Não seria exagero dizer que a própria
UFRPE é resultado do sucesso dos cursos agrícolas
e de veterinária,
fundados antes mesmo que a UFRPE fosse chamada por esse nome. A instituição que
hoje conhecemos era antes chamada de a Escola Superior de Agricultura e
Medicina Veterinária, tendo sido batizada como UFRPE apenas em 1946. Por isso, é possível
se afirmar que as ciências agrárias
possuem uma estrutura bastante antiga, ao passo que as ciências sociais, como já dissemos, só surgiram
na mesma universidade apenas na década de 1990. O
que indica uma infraestrutura mais bem definida em agronomia.
A estrutura “por trás” do
curso de agronomia está vinculada à outras instituições também
antigas. No caso da própria fundação do curso, enquanto área de
conhecimento ligada a UFRPE, isso só ocorreu
por meio da relação direta com o setor político
agrário do
país. É por
meio do decreto de número 13.028, de 1918, que o curso de agronomia da UFRPE foi registrado
no Ministério da
Agricultura. Além dessa associação por meio de Decreto,
o curso de agronomia pode ser rastreado até ao ilustre Getúlio Vargas, o qual reconheceu o conselho da classe - Conselho Federal de
Engenharia e Agronomia (CONFEA) - que surge com esse nome em 1933, pelo decreto
nº 23.569.
Atualmente, tal órgão
conta com a cifra de aproximadamente um milhão de profissionais vinculados/as.
Além
disso, o órgão diz
que seus afiliados respondem por nada mais nada menos que 70% do Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro.
De acordo com nossos próprios atores, cabe ao curso de agronomia o
seguinte:
O objetivo do curso de Agronomia é ensinar o conteúdo de Ciências Agronômicas de ensino superior, formando engenheiros agrônomos capazes de promover, orientar e administrar a utilização dos factores de produção [...]
O mundo de trabalho ainda se estende a produtores rurais, cooperativas, indústrias de fertilizantes e defensivos agrícolas para os bancos e supermercados para os setores públicos, como os estados e municípios secretarias de agricultura, como IPA, IBAMA, SUDENE, EMATER, INCRA, SENAR, Escolas Agrotécnicas e Universidades”.
Figura 6: Matriz curricular do curso de agronomia.
Várias disciplinas parecem esquisitas para quem não é familiarizado/a com a área. Nesse sentido, nossa escolha para aplicação de observação se guiou pelo contato com nossa guia. Após o primeiro semestre de pesquisa em ciências sociais, decidimos, ao ter de escolher as aulas que passaríamos a frequentar e por acreditarmos que estar com a nossa guia nos ajudaria a familiarizarmo-nos mais com o campo, facilitando assim a interação com os/as nativos/as, então decidimos ir as aulas da disciplina de 5º período, Controle de Plantas Invasoras. Além disso, a disciplina se situa no meio do curso, o que para nós pareceu pertinente, pois nos traria, possivelmente, um perfil de estudantes já maturados/as no curso, mas ainda assim não totalmente formados/as.
A matriz curricular indica apenas nomes de disciplinas; seu conteúdo e os porquês da escolha das disciplinas selecionadas para a formação de agrônomos/as estão vinculados a outro documento, que lhe precede: o Plano Político Pedagógico de Agronomia (PPPA). Estudá-lo permite saber o que um/a graduando/a recém chegado/a ao curso de agronomia terá de aprender para se tornar um bom profissional em sua área. Em outras palavras, é possível saber como o/a estudante será enquadrado/a.
De oito trabalhos presentes no PPPA, encontramos um ótimo indicador de que caminhamos para o lugar certo, pois quatro trabalhos estão ligados aos “herbicidas” e “defensivos agrícolas”. Isso parece indicar que “uso de agrotóxico” está vinculado ao “controle de plantas invasoras” e que tal controle é um componente da “formação de um agrônomo”. Mas mais importante agora é identificar a associação entre “ator/sistema” ou “macro/micro”. Dito de outro modo: quais associações é possível identificar entre o PPPA e a ementa da disciplina Controle de Plantas Invasoras e entidades globais? Um dos livros, o “Aspectos de Resistência de Plantas Daninhas a Herbicidas” é vinculado à Associação Brasileira de Ação à Resistência de Plantas Daninhas (HRAC-BR). A HRAC-BR é uma entidade na qual é permitida associação de qualquer entidade jurídica que comercialize herbicidas. Em seu sítio de internet, a associação lista seus afiliados: ADAMA, IHARA, Arysta LifeScience, ISK Bioscience do Brasil Defensivos Agrícolas, BASF: The Chemical Company, Monsanto, Syngenta entre outras.
