Rafael Soares
Ribeiro
E-mail: rafael.soares504@gmail.com
Resumo
Garfinkel foi o criador da Etnometodologia, que funciona como um
campo crítico para à sociologia que estavam sendo produzida nos Estados Unidos
da América em meados do século XX, sendo Talcolt Parsons o líder deste
movimento. A proposta era criar um modelo sociológico geral que vincularia as
disciplinas da psicologia, sociologia e antropologia dentro de uma estrutura
teórica única e abrangente que havia sido esboçada em The Structure of
Social Action, baseado na obra de Durkheim. A Etnometodologia, portanto,
procura fazer uma ruptura com o modelo funcionalista-estruturalista da
sociologia americana de meados do século XX, numa procura incessante de
desvelar o pano estrutural que obscurece a percepção do pesquisador sobre os
processos dinâmicos da sociedade. É um modelo que visa entender como a
sociedade se constrói a partir dos processos microsociológicos presentes na
vida cotidiana, planificando ao nível da agência as instituições sociais e
repensando sua estruturação. Este artigo tem como objetivo descrever um pouco
sobre o contexto histórico em que a etnometodologia foi criada por Garfinkel,
suas influências da Fenomenologia, da psicolinguística e do pensamento
sociológico de Alfred Schütz e, por fim, seus aspectos práticos para a pesquisa
de campo, descrevendo um esboço para a aplicação da etnometodologia em estudos
sobre o trabalho.
Palavras-Chave: Etnometodologia;
Ação Social; Teoria; Métodos.
Introdução
Garfinkel foi o criador da Etnometodologia, que funciona como um
campo crítico para a sociologia que estavam sendo produzida nos Estados Unidos
da América em meados do século XX, sendo Talcolt Parsons o líder deste
movimento. A proposta era criar um modelo sociológico geral que vincularia as
disciplinas da psicologia, sociologia e antropologia dentro de uma estrutura
teórica única e abrangente que havia sido esboçada em The Structure of
Social Action, baseado na obra de Durkheim.
A Etnometodologia,
portanto, procura fazer uma ruptura com o modelo funcionalista-estruturalista
parsoniana, numa procura incessante de desvelar o pano estrutural que obscurece
a percepção do pesquisador sobre os processos dinâmicos da sociedade. No
entanto, esta metodologia (e método) surgiu de acordo com John C. Heritage
(1999) em um contexto reativo à posturas que divergissem do modelo que estava
sendo produzido por Parsons e seus seguidores. Portanto, Garfinkel teve a
infelicidade de não ter o reconhecimento por sua obra, além de suas ideias
terem recebido fortes críticas e interpretações deturpadas.
Sendo assim, podemos
perceber que a etnometodologia bebe das fontes epistemológicas das filosofias
interpretativistas quanto do construcionismo social (Schwandt, 2006).
A etnometodologia modelo
que visa entender como a sociedade se constrói a partir dos processos
microsociológicos presentes na vida cotidiana, planificando ao nível da agência
as instituições sociais e repensando as estruturas criadas a partir das
interações dos indivíduos com indivíduos e coisas. Este é um complexo processo
de interpretação, de compreensão, manutenção e modificação resultado de um
processo de trocas simbólicas, intersubjetivas, de usos do conhecimento socialmente
acumulado instrumentalizado nas resoluções das questões da vida cotidiana.
Tendo em vista a
complexidade da obra de Garfinkel e, talvez, neste momento histórico de
possibilidade não rara de crítica e releitura das obras clássicas da sociologia,
este artigo objetiva resgatar um pouco sobre o contexto histórico em que a
etnometodologia foi criada por Garfinkel, suas influências da Fenomenologia, da
psicolinguística e do pensamento sociológico de Alfred Schutz e, por fim, seus aspectos
práticos para a pesquisa de campo, descrevendo alguns exemplos da aplicação do
método.
Contexto histórico da criação da etnometodologia
A etnometodologia é uma
matriz metodológica foi criada por Harold Garfinkel na década de 60 do século
XX. Trata-se de um campo interdisciplinar com fundamentação de outros campos de
conhecimentos: a fenomenologia e a psicolinguística. Seu objetivo principal,
não inédito, é a busca incessante de entender como o social é construído,
modificado e transformado através das relações entre os indivíduos (membros) no
cotidiano.
Garfinkel apresenta a
etnometodologia como um modelo diametralmente aposto ao modelo
funcionalista-estruturalista parsoniano – modelo regente nos estudos
sociológicos nos Estados Unidos da América – no qual o Garfinkel estava inserido.
Os escritos publicados
por Garfinkel foram aceitos pela comunidade científica de sua época como tendo
grande significância, no entanto não encontraram passagem aberta para a
comunidade sociológica.
