sábado, 24 de março de 2018

Monografia - Parte I (Ciências Sociais e Agrotóxicos)

[Utilizando esta plataforma eletrônica como uma arena, chamo para o ringue as ciências sociais. Em breve chamaremos a agronomia.
Aqui, torno público o resultado de pesquisa de conclusão de curso (2016) que pode ser encontrada nas empoeiradas gavetas da coordenação de CS da UFRPE.
Alargo, portanto, o objetivo deste blog, que só se baseava em textos da pós-graduação em sociologia. Mas acredito que isso tem seu lado positivo: trata-se de um experimento - levar o relato textual que alistou cientistas sociais, agrônomos/as e agrotóxicos para discutir um projeto político: podemos viver em um mundo em comum?]


1.      O SOCIAL DOS/DAS CIENTISTAS SOCIAIS E AGROECÓLOGOS/AS
            Os primeiros passos dados no departamento de ciencias sociais foram voltados para a observação participante no grupo de estudos Curupiras. Depois disso, fizemos entrevistas com quatro participantes do grupo e, por último, fizemos análise documental. No entanto, para que seja possível uma coerência expositiva, indicaremos primeiro quando o curso de ciências sociais surgiu na UFRPE, bem como localizaremos as associações, disciplinas e planos pedagógicos do curso. Em outras palavras: precisamos seguir o primeiro e o segundo movimento sugeridos por Latour (2012): localizar o global e distribuir o local. Por isso, antes mesmo da existência do Curupiras enquanto grupo de estudos é importante destacar alguns aspectos que permitam rastrear alguns elementos hoje invisíveis para integrantes do grupo, mas que permitem com que exista o grupo e, por conseguinte, que ocorram as reuniões. Só então poderemos nos voltar para o terceiro movimento e identificar os conectores que circulam pelo Curupiras.
Nosso grupo de cientistas sociais, em sua maioria, não existiria caso o próprio curso de ciências sociais não existisse. Então, é importante lembrar que a existência do atual Bacharelado em Ciências Sociais é algo recente na história da UFRPE. Foi apenas no ano de 1990 que tal curso surgiu, sendo reconhecido pelo Ministério da Educação, apenas em 1999. O foco inicial do curso, aliás, era a Sociologia Rural.
Atualmente, a matriz curricular do curso conta com uma disciplina específica para lidar com questões relativas a meio ambiente, mas ainda não com “pós-colonialidade”, que é o foco do grupo Curupiras.
Figura 1 – Matriz curricular do curso de CS, vigente em 2016.


No 4º período de CS, existe a disciplina Desenvolvimento Meio Ambiente e Sustentabilidade, cuja carga horária é de 60h. Conforme entrevistas, a temática de agrotóxicos e, mais ainda, de agroecologia participa da formação de cientistas sociais. 

Gabriel: Você teve contato na graduação com algum estudo relacionado ou algum... 
não só estudos, atividades ligadas a essa temática [agrotóxicos]?

Luna: Sim. Alguns caminhos. Que eu lembro agora de dois. Primeiro... bem,
assim... eu não sei de onde eu conheci a palavra agrotóxicos. Não vou lembrar não,
isso não. Mas eu me lembro que na disciplina de desenvolvimento meio ambiente e
sustentabilidade iniciou uma discussão. O professor Caporal, ele é do NAC20, né?
Enfim, ele tem um posicionamento contra os agrotóxicos. Eu acho que ele ajudou
bastante. Ele mostrou gráficos de quantos por cento de agrotóxicos tem na nossa
comida. Aí, assim, foi bem impactante. Eu não conhecia bem quantos por cento tinha
em cada comida. E ao mesmo tempo eu tenho uma amiga que morava comigo. Ela
é militante do MST21 e de algumas coisas aí. De várias coisas. [risos].

