domingo, 25 de março de 2018

Monografia - Parte II (Agronomia, Defensivos Agrícolas e Plantas Invasoras)

      Não seria exagero dizer que a própria UFRPE é resultado do sucesso dos cursos agrícolas e de veterinária, fundados antes mesmo que a UFRPE fosse chamada por esse nome. A instituição que hoje conhecemos era antes chamada de a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, tendo sido batizada como UFRPE apenas em 1946. Por isso, é possível se afirmar que as ciências agrárias possuem uma estrutura bastante antiga, ao passo que as ciências sociais, como já dissemos, só surgiram na mesma universidade apenas na década de 1990.  O que indica uma infraestrutura mais bem definida em agronomia.
      A estrutura “por trás” do curso de agronomia está vinculada à outras instituições também antigas. No caso da própria fundação do curso, enquanto área de conhecimento ligada a UFRPE, isso só ocorreu  por meio da relação direta com o setor político agrário do país. É por meio do decreto de número 13.028, de 1918, que o curso de agronomia da UFRPE foi registrado no Ministério da Agricultura.  Além dessa associação por meio de Decreto, o curso de agronomia pode ser rastreado até ao ilustre Getúlio Vargas, o qual reconheceu o conselho da classe - Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) - que surge com esse nome em 1933, pelo decreto nº 23.569.

Atualmente, tal órgão conta com a cifra de aproximadamente um milhão de profissionais vinculados/as. Além disso, o órgão diz que seus afiliados respondem por nada mais nada menos que 70% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

De acordo com nossos próprios atores, cabe ao curso de agronomia o seguinte:


O objetivo do curso de Agronomia é ensinar o conteúdo de Ciências Agronômicas de ensino superior, formando engenheiros agrônomos capazes de promover, orientar e administrar a utilização dos factores de produção [...]
O mundo de trabalho ainda se estende a produtores rurais, cooperativas, indústrias de fertilizantes e defensivos agrícolas para os bancos e supermercados para os setores públicos, como os estados e municípios secretarias de agricultura, como IPA, IBAMA, SUDENE, EMATER, INCRA, SENAR, Escolas Agrotécnicas e Universidades”.


Figura 6: Matriz curricular do curso de agronomia.

      Várias disciplinas parecem esquisitas para quem não é familiarizado/a com a área. Nesse sentido, nossa escolha para aplicação de observação se guiou pelo contato com nossa guia. Após o primeiro semestre de pesquisa em ciências sociais, decidimos, ao ter de escolher as aulas que passaríamos a frequentar e por acreditarmos que estar com a nossa guia nos ajudaria a familiarizarmo-nos mais com o campo, facilitando assim a interação com os/as nativos/as, então decidimos ir as aulas da disciplina de 5º período, Controle de Plantas Invasoras. Além disso, a disciplina se situa no meio do curso, o que para nós pareceu pertinente, pois nos traria, possivelmente, um perfil de estudantes já maturados/as no curso, mas ainda assim não totalmente formados/as.