Seus textos eram bastante
difíceis, apresentando-se “condensados, opacos e crípticos” (Heritage, 1999).
Além de produzir um conjunto de obras que, diferente dos clássicos
sociológicos, não eram sistematicamente conexas, mas uma análise aprofundada
permite capturar as continuidades de suas ideias. Estes elementos tiveram como
resultado leituras deturpadas e trivializadas de sua obra: Escritos de Etnometodologia.
Foi apontado como um método sem substância (COSER, in Heritage, 1999) ou como “uma
negação da organização social – uma sociologia do vale-tudo” (1999, p. 323).
Não obstante, a
etnometodologia foi produzida num período de “caótica convulsão das ciências
sociais” (1999, p.322). Contexto este em que o campo das pesquisas em
sociologia estava praticamente embebido no paradigma funcionalista-estruturalista
desenvolvido por Talcolt Parsons. Segundo John C. Heritage (1999), Garfinkel
produziu a etnometodologia num contexto histórico da produção sociológica muito
repelente às teorias críticas ao modelo funcionalista-estruturalista, se tivesse
sido construída nos anos posteriores da crítica talvez sua obra tivesse tido melhor
aceitação pela comunidade sociológica.
Em seus escritos
desenvolveu um eixo norteador que serviu como base conceitual para a
etnometodologia. Reuniu a teoria da ação social, a natureza da intersubjetividade
e a constituição social do conhecimento num só locus. Estes elementos
são propriedades fundamentais do raciocínio e das razões instrumentais presentes
no cotidiano das pessoas.
No desenvolver de seu
arcabouço teórico, Garfinkel procurou se descolar dos fundamentos da teoria da
ação social tradicional e inseri-la nos modelos cognoscíveis pelos quais –
conscientes ou não, os agentes sociais “reconhecem, produzem e reproduzem ações
sociais e estruturas sociais” (Heritagem, 1999, p.324).
As contraposições e
críticas entre a teoria parsoniana e a etnometodologia de Garfinkel são
bastante transparentes. Garfinkel se refere aos fatos sociais como elementos de
segunda ordem “reificações que não têm pernas, braços cérebros, sentidos ou
sentimentos e que, portanto, não tem existência efetiva senão por meio dos
indivíduos que, dia-a-dia, percebem, interpretam, cooperam, constroem, refazem
ou mantêm as formas de interações sociais” (Araújo, 2012). Estes fatos são elementos
que nublam a perspectiva do pesquisador sobre o objeto pesquisado, pois induz
que este se perceba como um observador imparcial que tem como principal função
desvelar a ação da estrutura sobre os indivíduos, ou seja, toma a posição de
que estes fatos já estão dados e atuam de forma oculta sobre a sociedade sem
que os indivíduos se deem conta disso.
Para Garfinkel esse
elemento faz parte de uma socialidade internalizada pelo pesquisador dentro do
seu campo de conhecimento e que esta socialidade é uma condição fundamental
para o entendimento mútuos dos sujeitos dentro de um determinado contexto. No
entanto, ela infere de forma que o sujeito toma como dado aquilo que deveria
ser objeto de investigação e reflexão.
As influências da Fenomenologia
O primeiro dos elementos
presenciados na obra de Garfinkel é o da redução fenomenológica. Este método
trata de colocar de lado os conceitos que transformam as estruturas da
sociedade em coisas, removendo o véu que cobre a realidade social, revelando
assim as ações pelas quais os indivíduos constroem os fundamentos da sociedade.
É por meio deste processo de revelação que o pesquisador rompe com as formas de
interação pré-reflexivas – formada através de um processo de socialidade comum,
independente do campo de produção científica – e se torna capaz de captar a
realidade social como ele é; como um fenômeno.
Só é partir deste momento
de ruptura e de contato com o fenômeno que o pesquisador é capaz de teorizar,
pois para teorizar é preciso reflexão e não há reflexão sem a interação entre o
sujeito e o objeto (coisa ou ideia). A percepção do mundo se torna fundamento
incondicional de toda realidade. (Araújo, 2012) O Fenômeno é a aparição parcial
das coisas – reais ou imaginadas – na consciência; portanto é impossível de ser
apreendido em sua completude com apenas um golpe da consciência, no entanto,
mesmo assim, é processo natural de toda consciência a redução fenomenológica,
através dos preenchimentos das lacunas da percepção sobre um determinado
fenômeno, gerar uma totalidade.
Pensar em fenômeno social
é quebrar as barreiras dicotômicas entre agência e estrutura social, pois os
fatos sociais só existem para a consciência, pois sem ela os fenômenos em si
não teriam nenhum sentido. O sentido de determinada ação é visto como resultado
das experiências condensadas pela consciência do indivíduo e servem como lente
de leitura para os elementos da vida social.