Mas em que forma agrotóxicos se conectam à Monsanto, à HRAC-BR, à agronomia, às plantas invasoras, às pragas e aos entrevistados? O que está circulando? Na forma textual, em livro digital, a resistência de plantas daninhas a herbicidas é transladada. Isso depois de saírem os resultados dos estudos feitos em diferentes lugares e em diferentes períodos sobre a exposição de determinados biotipos de plantas a diferentes herbicidas. A conectividade que pode haver seria: na sala de aula de agronomia, em um slide, ou por download direto para celulares, tablets ou computadores, discentes estão estudando a resistência de plantas daninhas existentes noutros lugares, mas transportados para a sala de aula, figurando em tabelas e gráficos de testes de resistência de diferentes plantas a diferentes herbicidas.
Perguntemos então: com que padrão de medida poderíamos mensurar a resistência de plantas em países diferentes, viabilizando assim a difusão do conhecimento produzido sobre resistência de plantas a herbicidas? Somente com a nossa vaga definição de “resistência” poderíamos conectar diferentes locais nos quais diferentes plantas e produtos são testados? É justamente pela incapacidade de reunir diferentes resistências de “As” a exposição de diferentes “Bs” que medidas foram criadas e, mais ainda, que diferentes associações foram feitas; bem como também foram conectados diferentes locais e actantes.
Várias disciplinas parecem esquisitas para quem não é familiarizado/a com a área. Nesse sentido, nossa escolha para aplicação de observação se guiou pelo contato com nossa guia. Após o primeiro semestre de pesquisa em ciências sociais, decidimos, ao ter de escolher as aulas que passaríamos a frequentar e por acreditarmos que estar com a nossa guia nos ajudaria a familiarizarmo-nos mais com o campo, facilitando assim a interação com os/as nativos/as, então decidimos ir as aulas da disciplina de 5º período, Controle de Plantas Invasoras. Além disso, a disciplina se situa no meio do curso, o que para nós pareceu pertinente, pois nos traria, possivelmente, um perfil de estudantes já maturados/as no curso, mas ainda assim não totalmente formados/as.
A matriz curricular indica apenas nomes de disciplinas; seu conteúdo e os porquês da escolha das disciplinas selecionadas para a formação de agrônomos/as estão vinculados a outro documento, que lhe precede: o Plano Político Pedagógico de Agronomia (PPPA). Estudá-lo permite saber o que um/a graduando/a recém chegado/a ao curso de agronomia terá de aprender para se tornar um bom profissional em sua área. Em outras palavras, é possível saber como o/a estudante será enquadrado/a.
De oito trabalhos presentes no PPPA, encontramos um ótimo indicador de que caminhamos para o lugar certo, pois quatro trabalhos estão ligados aos “herbicidas” e “defensivos agrícolas”. Isso parece indicar que “uso de agrotóxico” está vinculado ao “controle de plantas invasoras” e que tal controle é um componente da “formação de um agrônomo”. Mas mais importante agora é identificar a associação entre “ator/sistema” ou “macro/micro”. Dito de outro modo: quais associações é possível identificar entre o PPPA e a ementa da disciplina Controle de Plantas Invasoras e entidades globais? Um dos livros, o “Aspectos de Resistência de Plantas Daninhas a Herbicidas” é vinculado à Associação Brasileira de Ação à Resistência de Plantas Daninhas (HRAC-BR). A HRAC-BR é uma entidade na qual é permitida associação de qualquer entidade jurídica que comercialize herbicidas. Em seu sítio de internet, a associação lista seus afiliados: ADAMA, IHARA, Arysta LifeScience, ISK Bioscience do Brasil Defensivos Agrícolas, BASF: The Chemical Company, Monsanto, Syngenta entre outras.
