quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Cultura do fim da privacidade e trabalho gratuito para Redes Sociais

Nos últimos meses, eu participei de alguns cursos e assisti palestras sobre, basicamente, internet, pesquisa online, algoritmos e redes sociais. Como esses assuntos foram abordados e qual são as contribuições de se pensar neles a partir das ciências sociais?

 

            Um primeiro ponto a ser pensado é sobre a cultura do fim da privacidade, tema que apareceu em um curso sobre Data Science. Tal tema pode ser pensado a partir de nosso uso de redes sociais e, além dele, da nossa relação com corporações “por trás da internet”. Toda relação que mantemos por tecnologias de internet coleta dados nossos. Assim, por exemplo, a Oi pede para você não desligar seu modem para eles saberem como está o comportamento da sua conexão para que, assim, possam melhorar seu serviço. Ou seja: até aqui você está produzindo dados ao não desligar seu modem. Outra forma é a mais óbvia: toda vez que você clica em um site vem logo a janelinha com os termos de uso e de cookies (Aceita?). No Facebook, para manter uma página com temas políticos, por exemplo, você tem que fornecer dados pessoais, como de identificação pessoal (você sabia?). Isso, claro, fora os dados que o navegador (browser) já coleta ou quando ativa seu novo telefone celular.

            Fora esse fluxo de dados “invisíveis” que conectam você ao mundo “conectado”, tem o nosso uso cotidiano de redes sociais. Para não cair no óbvio, insiro outro tema, o do trabalho não remunerado. Esse eu ouvi hoje de um professor que ministrou um seminário sobre máquinas “no meio da multidão” (ou vice-versa). Lembrando de Karl Marx, para o qual, antes de tudo, o valor é produto da atividade humana, nós trabalhamos “de graça” (nós, reles mortais) para as plataformas de redes sociais, como o Instagram, Twitter, Facebook, entre outras. Então todas suas ações retornam ao tema do “Data Science”, porque você está gerando dados com suas ações e, melhor, de graça, às suas custas.

            Resultado: você está dando seus dados para “o capitalismo” todo dia; está trabalhando pra ele quando dá likes, compartilha stories etc., seu uso não pago, como trabalho alienado (diria Marx).

Novidade? Não, tudo igual que nem. Por outro lado, o uso dessas redes sociais tem ajudado pessoas a se elegerem, pois elas sabem manusear as ferramentas, digamos, “politicamente”; há pessoas ampliando os resultados eleitorais, digamos, “eleitoralmente”; tem àquelas que estão, como eu, publicando suas ideias, digamos, “político criticamente”... Mas sabe o que é isso: duas formas de ter a ilusão de que estamos produzindo uma diferenciação cultural, fugindo da cultura “convencional”, digamos, “opressora”.

De uma maneira ou de outra você está tendo seus impulsos enquadrados em motivações que estão por aí, queira você ou não. Há duas maneiras teóricas de dizer isso, em uma você está dentro de relações culturais e, portanto, até sua individualidade é produto dela, apesar de particularidades; outra maneira, análoga, é dizer que existem ações ocorrendo em escalas complexas, mas, de algum modo, você foi agenciado, foi “cooptado”, é parte de uma agência “maquínica” (daí o título “máquinas” na multidão ser tão apropriado).

Se parece abstrato pensar nessas coisas, pense em algo que acontece diariamente em tempos de pandemia: a constante conduta de controle de uma cultura de saúde, digamos, politicamente global, de um lado; d’outro, a constante conduta de dar significado à “liberdade individual” e ou simples insubordinação a essa “cultura globalizante de saúde”. Ora, farinhas do mesmo saco, pois ambas recaem na dialética do diferenciar ou manter a convenção (ao menos em algumas cidades “mundiais”). Ora, novamente farinhas do mesmo saco, pois a produção de sentido para ações nos coletivos não deixa de ser uma atitude moral e moralizantes: como não seriam? Assim, ficamos com a ilusão da diferenciação no exato momento em que mantemos a cultura compulsivamente.

Mas por que a moral não é entendida como essencialmente elemento fundante da cultura? Mais ainda, por que distinguir tanto a “cultura do fim da privacidade” e o “trabalho não remunerado” em ambientes digitais de outras “épocas”? Não seria exatamente esse processo todo uma nova adaptação cultural, uma nova invenção, cotidiana das mesmas relações que já existiam antes dessas novas tecnologias? Pois é...

 

 

 

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