Sendo assim, cada
indivíduo possui os atributos capazes de apreender a sociedade em que estão
inseridos de maneiras impares, assim como também internaliza os elementos
normativos do capital social acumulado historicamente por determinada
organização social. O reconhecimento compreensão entre um indivíduo e outro
torna possível a interação e a comunicação destes elementos valorativos, assim
como estes através do processo de ruptura e reflexão é possível criar formas de
interpretar, manter e modificar as ações na vida cotidiana.
A transformação das
percepções individuais em um conjunto de normas compartilhadas de
interpretações se chama Lebenswelt. O campo destas relações se
fundamenta numa atitude internalizada, recíproca, de que cada um, apesar de possuírem
percepções diferentes sobre os fenômenos sociais, existem elementos que lhes
são comuns e que estes proporcionam que os indivíduos sejam capazes de entenderem-se
uns aos outros e perceberem que coexistem no mesmo mundo (Araújo, 2012).
As instituições na Lebenswelt
se aplanam ao nível da agência, sendo assim não há lugar dentro desta
teoria para um observador neutro, mas, sim, um ator capaz de distinguir a ações
que constroem a realidade social das normas sociais que são
mantidas/atualizadas pelas instituições através do processo de interação entre
os indivíduos na utilização de uma razão instrumental distante daquela idealizada
pela teoria da ação social parsoniana (Heritage, 1999).
As influências da psicolinguística
Os estudos realizados por
Pieget relatam os processos de desenvolvimento do indivíduo em diferentes fases
do seu crescimento, entre elas ressaltamos o desenvolvimento da consciência através
da interação entre o ego (eu) e o alter (mundo). Nas primeiras
etapas do desenvolvimento da criança, o mundo existe apenas para si, ou seja,
existe apenas enquanto ela o percebe e sente; em seguida, a criança começa a se
perceber como uma coisa entre as coisas, ou seja, a criança começa a refletir
sobre sua posição entre aqueles elementos percebidos e interpretados por sua
consciência; e, por fim, a criança é capaz de se ver como um indivíduo entre os
indivíduos. (Araújo, 2012) Esta relação entre o individuo e os objetos (reais
ou imaginários) se torna mais complexa, pois o sistema que este usa para
interpretar a pensar, interpretar e modificar a realidade em sua volta é
através da internalização da linguagem local.
Para Luria é através da
língua que o indivíduo absorve da sua sociedade um determinado sistema de
interpretação do mundo. Ele, Luria, constrói uma espécie de tipologia do
desenvolvimento da linguagem, que vai desde o uso instrumental para fins
práticos da linguagem até a sua complexificação com a ampliação do mundo conhecido,
como também pelos contatos entre diferentes grupos sociais do mundo compartilhando,
confrontando e modificando suas formas de interpretação do mundo ao redor.
(Araújo, 2012) Esta complexificação tornou possível o uso da reflexão no processo
de redução fenomenológica de conceitos que anteriormente estavam vinculados com
os elementos práticos da vida cotidiana para formulações mais totalizantes e
gerais capazes de serem apreendidas por um contingente maior de pessoas assim
como ser interpretada em diversos contextos.
Não obstante o processo
de internalização de uma língua além de ser um dos principais elementos do
processo de socialização também não se constitui de um processo estritamente
passivo. Ao se tornarem capazes de articular palavras e formar frases, os
indivíduos também são capazes de produzir novas formulações linguísticas
capazes de resolver questões que as presentes não são capazes de realizar. Este
processo, se bem-sucedido, é possível que seja transformado em Lebenswelt.
A língua, portanto, é a ponte entre a subjetividade e a comunidade – a reflexividade
linguística (Araújo, 2012).
No entanto, para
Garfinkel, as ações sociais não precisam ser fundamentalmente da linguagem para
que se tornem disponíveis para os participantes. Para dar um exemplo, Garfinkel
usa do exemplo da fila, no qual um grupo de pessoas por estarem numa mesma
relação espacial umas com as outras, formulam uma pequena instituição social e
estabelecem uma lógica de ação e reação morais umas em relação às outras.
(Heritage, 1999).
A influência de Alfred Schütz
Garfinkel foi
profundamente influenciado pelos trabalhos de Alfred Schütz. Em seus escritos,
Schütz se defrontou com uma questão irrespondível; está questão era relativa a
inclusão da análise do conhecimento dos agentes na esfera da teoria da ação.