Noutra entrevista:

Gabriel: Aonde teve contato com este assunto [agrotóxicos]? E este tema era
abordado de que maneira, (Eram criticados/combatidos ou não?)? Lembra o porquê?
Hélio: Na disciplina desenvolvimento, meio ambiente e sustentabilidade. Foi
abordado na forma de seminário em sala de aula, o texto que trabalhamos trazia essa
questão com uma perspectiva crítica, uma denúncia ao uso de agrotóxicos e como
eles são prejudiciais à saúde humana.

A referida disciplina, no Plano Pedagógico do Curso (PPC) de ciências sociais, tem ampla bibliografia. Selecionamos o seguinte livro para mapear conexões e identificar o que seria “agroecologia”: “Agroecologia: matriz disciplinar ou novo paradigma para o desenvolvimento sustentável. Brasília: MDA, 2006”. Nosso interesse por essa entidade se deu devido às campanhas contra o uso de agrotóxicos e eventos, como a Jornada dos Povos (ver figura 2), que ocorreram no campus da UFRPE e que promoviam a agroecologia e combatiam agrotóxicos.


Ao invés de perguntar o que é agroecologia, mais importante, por ora, é saber quais conexões são  possíveis de se traçar com o citado livro. Primeiramente, salta aos olhos a sigla MDA, isto é: o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Por uma questão ética, não olharemos para os autores deste trabalho, assim como não o faremos com os autores dos trabalhos analisados na área de agronomia. Atentemo-nos apenas para a conexão que se estabelece: MDA, agroecologia, livro e, depois, retornamos para o departamento de ciências sociais. O que temos à frente é uma tradução de interesses.
                        Figura 3: Tradução de interesses em ciências sociais.                     

Primeiro: política de desenvolvimento rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Temos um conector político se vinculando ao livro. Ao passo que o livro é uma forma de conexão científica. Logo: temos uma conexão entre política e ciência. A agroecologia ganha dois aliados e é, então, impressa no livro. Por seu turno, a agroecologia não aparece apenas como um actante, como é o caso do livro, nem como apenas a figuração de uma ação, mas como uma conexão, uma maneira de formatação, de subjetivação de seres humanos. No formato de livro, a agroecologia é transportada para a sala de aula de ciências sociais. O que possibilita que estudantes de ciências sociais se formem de maneira “agroecológica” e, lembrando, “sustentável”. Vejamos como o livro oferece a função de panorama de nosso tempo:


A Agroecologia vem se constituindo na ciência basilar de um novo paradigma de desenvolvimento rural, que tem sido construído ao longo das últimas décadas. Isto ocorre, entre outras razões, porque a Agroecologia se apresenta como uma matriz disciplinar integradora, totalizante, holística, capaz de apreender e aplicar conhecimentos gerados em diferentes disciplinas científicas, como veremos mais adiante, de maneira que passou a ser o principal enfoque científico da nossa época, quando o objetivo é a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura insustentáveis para estilos de desenvolvimento rural e de agricultura sustentáveis (CAPORAL, COSTABEBER, PAULUS, 2006, p. 2).


            A um só tempo presenciamos uma síntese de diversos elementos em uma nova forma de lidar com o enfoque científico de nossa época, com desenvolvimento rural” e “agricultura sustentável”. Em outras palavras, o livro apresenta-nos uma moldura de nosso tempo e, coerentemente, nos fornece uma narrativa alternativa para que possamos lidar com essa “transição de modelos de desenvolvimento. Saindo das salas de aula e desta moldura que dota de sentido novas maneiras de se lidar com nossa realidade, vamos agora nos refugiar no folclore regional brasileiro, no Curupiras.

O grupo de estudos Curupiras se reúne em uma sala de um prédio novo do Departamento de Letras e Ciências Humanas (DLCH). Esta sala é a sala da coordenadora do grupo, que a divide com outras três professoras. Antigamente, há mais ou menos um ano, o grupo não tinha sala de reuniões oficial, pois o prédio ainda não havia sido inaugurado. Na coordenação do departamento de CS existe uma pasta que informa aos/às discentes sobre a existência do Curupiras e de outros grupos de estudo. Na matriz curricular, é possível observar que é necessária certa quantidade de horas “extras” para conseguir o diploma de conclusão da graduação em CS. A participação no grupo, então, é uma das formas de se conseguir essa carga horária extra.

