei de onde eu conheci a palavra agrotóxicos. Não vou lembrar não,
isso não. Mas eu me lembro que na disciplina de desenvolvimento meio ambiente e
sustentabilidade iniciou uma discussão. O professor Caporal, ele é do NAC20, né?
Enfim, ele tem um posicionamento contra os agrotóxicos. Eu acho que ele ajudou
bastante. Ele mostrou gráficos de quantos por cento de agrotóxicos tem na nossa
comida. Aí, assim, foi bem impactante. Eu não conhecia bem quantos por cento tinha
em cada comida. E ao mesmo tempo eu tenho uma amiga que morava comigo. Ela
é militante do MST21 e de algumas coisas aí. De várias coisas. [risos].
Noutra entrevista:
Gabriel: Aonde teve contato com este assunto [agrotóxicos]? E este tema era
abordado de que maneira, (Eram criticados/combatidos ou não?)? Lembra o porquê?
Hélio: Na disciplina desenvolvimento, meio ambiente e sustentabilidade. Foi
abordado na forma de seminário em sala de aula, o texto que trabalhamos trazia essa
questão com uma perspectiva crítica, uma denúncia ao uso de agrotóxicos e como
eles são prejudiciais à saúde humana.
A referida disciplina, no Plano Pedagógico do Curso (PPC) de ciências sociais, tem ampla bibliografia. Selecionamos o seguinte livro para mapear conexões e identificar o que seria “agroecologia”: “Agroecologia: matriz disciplinar ou novo paradigma para o desenvolvimento sustentável. Brasília: MDA, 2006”. Nosso interesse por essa entidade se deu devido às campanhas contra o uso de agrotóxicos e eventos, como a Jornada dos Povos (ver figura 2), que ocorreram no campus da UFRPE e que promoviam a agroecologia e combatiam agrotóxicos.
Ao invés de
perguntar o que é agroecologia, mais importante, por ora, é saber
quais conexões são possíveis
de se traçar com
o citado livro. Primeiramente, salta aos olhos a sigla MDA, isto é: o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Por uma
questão ética, não olharemos para os autores deste trabalho, assim como não o
faremos com os autores dos trabalhos analisados na área de agronomia. Atentemo-nos apenas para a conexão que se
estabelece: MDA, agroecologia, livro e, depois, retornamos para o departamento
de ciências sociais. O que temos à frente é uma tradução de interesses.
Figura
3: Tradução de interesses em ciências sociais.
Primeiro: política
de desenvolvimento rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Temos
um conector político se vinculando ao livro. Ao passo que o livro é uma
forma de conexão científica. Logo: temos uma conexão entre política e
ciência.
A agroecologia ganha dois aliados e é, então,
impressa no livro. Por seu turno, a agroecologia não aparece apenas como um actante,
como é o caso
do livro, nem como apenas a figuração de uma ação, mas como uma conexão, uma
maneira de formatação,
de subjetivação de
seres humanos. No formato de livro, a agroecologia é transportada
para a sala de aula de ciências sociais. O que possibilita que estudantes de ciências sociais se
formem de maneira “agroecológica” e, lembrando, “sustentável”. Vejamos como o livro oferece a função de panorama de nosso tempo:
A Agroecologia vem se
constituindo na ciência
basilar de um novo paradigma de desenvolvimento rural, que tem sido construído ao longo das últimas décadas. Isto ocorre, entre outras razões, porque a
Agroecologia se apresenta como uma matriz disciplinar integradora, totalizante,
holística, capaz de apreender e
aplicar conhecimentos gerados em diferentes disciplinas científicas, como veremos mais adiante, de maneira que passou a
ser o principal enfoque científico da nossa época, quando o objetivo é a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura insustentáveis para estilos de desenvolvimento rural e de
agricultura sustentáveis (CAPORAL, COSTABEBER,
PAULUS, 2006, p. 2).