Para ele o mundo é interpretado de acordo com categorias e construtos usados
cotidianamente no senso comum são fundamentalmente sociais em sua origem, pois
são os instrumentos com os quais os agentes interpretam a ação, captam as
intenções e motivações das ações, realizam compreensões intersubjetivas e as
ordenam numa lógica instrumental – ou seja correspondem às formas pelas quais
os agentes “navegam no mundo social’ (Heritage, 1999, p.328).
É importante ressaltar
que nos textos de Schütz, os dados empíricos são fundamentais para a análise,
pois serve como elemento de comparação e contestação do mundo fictício criador
corriqueiramente pelo observador científico (Schütz, 1964a, p.8). Muitas vezes
estes erros são recorrentes devido à socialidade interna de todo o pesquisador
de um determinado campo científico; esse processo de internalização de valores
normativos de um determinado campo é também colocado como elemento de criticidade
e o pesquisador, assim como o objeto, deve passar pelo processo de ruptura para
que seja capaz de sair da normalidade e possa perceber os elementos que
anteriormente lhe passavam despercebido – eram tomados como óbvios. (Araújo,
2012)
Esta objetivação e
normalização dos objetos, ações e acontecimentos comuns são percebidas
passivamente, pois no cotidiano não deixa espaços de reflexão sobre a realidade
ou não das coisas. Estes elementos que orientam a ação do agente são
frequentemente constituídos na dinâmica da experiência cotidiana por intermédio
de uma série de operações subjetivas. (Heritage, 1999).
No entanto, a compreensão
intersubjetiva dos agentes se consolida por meio de uma série de processos
ativos pelos quais os indivíduos admitem a “a tese geral da reciprocidade das
perspectivas” (Schütz, 1962, p.II-3); ou seja, mesmo que os indivíduos possuam
diferentes formas de perceber os fenômenos do cotidiano de formas diferentes,
eles são capaz de tratar suas experiências como idênticas para fins práticos. Este
conhecimento de senso comum é condensado numa série de elementos que
possibilitam a ação pela consciência através de seu atributo de redução fenomenológica,
no entanto, este conhecimento não é exato, pois como se trata de uma redução, é
possível que a interpretação sobre os elementos que constituem o fenômeno de
uma determinada ação estejam errados. Não há “em parte alguma a garantia da
confiabilidade de todas essas suposições pelos quais somos governados” (Schütz,
1964b, p.n·3).
Como podemos notar,
Schütz também se contrapôs ao modelo parsoniano em relação a não procurar
interpretar as ações que não são idealmente racionais como ações guiadas pelos
elementos normativos e por isso devem ser postos de lado por não se aproximarem
dos elementos que compõem o que Parsons idealizava como uma racionalidade
científica. O conhecimento instrumental do senso comum “quando muito, é
parcialmente racional e essa racionalidade tem muitos graus” (Schütz, 1962, p.3
in Heritage, 1999).
Desta última contribuição
de Schütz, Garfinkel desenvolveu um novo campo de análise sociológica. Este
campo se propõe a estudar os atributos da racionalidade prática do senso comum
nas diversas situações do cotidiano, cujo os objetivos eram perceber como os
participantes criam, reúnem, produzem e reproduzem as estruturas sociais pelas
quais se orientam. (Heritage, 1999). Garfinkel nomeou isso como “indiferença
etnometodológica” (Garfinkel & Sacks, 1970).
Admitindo-se que existe uma
ordem de eventos a ser encontrada, de “como os homens, isolados, mas
simultaneamente em estranha comunhão, empreendem a tarefa de construir, testar,
manter, alterar, validar, questionar e definir uma ordem juntos” (Garfinkel.
1952, p.114). Foi esse novo “problema cognitivo da ordem”.
A etnometodologia
Garfinkel investiu nessa
empreitada contra as formas engessadas e objetivantes dos estudos no campo da
sociologia. Para ele, a principal base destas análises: os fatos sociais não
são elementos fixos, estáveis e que se localizam numa dimensão de realidade
externa aos indivíduos; em sua perspectiva, estes fatos são frutos das relações
intersubjetivas dos indivíduos de uma determinada comunidade que os
instrumentalizam para resolver as questões práticas da vida cotidiana. Compreender
os conhecimentos que guiam as ações dos indivíduos nos diferentes cenários da
vida cotidiana é o que Garfinkel chamou de etnométodos.
Deste modo, Coulon
conceituou etnometodologia como:
A etnometodologia é a pesquisa empírica dos
métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido e ao mesmo tempo realizar as
suas ações de todos os dias: comunicar-se, tomar decisões, raciocinar. Para os
etnometodólogos, a etnometodologia será, portanto, o estudo dessas atividades
cotidianas, quer sejam triviais ou eruditas, considerando que a própria
sociologia deve ser considerada como uma atividade prática.” (COULON, 1995, p.