Mas em que forma agrotóxicos se conectam à Monsanto, à HRAC-BR, à agronomia, às plantas invasoras, às pragas e aos entrevistados? O que está circulando? Na forma textual, em livro digital, a resistência de plantas daninhas a herbicidas é transladada. Isso depois de saírem os resultados dos estudos feitos em diferentes lugares e em diferentes períodos sobre a exposição de determinados biotipos de plantas a diferentes herbicidas. A conectividade que pode haver seria: na sala de aula de agronomia, em um slide, ou por download direto para celulares, tablets ou computadores, discentes estão estudando a resistência de plantas daninhas existentes noutros lugares, mas transportados para a sala de aula, figurando em tabelas e gráficos de testes de resistência de diferentes plantas a diferentes herbicidas.
Perguntemos então: com que padrão de medida poderíamos mensurar a resistência de plantas em países diferentes, viabilizando assim a difusão do conhecimento produzido sobre resistência de plantas a herbicidas? Somente com a nossa vaga definição de “resistência” poderíamos conectar diferentes locais nos quais diferentes plantas e produtos são testados? É justamente pela incapacidade de reunir diferentes resistências de “As” a exposição de diferentes “Bs” que medidas foram criadas e, mais ainda, que diferentes associações foram feitas; bem como também foram conectados diferentes locais e actantes.
Nesse contexto, criou-se
uma HRCA-BR, reunindo diferentes produtores de agrotóxicos;
diferentes pesquisadores em diferentes locais começaram a
testar diferentes agrotóxicos em diferentes espécies
de plantas. Diferentes definições
para “resistência” foram
dadas, convenções foram feitas e chegou-se a definições específicas
para resistência de plantas a herbicidas e, então, tornou-se possível
mensurar a resistência de plantas com base em certos critérios.
Depois disso, os testes começaram a falar uma mesma linguagem e, então, a tarefa de disseminar os
experimentos realizados em diferentes locais
passou a contar com mais um elemento: artigos
científicos
e tecnologia digital e gráfica, que permitiu com que todos esses atores fossem conectados.
O resultado final: associar
os interesses, convenções e experimentos de diversos locais e reuni-los em um objeto que
entra em sala de aula e participa da “formação de agrônomos”.
Nas associações expostas na figura, o elo mais fraco da
corrente são os herbicidas. Objetos disputados pelo direito, pela economia,
pela ciência. Em uma pesquisa sobre resistência de plantas aos
herbicidas, a Weed Science Society of America, a instituição não
governamental fundada em 1956 para, entre outras coisas, combater a “invasão de
ervas daninhas”, define um parâmetro comum para pesquisadores: a resistência
de plantas a herbicidas. Deslocados das fábricas, como um exército
industrial, os herbicidas são utilizados em laboratórios, em um combate de vida
ou morte contra um inimigo que por mais que se faça, sempre inventa um jeito de
desenvolver sua resistência, as plantas daninhas. Mas os pesquisadores
conseguem, por fim, um resultado satisfatório sobre a resistência de plantas em
seus países de origem. Logo, a ciência pode agora conectar-se com outros
laboratórios e universidades, utilizando como parâmetro o que a WSD definiu
como resistência de plantas a herbicidas. Agora outro objeto participa da cena:
um livro. Um livro científico carrega agrotóxicos, plantas e o mercado de
herbicidas para o Brasil. O móvel imutável transporta, ao mensurar a
resistência das plantas à herbicidas, diferentes espécies de plantas de
diferentes lugares e diferentes herbicidas para outros lugares. O que há em
comum entre as empresas, a HRAC-BR, os/as pesquisadores/as e o departamento de
agronomia é um aliado e um inimigo, respectivamente: herbicidas e plantas
invasoras.
Ciência e economia agora se deslocam para uma área específica: agronomia. Por meio de um tipo de objeto o mercado e
a ciência estão sendo traduzidos. Traduzidos na forma
de um livro impresso e/ou eletrônico e estão chegando ao departamento de agronomia. É importante lembrar
que falar em traduzir significa que os interesses de determinado grupo foram
deslocados espacialmente por meio de algum suporte. Neste caso, a tradução
de interesses de mercado e científicos convergem para o objeto e este para
sala de aula de agronomia. O mesmo ocorreu com ciências sociais, quando vimos a política econômica federal (MDA) se vincular à ciência e traduzir-se em um livro sobre agroecologia que terminou em salas de
aula de cientistas sociais.