A maioria das aulas da graduação do bacharelado em CS ocorre em um prédio chamado CEGOE – Centro de Ensino de Graduação Obra Escola.
Fica claro que os locais em que os Curupiras circulam estão localizados e que, sem eles, simplesmente não haveria possibilidade de encontros e estudos. No CEGOE os/as discentes têm contato com as teorias em sala de aula; na coordenação podem se informar e serem orientados/as a respeito do curso, seja em conversas com secretários/as, seja lendo textos contidos em pastas de grupos de estudo. Podem se reunir em uma sala de professores/as situada em um prédio novo, anexo ao Departamento de Letras e Ciências Humanas e, também, podem fotocopiar artigos para as reuniões, na “Xerox de Edi. Em outras palavras, as interações entre os estudantes e docentes estão associadas a um conjunto de actantes não-humanos que possibilita sua inter-ação. O grupo foi escolhido para observação-participante porque alguns participantes também estavam envolvidos/as com a agroecologia.
O grupo normalmente trabalha com artigos ou capítulos de livros que suscitam discussões que giram em torno de vários temas, cujo foco são os chamados “estudos pós-coloniais. Entretanto, isso não impede o grupo de passear por estudos de gênero”, “feminismo”, “racismo” e, ao que nos interessa, agroecologia. No entanto, não houve, diretamente trabalhos que fossem especificamente pautados em uma discussão agroecológica.
Dentre os autores citados nesses meses, passou-se por Boaventura de Sousa Santos, Anibal Quijano, Arturo Escobar, entre outros. Os dois primeiros, expoentes dos estudos pós-coloniais e o último, um famoso antropólogo. Para leitura dos artigos, normalmente o grupo procede com a disponibilização da literatura pela Internet, em sua página do facebook.com. Além disso, a já citada “xerox do Edi”, cujo simpático dono informou que já trabalha no local há mais de vinte anos, dispõe de duas máquinas de fotocópias que multiplicam o número de artigos para que cada participante do grupo possa ter acesso aos textos que serão utilizados nas reuniões.
Conectores
Nesses meses (agosto a outubro), a agroecologia circulou pelo local mais vinculada a alguns integrantes do grupo e, ainda, a um projeto de extensão coordenado, também, pela coordenadora do Curupiras, o projeto Escola Comunitária de Artes e Reforço Escolar (ECARE). Antes que as reuniões do Curupiras passem para apresentação do texto e debate, é comum que a primeira etapa da reunião seja para “informes”. Assim, as atividades de participantes que interessem ao grupo são repassadas e, vez por outra, convites também são feitos para o “engajamento” em tais atividades, que podem ter a ver com participar de ações ligadas à temáticas estudadas pelo grupo – como gênero, anti-racismo etc. Além disso, eventos importantes para o grupo são também compartilhados. Foi o que ocorreu com a II Jornada dos Povos, promovida pelo NAC. Esta atividade foi divulgada com antecedência pelo grupo; e também sobre a VI Semana de Ciências Sociais da UFRPE. 
Em relação à agroecologia, é possível afirmar que o grupo não trabalha com o assunto e, portanto, não pode ser tido como um grupo que esteja fechando a caixa-preta agroecologica, por assim dizer. Na verdade, o que está ocorrendo atualmente em relação a agroecologia ou sustentabilidade, tem a ver mais com outro grupo que tem vinculo com o Curupiras. Trata-se do grupo Escola Comunitária de Artes e Reforço Escolar (ECARE), cujo foco tem sido a construção de um projeto de extensão baseado em agroecologia e, também, em permacultura. Abaixo, texto confeccionado por participantes da ECARE, e alguns integrantes do Curupiras.
Pensamos e Projetamos com a Permacultura & Agroecologia pois é assim o seu conceito:
“É a tentativa de criar espaços humanos aonde os elementos (componentes vivos), as estruturas físicas e todas as energias existentes localmente e vinda de fora se relacionam de forma a montar um espaço altamente sustentável. Este sistema é planejado para atender a todas as necessidades dos elementos no próprio local. A ideia principal é que estes sistemas sejam ecologicamente corretos e economicamente viáveis e que supram suas próprias necessidades, não explorem ou poluam e que, assim, sejam sustentáveis em longo prazo.