30)
A partir dessa
perspectiva podemos compreender a etnomedologia como um estudo de todas as
ações executadas pelos membros de uma determinada comunidade, ou grupo, além de
se aprofundar no significado das ações e dos conhecimentos (acumulados
socialmente) para executá-las e compreendê-las.
A ideia de membro é um
ponto fundamental para a compreensão das dinâmicas sociais de um determinado
grupo. O membro está além de um indivíduo que faz parte de um agrupamento
social. O membro tem o dever contribuir de várias formas para a construção de
uma realidade social de sua comunidade, participando ativamente como um agente
seja mantendo determinada ordem social, seja transformando-a em outra. Em suma,
o membro é um agente ativo que infere significativamente no contexto em que
está inserido (Oliveira, 2012).
Os estudos realizados
pela etnometodologia objetivam compreender as diversas formas de associação e
interação baseando-se nas ações executadas pelos indivíduos no cotidiano.
Segundo Alain Coulon (1995), em “A Etnometodologia’, a etnometodologia, como
uma corrente sociológica, é alicerçada nos seguintes conceitos-chave: a prática,
também chamada de realização; a indicialidade e o método documental; a
reflexividade; a relatabilidade, também conhecida como accountability.
O conceito-chave da
realização trata de estudar as atividades cotidianos dos membros e como estes
atribuem significados às suas ações. Desta forma, podem perceber como os
valores institucionais são instrumentalizados e modificados para melhor se
adequarem a resolução de situações no cotidiano, gerando assim um leque de
interpretações que podem, ou não, ser internalizados como novas normas pela
comunidade, como podem não ser.
Fala-se ordem, mas está é
apenas uma aparência, uma redução ao nível prática e nivelado das coisas que
permitem que os indivíduos possam agir da forma mais segura possível sem gerar
o que Garfinkel chama de ruptura (Oliveira, 2012) – um elemento do pragmatismo
americano bastante claro nos escritos dele. No entanto, esta ordem pode ser
modificada de forma que sempre é possível ao membro interpretar e produzir
novas formas de entendimento.
O conceito-chave da
indicialidade se baseia profundamente na linguagem, por
esta representar as formas pelos quais os membros se utilizam
para executarem suas relações no cotidiano; é por meio dela que os indivíduos
se comunicam, trocam conhecimentos e informações. Esta comunicação não precisa
ser necessariamente verbalizada. Este método presta uma atenção especial para
os novos significados atribuídos aos significantes no decorrer dos anos.
O método documental foi
desenvolvido por Garfinkel ao se questionar como a
contextualidade é imputada aos indivíduos, já que esta é um
elemento fundamental
para se compreender as ações e os seus significados, ou seja,
sua explicabilidade
(Heritage, 1999).
Garfinkel descreve o
método documentável como
o método [que] consiste em tratar uma
aparência real como "o documento de", como "apontando
para", como "favorecendo um" pressuposto padrão subjacente. Não
somente o padrão subjacente e derivado de suas evidencias documentais individuais,
como também as evidencias documentais individuais são, por sua vez,
interpretadas na base de "o que se sabe" sobre o padrão subjacente.
Cada urn é usado para elaborar o outro. (GARFINKEL, 1984c, p.78).
O método documental foi
desenvolvido durante um estudo que procurava as inferências da contextualidade
nas ações dos membros de um determinado grupo de estudantes que foram instados
a participar de um modelo diferente de supervisão. O método foi dividir os
grupos entre estudantes e conselheiros. As salas em que foram locados eram vizinha
e possuíam um sistema de intercomunicação que garantia que o estudante que era
solicitado a desenvolver um quadro dos problemas que estavam tentando
solucionar através do aconselhamento e depois poderia fazer diversas perguntas
que seriam respondidas com sim ou não. Entre o hiato de cada pergunta e
resposta, era solicitado que o estudante desligasse o aparelho de
intercomunicação e gravasse sua reflexão sobre o ocorrido. As respostas eram
dadas de forma completamente aleatória através de uma codificação através dos
números. A ideia era perceber através das reflexões dos indivíduos os efeitos
da aleatoriedade das respostas em perguntas que poderiam estar totalmente
desconexas com as respostas e as tentativas dos estudantes de atribuírem
sentido ao que foi respondido. Os estudantes interpretam o conselho tendo o
conhecimento referencial do senso comum em vários aspectos, pois supunham que o
conhecimento que tinham sobre o tema do conselho era comumente compartilha com
o do conselheiro. A partir disso puderam avaliar o conselho como razoável ou
não-razoável, emitindo juízos de valor em referência ao conhecimento que
carregavam. (Heritage, 1999).