1
Das salas de aula às hortas didáticas
Das salas de aula às hortas didáticas
Diário de campo
Data de registro: 7 de abril de 2016
Primeiro dia de observação não participante em agronomia.
Cheguei por volta das
13:45h ao CEAGRI I. Observei o quadro de aviso que se encontrava na recepção. Tirei fotos. Vi uma pasta
do PET no balcão da recepção. Perguntei a
uma funcionária onde era a sala de
Controle de Plantas Invasoras e, numa pasta
de cor azul, muito desorganizada, ela folheou alguns papéis em que se lia “controle do retroprojetor”, “controle da sala do PET” e,
finalmente me disse “sala 9, 1º andar. A professora ainda
não chegou”.
Subi pelas escadas
e fui até a sala. No caminho, pude observar
que dutos de metal levam fios azuis, vermelhos e de outras cores pelo
corredor, parecendo ser de Internet. Tubos pretos, como
serpentes presas ao teto seguem pelo mesmo corredor, transportando a eletricidade.
Estou à espera da professora em
um banco azul de madeira, encostado em uma parede
daquele tipo vazada, pela qual a circulação de ar é agradável e por meio da qual é possível observar um estacionamento.
À minha frente, noto agora, há uma rampa de acesso para cadeirantes, ligando o térreo ao 2º andar. Há um cano (foto) na parede para a passagem, provavelmente, de água da chuva.
Chego novamente na sala de aula.
Há 8 alunos/as.
[...] A professora me recebe e diz que estou
fazendo uma pesquisa e que sou de ciências sociais. Diz que é uma pesquisa sobre agrotóxicos.
[No slide] Características de agressividade das plantas
daninhas.
8 características.
[...]
Retroprojetor exibe fotos de plantas em uma
apresentação de slides.
“Competição entre plantas”.
A aula é expositiva.
“Há convivência entre as plantas, caso não falte
condições de alimentação entre elas. Se tiver carência, então ocorre as competições entre daninhas e culturas, se há competição entre daninhas, não importa, [...] ” – Diz a professora.
Há perguntas para a turma que as responde acertadamente.
Os registros em diário de campo, mais as fotografias, apontam para o
conjunto de participantes não-humanos que viabilizam as interações locais. Para
Latour (2012), os objetos que participam da ação permitem com que as interações
ocorram. Por isso, ele chama de localizadores as presenças transportadas de outros lugares para o
local atual. No nosso caso, desde as pastas (ver fotos), até as paredes, o concreto das paredes
vazadas, o cano para escoamento da água da chuva; além dos
dados em negrito mencionados no diário: como a retroprojetor, os slides na tela, a própria sala de aula, os tubos com cabos coloridos,
transportando internet e eletricidade, até as garrafas de água enchidas pelos discentes nos corredores do prédio; tudo pode ser classificado como localizadores.
Abaixo, localizadores encontrados
no primeiro dia de observação no departamento de agronomia:
·
Locais:
CEAGRI, recepção, escadas,
estacionamento, rampa de acesso para cadeirantes, 2º andar, sala de
aula.
·
Objetos:
quadro de aviso, pasta do PET, balcão,
pasta de cor azul, papéis, dutos de
metal, fios azuis e vermelhos, parede vazada, cano, Sementes, plantas
daninhas.
No quadro de aviso havia alguns cartazes
informando sobre estágios na área de agronomia; sobre ações socioeducativas concernentes a crianças e
Ensino Fundamental; sobre vivência em bioconstrução;
estágio em química
do solo. Creio ser importante informar sobre este assunto, pois aparentemente vê-se que se trata de um elemento surpresa que
contraria as expectativas do analista, que não esperava encontrar oferta de
elementos ou circulação
de práticas vinculadas, por exemplo, a bioconstrução. Por
isso, destacar que aqui existe uma oferta de conexões (LATOUR,
2012) alternativas para agrônomos/as parece importante.
Uma segunda parafernália de localizadores é encontrada quando, finalmente, adentramos em
outro espaço: a sala de aula
e, depois, a área conhecida
como horta-didática. Vide
abaixo:
•
Objetos:
(slides) referenciais bibliográficos: DECANDOLE, 1820, LOCATELLY & DOLL, 1977, PITELLI, 1985 DEUBER,
1007, 2003, SIMÕES NETO, 2009, ESALQ, 2008, 2010, SCHREIBER, 1992,
STEVENSON ET. AL., 1997.