Wladi.
O mais importante de se destacar neste breve informativo é que sua circulação se deu na forma de bytes, em rede de internet e, posteriormente, na forma de impresso,  distribuído como panfleto no bairro de Nova Morada e, também, em outros lugares. Tal tecnologia gráfica permitiu, por seu turno, a circulação desta entidade, a agroecologia, das salas de reunião do Curupiras à comunidade de Nova Morada. Além disso, os interesses do grupo foram traduzidos/transladados por meio do objeto-impresso. As associações podem ser expressas da seguinte maneira:

Figura 5: Associações entre agroecologia e ciências sociais

Por outro lado, percebe-se que quando o assunto é agroecologia, a mediação tem ocorrido por meio de outros actantes envolvidos no deslocamento da agroecologia e, conforme se pode observar, é o NAC que tem transformado as relações locais quanto ao assunto. Todavia, também o ECARE tem levado a agroecologia adiante. O Curupiras, enquanto grupo, tem sido um grupo voltado para outra forma de conexão, a saber: a pós-colonialidade.
            Por outro lado, o Curupiras, por possuir porta-vozes da agroecologia, como alguns de seus integrantes vinculados/as à ECARE, ou mesmo na figura de sua coordenadora, que é também coordenadora do Curupiras, que apresentara recentemente trabalho em evento cientifico sobre o assunto, não defende nem utiliza agrotóxicos. Ou seja: o grupo está associado, mesmo que indiretamente, já que há relação com o NAC e à ECARE, com actantes que se comportam como combativos aos agrotóxicos. O que sugere que agrotóxicos são repelidos quando chegam em alguns locais do departamento de ciências sociais. Não podemos, contudo, afirmar que todo o curso está voltado para o combate ao uso de agrotóxicos, nem que todos/as seus/suas integrantes são militantes contra o uso de agrotóxicos.
Outra forma de localizar bem as interações locais entre os participantes do Curupiras, desde a infraestrutura física que permite com que o grupo possa se reunir, até a organização curricular do bacharelado em ciências sociais, é também destacar o aspecto financeiro vinculado ao assunto. A UFRPE possui um órgão responsável por financiar atividades relacionadas à “extensão”. Por extensão, entende-se o seguinte, segundo nossos próprios atores:
A Pró-Reitoria de Extensão (PRAE) têm a competência de coordenar as ações de extensão, cabendo a ela, fomentar, acompanhar, avaliar, articular, registrar e divulgar as ações de extensão no âmbito interno e externo da UFRPE [...] Entende-se por ação de extensão as atividades desenvolvidas sob a forma de programas, projetos, cursos, eventos, prestação de serviços, publicações e outros produtos acadêmicos...
Fonte: site da UFRPE

O Curupiras não aparece agora como “um grupo de estudoapenas. Nem agroecologia como algo em si, tampouco os agrotóxicos foram vistos como “veneno”, ou resumidos a interesses da Monsanto” ou do “agronegócio”, mas antes, como agregados composto por uma cadeia de associações entre lugares, objetos, ideias e pessoas. Dessa maneira, foi possível observar que as chamadas “relações sociais, quando o assunto era agrotóxicos, continham um conjunto de objetos e lugares responsáveis por permitir com que a agroecologia se deslocasse entre espaços e permitisse com que tais ambientes fossem conectados (LATOUR, 2012) de forma agroecológica, em oposição ao uso de agrotóxicos ou mesmo de entidades a eles relacionadas, como a Monsanto.


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