Coulon (1997: 70)
sintetiza o método documentário como uma forma de padronizar um sinal, que pode
ser falso ou não, de determinadas ações observadas, e é por meio deste padrão
que o agente/membro/observador orientará a percepção da situação.
Outro conceito-chave é a
reflexividade, como uma propriedade que os membros exercem sobre os resultados
das interações sociais e as influencias que esses resultados geram na
sociedade. Estas reflexões realizadas pelos membros são executadas de forma
pré-reflexiva, instintiva (Coulon, 1997), pois, como já fora dito antes por
Schütz (1964) a vida cotidiana suprime qualquer dúvida sobre a realidade dos
objetos e das interações. Ou seja, se trata de uma ação espontânea, independente
como o ato de beber água, ou de andar (Oliveira, 2012). Este é o elemento
básico para que haja a sensação de ruptura quando a dúvida é levada a tona e locus
das transformações sociais.
Para exemplificar,
Garfinkel se utiliza de experimentos com o jogo da velha. A proposta era que as
regras do jogo da velha fossem rompidas por experimentados através do seguinte
processo: pedia-se ao paciente que executasse o primeiro movimento – primeira
marcação -, em seguida apagavam a marca e passavam a marcação para outra casa e
depois o oponente fazia seu próprio movimento. A todo momento o oponente
evitava demonstrar que qualquer ato inusitado estava sendo feito. O resultado
foi que em mais de 250 tentativas, 95% dos pacientes experimentais reagiram a
esse comportamento e mais de 75% reagiram ativamente exigindo explicações
(Heritage, 1999).
Podemos notar que as
ações que rompiam com a ordem das regras do jogo que deveriam – de acordo com o
que se espera para a operação do jogo – manter a coerência de todo o sistema
resultou num tipo de ruptura, de choque e até mesmo de irritação, pois foram
feitas inúmeras tentativas de restaurar a ordem, mas o oponente nunca as seguia
a ponto de pedirem que o oponente se retratasse ou explicasse o que estava
fazendo.
Por fim, o último
conceito-chave relativo aos critérios de interpretação dos etnométodos, a
relatabilidade ou accountability. Esse é um processo que ocorre após a
reflexividade, quando os indivíduos descrevem as ações presenciadas ou suas
ações. Este é um processo no qual através da reflexão os indivíduos descrever os
significados e sentidos construídos.
A Etnometodologia na pesquisa de campo
Após entendermos os
fundamentos interpretativos das ações sociais dos indivíduos em um determinado
grupo, podemos, agora, ordenar os princípios básicos de uma pesquisa de campo
que tenha como práxis a etnometodologia.
Segundo Coloun,
No lugar de formular a hipótese de que os
atores seguem as regras, o interesse da Etnometodologia consiste em colocar em dia
os métodos empregados pelos atores para “atualizar” ditas regras. Isto as faz observáveis
e descritivas. As atividades práticas dos membros, em suas atividades
concretas, revelam as regras e os procedimentos. Dito isto de outra forma, a
atenta observação e análise dos processos levados a cabo nas ações permitiriam
colocar em dia os procedimentos empregados pelos atores para interpretar constantemente
a realidade social para inventar a vida em uma bricolagem permanente.
(COULON, 2005, p. 34).
De início devemos
verificar que essa corrente sociológica serve para estudar os grupos e suas
particularidades, e deste modo entender como os indivíduos desses grupos se
comportam e a partir de suas ações cotidianas e da interação com os outros
indivíduos do grupo, criam ou modificam o entendimento do mundo social. Não
obstante a etnometodologia não é uma corrente que visa criar categorias generalizantes,
mas, sim, de se ocuparem dos estudos de grupos isoladamente, na intenção de
levantar questões e trazer as respostas para estes problemas.
Uma das técnicas bastante
usadas pelos estudos em etnometodologia é o processo de provocação experimental,
que se trata de uma forma de desorganização da ordem instituída por um
determinado grupo, provocando o que podemos chamar de ruptura e daí usar os
princípios interpretativos relatados anteriormente. A proposta é fazer uma
desarrumação nas rotinas. Portanto, é pressuposto que exista uma ordem moral
que garanta o bom êxito das interações para que seja possível o uso da técnica
de desarrumação (Coulon, 1995).
É importante ressaltar
que os procedimentos usados pelos etnometodólogos não são originais da metodologia,
pois as técnicas usadas tanto por Garfinkel quando por seus seguidores
compunham o leque de métodos da sociologia qualitativa moderna. Portanto,
Garfinkel não objetivava revelar o que estava errado na sociologia, nem mesmo
fazer uma revolução metodológica, mas, sim, criticar os métodos que se
configuravam como os padrões (principalmente os quantitativos).