• Locais: horta didática, canteiros de plantas, sala de aula.
•
Objetos: Retroprojetor, slides, cadeiras, vasilhas com sementes, caixa de papelão,
celular, desenhos de colheitas, régua, granulado (agrotóxico), fotos; vasos, mesas, torneiras, canos...
É possível dizer que
encontramos o que se chama de “global” nos pequenos espaços em
que circulamos. Esse é um
movimento que Latour (2012) diz que é necessário realizar para
que se consiga fazer um relato de TAR, pois indica que o analista não “saltou” para a “estrutura” sub-reptícia,
ou a um “contexto” invisível que sobredeterminaria as relações locais. Nesse sentido, ao identificar
toda a parafernália de actantes que participam da “formação de agrônomos”, também encontramos associações com multinacionais, com a história da república do Brasil, com as relações econômicas
que mantém 70% do Produto Interno
Bruto (PIB) vinculadas ao departamento de agronomia por meio do CONFEA. O que
nos parece corroborar uma afirmação de Latour (LATOUR, 2012), segundo a qual
todos os ingredientes do mundo são encubados em pequenos espaços e lugares, e não em contextos invisíveis como a “estrutura”.
Além dos localizadores que identificamos, permitindo com que pessoas
de diferentes origens se tornassem profissionais de agronomia, foi possível identificar também uma conexidade entre dois locais. A sala de aula se conectava
com a horta-didática, sendo aquela, um centro (LATOUR, 2001) no qual as informações transportadas da horta foram
traduzidas pela linguagem agronômica e, depois das decisões, novas atuações se deram sobre o ambiente conectado. O que acarretava em diferentes formas de se lidar com os outros actantes
da cena: as plantas, as formigas –
colocar “granulado” -, o milho, a soja e
demais sementes plantadas.
Identificada a utilidade de agrotóxicos, na forma de herbicidas, no
departamento de agronomia, cujo objetivo é auxiliar na formação de agrônomos/as, então resta saber que conexões os atores reais, e não o/a “agrônomo/a
genérico”, estão desdobrando. É possível dizer, todavia, que no departamento de agronomia, agrotóxicos possuem cidadania e que circulam
como uma caixa-preta (LATOUR, 2000; 2001; 2012). Isto é: é um elemento comum utilizado nas práticas de ensino do curso, sem que importe
o que é ou que deixe de ser,
apenas importando suas diferentes utilidades. Tal como ocorre em ciências sociais, com padrões sociais como gênero e pós-colonialidade
que circulam em artigos e reuniões, participando das associações daquele
departamento.
Tendo em vista nosso objeto de pesquisa,
basta agora saber como lidam os e as agrônomos/as com agrotóxicos
e, conforme nosso pressuposto, se os agrotóxicos realmente teriam
utilidade para o departamento.
G: você diz que o uso de agrotóxicos
deveria ser utilizado quando for o único método viável. O que você quer dizer quando diz que é quando for “viável”? Diz também que deve ser utilizado se forem levadas em considerações, as “boas práticas agrícolas”. Você poderia dizer o que são
essas tais práticas?
Mario: Com “viável” me
refiro a questão
econômica, visto que para uma área
muito grande alguns métodos podem ser bem mais caros que o método
químico,
o que vai implicar no lucro da produção; e me refiro também à questão ambiental e fenológica
da cultura, visto que dependendo do tempo (se chuvoso ou ensolarado) a aplicação não é recomendável e dependendo da fase da cultura pode não ser recomendável
também.
Quando falo de “boas práticas
agrícolas” me
refiro ao respeito pela condição climática,
lençóis freáticos, tipo de solo, dosagem correta, utilização de EPIs, entre outras questões.
G: Quando você diz que
não se deve utilizar o método químico quando não forem atendidas certas condições, pois
não seria seguro, você diz que não seria seguro para quem, ou o quê e, ainda,
por quê?
M: Não seria seguro tanto ambientalmente, devido a interferência negativa que uma aplicação
indevida pode causar na fauna natural e nos lençóis freáticos por exemplo, quanto para o trabalhador que lida com produto químico devido a toxicidade com o contato sem proteção individual.