O grupo
de estudos Curupiras se reúne em uma sala de um prédio novo do Departamento de Letras e Ciências
Humanas (DLCH). Esta sala é a sala da coordenadora do grupo, que a divide com outras
três professoras. Antigamente, há mais ou menos um ano, o grupo não tinha sala de
reuniões oficial, pois o prédio ainda não havia sido inaugurado. Na coordenação do
departamento de CS existe uma pasta que informa aos/às
discentes sobre a existência do Curupiras e de outros grupos de
estudo. Na matriz curricular, é possível observar que é necessária certa quantidade de horas “extras” para conseguir o
diploma de conclusão da
graduação em CS. A participação no grupo, então, é uma das formas de se conseguir essa carga horária extra.
A
maioria das aulas da graduação do bacharelado em CS ocorre em um prédio chamado
CEGOE – Centro de Ensino
de Graduação Obra Escola.
Fica claro que os locais em que os Curupiras
circulam estão localizados
e que, sem eles, simplesmente não
haveria possibilidade de encontros e estudos. No CEGOE os/as discentes têm contato com as teorias em sala de aula; na coordenação podem se informar e
serem orientados/as a respeito do curso, seja em conversas com secretários/as,
seja lendo textos contidos em pastas de grupos de estudo. Podem se reunir em
uma sala de professores/as situada em um prédio novo, anexo ao Departamento de Letras e Ciências Humanas e, também,
podem fotocopiar artigos para as reuniões, na “Xerox de Edi”. Em outras palavras, as interações entre os
estudantes e docentes estão associadas a um conjunto de actantes
não-humanos que possibilita sua inter-ação. O grupo foi escolhido para observação-participante
porque alguns participantes também estavam envolvidos/as com a agroecologia.
O grupo normalmente trabalha com artigos
ou capítulos de livros que
suscitam discussões que giram em torno de vários temas, cujo foco são os chamados “estudos pós-coloniais”. Entretanto, isso não impede o grupo de passear por “estudos de gênero”, “feminismo”,
“racismo” e, ao que nos interessa, “agroecologia”. No entanto, não houve, diretamente trabalhos que
fossem especificamente pautados em uma discussão agroecológica.
Dentre os autores citados nesses meses,
passou-se por Boaventura de Sousa Santos, Anibal Quijano, Arturo Escobar, entre
outros. Os dois primeiros, expoentes dos estudos pós-coloniais e o último, um famoso antropólogo. Para leitura dos artigos, normalmente o
grupo procede com a disponibilização da literatura pela Internet, em sua página do facebook.com. Além disso, a já citada “xerox do Edi”, cujo
simpático dono informou que já
trabalha no local há mais de vinte anos, dispõe de duas máquinas
de fotocópias que multiplicam o número de artigos para que cada participante
do grupo possa ter acesso aos textos que serão utilizados nas reuniões.
Conectores
Nesses meses (agosto a outubro), a
agroecologia circulou pelo local mais vinculada a alguns integrantes do grupo
e, ainda, a um projeto de extensão coordenado, também, pela coordenadora do Curupiras, o projeto
Escola Comunitária de Artes e
Reforço Escolar (ECARE).
Antes que as reuniões do Curupiras passem para apresentação do texto e debate, é
comum que a primeira etapa da
reunião seja para “informes”.
Assim, as atividades de participantes que interessem ao grupo são repassadas e,
vez por outra, convites também são feitos para o “engajamento” em tais atividades, que podem ter a ver com participar de ações ligadas à
temáticas estudadas pelo
grupo – como gênero, anti-racismo etc. Além disso, eventos importantes para o grupo são também compartilhados. Foi o que ocorreu com a
II Jornada dos Povos, promovida pelo NAC. Esta atividade foi divulgada com
antecedência pelo grupo; e também sobre a VI Semana de Ciências Sociais da UFRPE.
Em relação à agroecologia, é possível afirmar que o grupo não trabalha com o assunto e,
portanto, não pode ser tido como um grupo que esteja fechando a caixa-preta
agroecologica, por assim dizer. Na verdade, o que está ocorrendo atualmente em relação a agroecologia ou
sustentabilidade, tem a ver mais com outro grupo que tem vinculo com o
Curupiras. Trata-se do grupo Escola Comunitária de Artes e Reforço
Escolar (ECARE), cujo foco tem sido
a construção de um projeto de extensão baseado em agroecologia e, também, em permacultura. Abaixo, texto confeccionado por
participantes da ECARE, e alguns integrantes do Curupiras.