Um dos principais métodos
utilizados pelos etnometodólogos são emprestados da etnografia, principalmente
da etnografia constitutiva, com foi apontado por Hugh Mehan. “Os estudos da
etnografia constitutiva funcionam a partir da hipótese interacionista segundo a
qual as estruturas sociais são construções sociais” (Coulon, 1995. p. 86). Os
fatos sociais são construções práticas, portanto como a estruturação se dá a partir das expressões, dos gestos e das
ações dos participantes (Hammersley, M. y Atkinson, P. 1994).
Os etnometodólogos também fazem uso de métodos
empregados por outras
sociologias qualitativas, em que os instrumentos para coleta de
material empírico são: observação direta, observação participante, diálogos,
gravações em vídeo, projeção do material gravado para os próprios autores,
gravações dos comentários feitos no decorrer dessas projeções, entre outros
(COULON, 1995).
A descrição é um dos
focos da etnometodologia, já que este campo tem o objetivo de revelar as formas
executadas pelos membros de um determinado grupo que visam – pré-reflexivamente
– organizar a vida social comum. Então, o primeiro exercício é descrever o que
os membros daquele grupo fazem. A proposta é fazer o que os etnógrafos fazem ao
encontrar as formas para estar no local certo, onde podem ouvir, ver, e
desenvolver no decorrer da pesquisa entre o pesquisador e os sujeitos que serão
estudados; e, por fim, fazer muitas perguntas.
Faz-se necessário,
portanto, tomar algumas precauções sobre os métodos de coleta de informações,
pois os métodos não devem criar obstáculos ou interferirem de forma à deformas
as informações obtidas na pesquisa, visto que estas informações reais
transmitidas ao pesquisador através das entrevistas devem ser priorizadas.
.
A etnometodologia e os estudos de trabalho
Esse campo de estudos da
etnometodologia se originou a partir de um desdobramento da clássica sociologia
das ocupações. Trabalho aqui é utilizado com o significado de uma atividade
ocupacional. As primeiras pesquisas foram feitas ao estudar o cotidiano das
atividades de cientistas físicos e matemáticos. (por exemplo, Garfinkel, Lynch &
Livingston, 1981; livingston, 1986; Lynch, 1982, 1985a, 1985b;
Lynch, livingston &
Garfinkel, 1983 in Heritage, 1999).
Estes novos estudos se
diferenciam dos estudos anteriores por se concentrarem nos conhecimentos
socialmente adquiridos utilizados pelos membros destas comunidades de
cientistas para compreenderam as suas ações ocupacionais ordinárias. O
principal objetivo é questionar em que consiste uma atividade ocupacional.
(Heritage, 1999). E a forma de chegar até a resposta é procurar compreender
quais são as ações que tonam estas atividades significativas.
Os cientistas sociais devem ser capazes de
descrever as práticas que não características importantes no que concerne a uma
ocupação ou atividade. E isso, por sua vez, significa levantar a questão
daquilo que Garfinkel chama de “quilidade” das práticas sociais: em que
consiste exatamente o trabalho competente nas ciências biológicas (cf. Lynch,
1885), o que é demonstrar um teorema matemático (Linvingston, 1986) ou tocar
algo que é reconhecível como jazz (Sudnow, 1978). (HERITAGE, 1999,
p.377).
Uma análise como essa só
pode ser realizada através de dados empíricos, devido as formas de
configurações ímpares das atividades profissionais e ocupacionais em
determinados contextos divergirem de outras realizadas em outros contextos. Já
foi reforçado aqui que na etnometodologia o contexto é um dos elementos de
grande importância para a compreensão dos fenômenos sociais e das formas pelas
quais os indivíduos interagem, interpretam e modificam a realidade através das
experiências do cotidiano, principalmente no método documental.
O primeiro passo é procurar
entender como os profissionais se reconhecem como pertencentes a um conjunto de
atividades e conhecimentos são utilizados concretamente nas ações cotidianas de
uma determinada ocupação.
No entanto, os problemas
metodológicos nos estudos do trabalho são bastante complexos, visto que os
objetivos vão desde descrever e compreender os sentidos das ações e os usos dos
conhecimentos de uma determinada ocupação que em conjunto fazem com que um
determinado se reconheça como membro de um grupo ocupacional/profissional até
procurar estratégias de descrever as unidades e segmentos.
Os métodos para se realizar
um estudo etnometodológico sobre o trabalho são bastante amplos, entre eles
estão as técnicas etnográficas, análise do discurso e análise crítica do
discurso, análises de conversação e de textos e outros. Essa pluralidade
compreende a vastidão das formas em que determinadas os conhecimentos dos domínios
ocupacionais podem se mostrar. (Heritage, 1999).