Pode-se
observar que “uso de agrotóxicos”
está vinculado a “boas práticas agrícolas”, que significa
levar em conta outros elementos e actantes que participam da ação
relativa ao uso dos agrotóxicos:
o clima, lençóis freáticos,
solo, EPIs etc. Noutra entrevista, o “uso de agrotóxicos” figura
de outro modo:
G: Fala sobre a importância de ter informações sobre o uso de agrotóxicos para “assegurar
resultados, já que o uso desses produtos em grandes áreas
é necessário”. Pode especificar o que quer dizer com resultados e,
também, por que o uso de tais produtos
é necessário em grandes áreas?
Luigi: Quis dizer que através da informação adequada
sobre o produto escolhido há a manutenção da qualidade ambiental e segurança de
quem manipula esse produto. Em grandes áreas se faz necessário o uso de agrotóxicos
por conta justamente da extensão, sendo ocupada por apenas um tipo de espécie
vegetal, o que causa um certo desequilíbrio ambiental. Isso favorece o
surgimento de pragas que antes sua população estava em equilíbrio. Assim, o
agrotóxico, em conjunto com outras táticas de controle, tornam possível a
produção.
Uso de agrotóxicos agora figura como “formas de controle de
produção”. Notar que nosso objeto participa de ambas as ações, mas figura de
maneira diferente. Noutra figuração, uma entrevista encena um ótimo panorama.
G: Qual sua opinião sobre a utilização de agrotóxicos
ou defensivos agrícolas?
Bill: Tenho uma visão muito abrangente sobre o tema.
Considero os defensivos como insumos necessários à produção em larga escala, produção
essa que é necessária ao mundo, tendo em vista a sua alta produtividade e maior
capacidade de “alimentar” uma maior parcela da população. Ao mesmo tempo em que
sei que o uso DE FORMA INCORRETA, por parte de alguns, pode trazer riscos ao
ambiente e também ao homem. Enxergo o ramo dos orgânicos com bons olhos, porém
não acredito na capacidade que eles têm de substituir o cultivo convencional.
Mas acredito que ambos podem conviver pacificamente, cada um dentro de suas
limitações.
Uso de agrotóxicos agora figura em um ótimo contexto: “insumos
necessários à produção em larga escala” e “produção essa necessária ao mundo”.
Outro panorama muito interessante que justifica, segundo nossos atores, a
necessidade do uso de agrotóxicos, agora é encenada pela porta-voz (LATOUR,
2000; 2001; 2012) das plantas invasoras:
Belinda: Ervas daninhas são extremamente poderosas,
porque existem desde o início dos tempos e resistiram a sua passagem, se
adaptando a diversos ambientes [...] é como se nossas plantas fossem fraquinhas,
então elas não conseguem lutar contra ervas daninhas. Por isso os herbicidas
dão força para nossas plantas e, por isso, elas conseguem enfrentar e vencer as
daninhas.
Diário
de campo,
14 de setembro de 2015
O panorama acima foi encenado em uma sala do departamento de agronomia.
“Uso de agrotóxicos” foi referenciado em uma escala que vai de milênios de
existência (passagem do tempo) até os dias atuais, sendo os herbicidas um
“fruto” do presente, cujo uso “fortalece” as “nossas plantas”, corrigindo assim
um desequilíbrio da natureza.
É notória a cautela dos/das entrevistados/as quanto ao uso de
agrotóxicos, diga-se de passagem. Todavia, não se pode concluir que todo
agrônomo e agrônoma é um publicitário do uso de agrotóxicos, nem que
diariamente eles/elas saem do departamento em campanha com seus produtos para
distribuir em outros lugares. Em outras palavras, que outros caminhos são
trilhados pelos/as agrônomos/as que encontramos?
G: Participa de algum grupo de estudos, pesquisa,
extensão ou PET e por que participa do referido grupo (caso participe)?
Bill: Atualmente estou numa disciplina optativa que se
chama Pesquisa na Agronomia, que funciona basicamente como um grupo de estudos,
porém sob tutoria de um professor e com provas e trabalhos com certa
frequência.
G: O que vocês estudam no grupo - quais autores, que
assuntos?
B: São assuntos sempre ligados à experimentação
agrícola e estatística. Basicamente utilizamos um livro: Estatística
Experimental Aplicado à Agronomia – Paulo Vanderley Ferreira. Usualmente são
debatidos problemas estatísticos com análise de dados experimentais.