Pensamos e Projetamos com a Permacultura & Agroecologia pois é assim o seu conceito:
“É
a tentativa de criar espaços humanos aonde os
elementos (componentes vivos), as estruturas físicas
e todas as energias existentes localmente e vinda de fora se relacionam de
forma a montar um espaço altamente
sustentável.
Este sistema é planejado para atender a todas as
necessidades dos elementos no próprio local. A ideia
principal é que estes sistemas sejam
ecologicamente corretos e economicamente viáveis e que supram suas próprias necessidades, não explorem ou poluam e que, assim,
sejam sustentáveis em longo prazo.”
Wladi.
O mais importante de se destacar neste
breve informativo é que sua
circulação se deu na forma de bytes, em rede de internet e, posteriormente, na forma de impresso, distribuído como panfleto no bairro de Nova Morada e, também, em outros lugares. Tal tecnologia gráfica permitiu, por seu turno, a circulação
desta entidade, a agroecologia, das salas de reunião do Curupiras à comunidade
de Nova Morada. Além disso,
os interesses do grupo foram traduzidos/transladados por meio do
objeto-impresso. As associações
podem ser expressas da seguinte maneira:
Figura 5: Associações entre agroecologia e ciências sociais
Por outro lado,
percebe-se que quando o assunto é agroecologia, a mediação tem ocorrido por
meio de outros actantes envolvidos no deslocamento da agroecologia e,
conforme se pode observar, é o NAC que tem transformado as relações locais quanto ao assunto. Todavia,
também o ECARE tem levado a
agroecologia adiante. O Curupiras, enquanto grupo, tem sido um grupo voltado para
outra forma de conexão, a saber: a pós-colonialidade.
Por
outro lado, o Curupiras, por possuir porta-vozes da agroecologia, como alguns
de seus integrantes vinculados/as à ECARE, ou mesmo na
figura de sua coordenadora, que é também coordenadora do Curupiras, que apresentara recentemente trabalho em
evento cientifico sobre o assunto, não defende nem utiliza agrotóxicos. Ou seja: o grupo está associado, mesmo que indiretamente, já
que há relação com o NAC e à ECARE, com actantes que se comportam como combativos aos agrotóxicos. O que sugere que agrotóxicos
são repelidos quando chegam em
alguns locais do departamento de ciências sociais. Não
podemos, contudo, afirmar que todo o curso está voltado para o combate ao uso
de agrotóxicos, nem que todos/as seus/suas integrantes são militantes contra o
uso de agrotóxicos.
Outra forma de localizar bem as
interações locais entre os participantes do Curupiras, desde a infraestrutura física que permite com que o grupo possa se
reunir, até a organização
curricular do bacharelado em ciências sociais, é também destacar o aspecto financeiro vinculado
ao assunto. A UFRPE possui um órgão responsável por
financiar atividades relacionadas à “extensão”. Por extensão, entende-se o seguinte,
segundo nossos próprios
atores:
A Pró-Reitoria de Extensão
(PRAE) têm a competência de coordenar as ações de extensão, cabendo a ela, fomentar, acompanhar, avaliar,
articular, registrar e divulgar as ações
de extensão
no âmbito interno e externo da UFRPE
[...] Entende-se por ação de extensão as atividades
desenvolvidas sob a forma de programas, projetos, cursos, eventos, prestação de serviços, publicações e outros produtos acadêmicos...
Fonte: site da UFRPE
O Curupiras não aparece agora como “um grupo de estudo” apenas. Nem agroecologia como “algo em si”, tampouco os agrotóxicos foram vistos como “veneno”, ou resumidos a “interesses da Monsanto” ou do “agronegócio”, mas antes, como agregados composto por uma
cadeia de associações entre lugares, objetos, ideias e pessoas. Dessa maneira,
foi possível observar que as
chamadas “relações sociais”, quando o assunto era agrotóxicos, continham um conjunto de objetos e
lugares responsáveis por
permitir com que a agroecologia se deslocasse entre espaços e permitisse com que tais ambientes fossem conectados
(LATOUR, 2012) de forma
agroecológica, em oposição ao
uso de agrotóxicos ou mesmo
de entidades a eles relacionadas, como a Monsanto.
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