Conclusões
De acordo com o que foi
desenvolvido no decorrer do texto, podemos compreender que a etnometodologia
foi desenvolvida por Garfinkel numa época muito anterior ao movimento de
questionamento da abordagem funcionalistaestruturalista. Inclusive a proposta
da etnometodologia era criticar as formas que os estudos sociais analisavam os
fatos sociais, que eram vistos como elementos que modelavam a sociedade de
acordo com um determinado sistema normativo, mas que existiam numa dimensão tão
distante da realidade cotidiana que eram praticamente inalcançáveis.
Garfinkel propôs uma
metodologia que baseadas nas influências das fontes que se debruçou – a fenomenologia,
o pragmatismo americano do século XX, da psicolinguística e dos escritos de
Alfred Schütz – revelar que o paradigma positivista não estava errado na
utilização de seus métodos, mas, sim, nos seus pressupostos.
Para Garfinkel os fatos
sociais são construídos e reconstruídos na vida cotidiana, onde os sujeitos de
um determinado grupo se identificar como tal por causa de uma acumulação social
do conhecimento que é internalizada e não é questionada no dia a dia (o senso
comum) e também através da aprendizagem da língua utilizada para interpretar,
compreender e modificar a realidade social. Contudo estes fatos consolidados
não são fixos, eles compreendem a uma tentativa de ordenar uma variedade de
elementos aleatórios que são apreendidos cotidianamente pela consciência e
tornam possível a comunicação e a identificação dentro dos membros de um grupo;
quando elementos diferentes surgem e perturbam uma determinada realidade social
contextual é provável que sejam feitas avaliações pelos sujeitos que podem ou não
criar transformações em toda estrutura de interpretação, mudando assim as
formas de compreensão de significados e atualizando os significantes.
Foi exposto que os sujeitos
na vida cotidiana não são estimulados a duvidar da realidade das coisas que se
apresentam a consciência, sendo essa a matéria prima para a pesquisa
etnográfica. Um dos primeiros passos na pesquisa é causar uma ruptura na ordem,
fazendo com que os indivíduos reflitam sobre suas ações pré-refletidas e
procurando descrever as reações e as possíveis interpretações que os indivíduos
darão este novo momento.
As técnicas de análise das
ações através dos conceitos-chave – a
prática, também chamada de realização; a indicialidade e o método documental; a
reflexividade; a relatabilidade, também conhecida como accountability –
formam marcos fundamentais que são aplicados no campo descrito como “estudos do
trabalho”; porém as aplicações da etnometodologia não se enceram aí. Foram
dados exemplos das pesquisas realizadas por Garfinkel que exemplificam os
momentos de quebra de regras, de ruptura, com paciente através do jogo da
velha; o exemplo dos alunos e dos conselheiros que inferiram sobre as
tentativas dos alunos que conciliarem respostas dadas pelos conselheiros
desconexas do campo de conhecimento internalizado no senso comum da relação
entre os dois elementos.
Por fim, foi possível
perceber que a etnometodologia se baseia numa epistemologia fundamentalmente
construtivista (Schwandt,2006), pois oferece outros vias para a resolução dos
problemas das objetividades dos problemas da realidade social prática, entendo
os fenômenos sociais, os fatos, como elementos construídos por membros de um
determinado grupo ou comunidade através de suas relações cotidianas.
Atualmente se discute a
possibilidade de ampliação da etnometodologia através da identificação dos
pontos em comum com correstes filosóficas e sociológicas que fundamentou a
metodologia.
Referências bibliográficas
ARAÚJO, Paulo M. ETNOMETODOLOGIA: Consciência, linguagem
e o fenômeno
da vida cotidiana. SINAIS – Revista eletrônica. Ciências
Sociais; Vitória; CCHN,
UFES, Edição n.11, v.1, Junho, 2012.
COULON, A. Etnometodologia. Petrópolis: Vozes, 1995
GARFINKEL, H. Studies
in ethnomethodology. New Jersey: Prentice Hall, 1967.
HERITAGE, J.
Etnometodologia. In: GIDDENS, A.; TURNER, J. (Org.). Teoria social
hoje. São Paulo: Editora UNESP, p. 321-392, 1999.
HAMMERSLEY, M. y
ATKINSON, P. (1994) Etnografía. Métodos
de Investigación.
Barcelona: Paidós. (Caroline)
OLIVEIRA, S. A; MONTENEGRO, L.M. ETNOMETODOLOGIA: desvendando
da
alquimia da vivência cotidiana. Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 1,
artigo 7, Rio de Janeiro,
Março. 2012. p. 143-145.
SCHWANDT. Thomas A. (2006). ‘Três posturas epistemológicas para
a investigação
qualitativa: interpretativismo,
hermenêutica e construcionismo social’.
Nenhum comentário:
Postar um comentário