G: Na cadeira optativa que você diz que participa,
vocês estudam que temáticas? E quais são as formas de estudo de vocês? O livro
que você diz, de Ferreira, é digital ou há exemplares na biblioteca? Você pode
falar um pouco sobre esse livro?
B: A temática é livre, são debatidos trabalhos
acadêmicos, desde que envolvam ANÁLISES ESTATÍSTICAS dos dados apresentados
pelos autores. Existem exemplares na biblioteca sim, apesar de poucos. Não sei
se é possível fazer o download dele na internet.
Ferreira é um estatístico que trabalha com melhoria de
plantas. Esse tema é muito dependente de análises estatísticas, com o intuito
de definir melhores métodos de seleção genética de plantas. Dentro do livro,
Ferreira aborda desde o início das análises mais simples, até as mais
complexas, fornecendo todo um “know-how” acerca do tema que é bastante
recorrente no mundo da Agronomia.
As conexões que Bill se vincula estão relacionadas a um livro sobre
estatística; uma disciplina optativa; a Paulo Vanderley Ferreira e a
biblioteca. Noutro momento Bill informou que é biomédico. Além dele, vejamos o
que o jovem Luigi, de apenas 18 anos, nos diz:
G:
Há quanto tempo está na graduação e por que escolheu este curso?
L:
Estou na graduação a cerca de 2 anos e meio. Escolhi o curso por que sempre me
interessei pela área de ciências agrárias, sobretudo ao que se refere as áreas
de botânica e produção de alimentos em geral.
G:
Participa de algum grupo de estudos, pesquisa, extensão ou PET[1] e por que participa do
referido grupo (caso participe)?
L: Sim, participo de um
grupo de pesquisa que trabalha com fitomorfologia funcional. Participo do grupo
devido o meu muito interesse na área de
botânica e
suas aplicabilidades. e neste grupo estudamos a plasticidade fenotípica das plantas submetidas a condições ambientais
diferenciadas, o que tem grande aplicabilidade na mitigação dos danos antrópicos aso ecossistemas.
G: Fitomorfologia
funcional significa o quê? O grupo é do departamento de agronomia?
L: O grupo é do departamento de Biologia, na botânica. Fitomorfologia funcional são os caracteres
morfoanatômicos que funcionam que apontam
para uma adaptação a determinada condição em que a planta está submetida.
G: O que vocês estudam no grupo - quais
autores, que assuntos?
L: Neste grupo estudamos,
em geral, a plasticidade fenotípica das plantas
submetidas a condições ambientais diferenciadas, o que tem grande
aplicabilidade na mitigação dos danos antrópicos aos ecossistemas.
G: Você diz que os estudos sobre a plasticidade fenotípica das plantas submetidas a ambientes diferenciados,
resultam em aplicabilidade na mitigação dos danos antrópicos aos ecossistemas. Você pode falar mais sobre como
tais estudos podem ter esse resultado e ainda, por que meios vocês conseguem chegar a esses
resultados?
L: O estudo é feito avaliando caracteres de fácil mensuração nas plantas, sendo uma alternativa a
metodologias onerosas de determinação de poluição, por exemplo. Sendo assim, o
estudo da plasticidade fenotípica é uma alternativa a
tecnologia de difícil utilização, podendo ser uma
informação rápida para a tomada de decisão na gestão de recursos naturais.
As conexões acima mostram tudo, menos agrotóxicos
ou herbicidas. Novas conexões
são tecidas pelos agentes. Assim como em ciências sociais não vimos apenas “agroecologia” circulando
ou mesmo, de um ponto de vista de senso comum, apenas “marxistas” e “comunistas”. Nossos atores estão preocupados com a “plasticidade
fenotípica de plantas” ou “análises estatísticas” e se
utilizam de conexões comuns aos cientistas sociais, como a biblioteca central
da mesma universidade. A grande diferença,
como se pode perceber, é que a maneira de lidar com os agrotóxicos
varia. Por outro lado, ambos os grupos estão, cada um à sua maneira, estabelecendo conexões e
descrevendo como é o mundo em que desejam viver. Seria possível a convivência em um mundo comum, como diria Latour (2012)? Temos esperança
que sim.
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