      A matriz curricular indica apenas nomes de disciplinas; seu conteúdo e os porquês da escolha das disciplinas selecionadas para a formação de agrônomos/as estão vinculados a outro documento, que lhe precede: o Plano Político Pedagógico de Agronomia (PPPA). Estudá-lo permite saber o que um/a graduando/a recém chegado/a ao curso de agronomia terá de aprender para se tornar um bom profissional em sua área. Em outras palavras, é possível saber como o/a estudante será  enquadrado/a.
      De oito trabalhos presentes no PPPA, encontramos um ótimo indicador de que caminhamos para o lugar certo, pois quatro trabalhos estão ligados aos herbicidas” e “defensivos agrícolas. Isso parece indicar que uso de agrotóxico” está vinculado ao controle de plantas invasoras” e que tal controle é um componente da “formação de um agrônomo”. Mas mais importante agora é identificar a associação entre “ator/sistema” ou “macro/micro”. Dito de outro modo: quais associações é possível identificar entre o PPPA e a ementa da disciplina Controle de Plantas Invasoras e entidades globais? Um dos livros, o “Aspectos de Resistência de Plantas Daninhas a Herbicidas é vinculado à Associação Brasileira de Ação à Resistência de Plantas Daninhas (HRAC-BR). A HRAC-BR é uma entidade na qual é permitida associação de qualquer entidade jurídica que comercialize herbicidas. Em seu sítio de internet, a associação lista seus afiliados: ADAMA, IHARA, Arysta LifeScience, ISK Bioscience do Brasil Defensivos Agrícolas, BASF: The Chemical Company, Monsanto, Syngenta entre outras.
      Mas em que forma agrotóxicos se conectam à Monsanto, à HRAC-BR, à agronomia, às plantas invasoras, às pragas e aos entrevistados? O que está circulando? Na forma textual, em livro digital, a resistência de plantas daninhas a herbicidas é transladada. Isso depois de saírem os resultados dos estudos feitos em diferentes lugares e em diferentes períodos sobre a exposição de determinados biotipos de plantas a diferentes herbicidas. A conectividade que pode haver seria: na sala de aula de agronomia, em um slide, ou por download direto para celulares, tablets ou computadores, discentes estão estudando a resistência de plantas daninhas existentes noutros lugares, mas transportados para a sala de aula, figurando em tabelas e gráficos de testes de resistência de diferentes plantas a diferentes herbicidas.
      Perguntemos então: com que padrão de medida poderíamos mensurar a resistência de plantas em países diferentes, viabilizando assim a difusão do conhecimento produzido sobre resistência de plantas a herbicidas? Somente com a nossa vaga definição de “resistência” poderíamos conectar diferentes locais nos quais diferentes plantas e produtos são testados? É justamente pela incapacidade de reunir diferentes resistências de “As” a exposição de diferentes “Bs” que medidas foram criadas e, mais ainda, que diferentes associações foram feitas; bem como também foram conectados diferentes locais e actantes.
 Nesse contexto, criou-se uma HRCA-BR, reunindo diferentes produtores de agrotóxicos; diferentes pesquisadores em diferentes locais começaram a testar diferentes agrotóxicos em diferentes espécies de plantas. Diferentes definições para resistência” foram dadas, convenções foram feitas e chegou-se a definições específicas para resistência de plantas a herbicidas e, então, tornou-se possível mensurar a resistência de plantas com base em certos critérios. Depois disso, os testes começaram a falar uma mesma linguagem e, então, a tarefa de disseminar os experimentos realizados em diferentes locais passou a contar com mais um elemento: artigos científicos e tecnologia digital e gráfica, que permitiu com que todos esses atores fossem conectados. O resultado final: associar os interesses, convenções e experimentos de diversos locais e reuni-los em um objeto que entra em sala de aula e participa da “formação de agrônomos”.
Nas associações expostas na figura, o elo mais fraco da corrente são os herbicidas. Objetos disputados pelo direito, pela economia, pela ciência. Em uma pesquisa sobre resistência de plantas aos herbicidas, a Weed Science Society of America, a instituição não governamental fundada em 1956 para, entre outras coisas, combater a “invasão de ervas daninhas”, define um parâmetro comum para pesquisadores: a resistência de plantas a herbicidas. Deslocados das fábricas, como um exército industrial, os herbicidas são utilizados em laboratórios, em um combate de vida ou morte contra um inimigo que por mais que se faça, sempre inventa um jeito de desenvolver sua resistência, as plantas daninhas. Mas os pesquisadores conseguem, por fim, um resultado satisfatório sobre a resistência de plantas em seus países de origem. Logo, a ciência pode agora conectar-se com outros laboratórios e universidades, utilizando como parâmetro o que a WSD definiu como resistência de plantas a herbicidas. Agora outro objeto participa da cena: um livro. Um livro científico carrega agrotóxicos, plantas e o mercado de herbicidas para o Brasil. O móvel imutável transporta, ao mensurar a resistência das plantas à herbicidas, diferentes espécies de plantas de diferentes lugares e diferentes herbicidas para outros lugares. O que há em comum entre as empresas, a HRAC-BR, os/as pesquisadores/as e o departamento de agronomia é um aliado e um inimigo, respectivamente: herbicidas e plantas invasoras.

Ciência e economia agora se deslocam para uma área específica: agronomia. Por meio de um tipo de objeto o mercado e a ciência estão sendo traduzidos. Traduzidos na forma de um livro impresso e/ou eletrônico e estão chegando ao departamento de agronomia. É importante lembrar que falar em traduzir significa que os interesses de determinado grupo foram deslocados espacialmente por meio de algum suporte. Neste caso, a tradução de interesses de mercado e científicos convergem para o objeto e este para sala de aula de agronomia. O mesmo ocorreu com ciências sociais, quando vimos a política econômica federal (MDA) se vincular à ciência e traduzir-se em um livro sobre agroecologia que terminou em salas de aula de cientistas sociais.
1    
      Das salas de aula às hortas didáticas
Diário de campo
Data de registro: 7 de abril de 2016
Primeiro dia de observação não participante em agronomia.
Cheguei por volta das 13:45h ao CEAGRI I. Observei o quadro de aviso que se encontrava na recepção. Tirei fotos. Vi uma pasta do PET no balcão da recepção. Perguntei a uma funcionária onde era a sala de Controle de Plantas Invasoras e, numa pasta de cor azul, muito desorganizada, ela folheou alguns papéis em que se lia controle do retroprojetor”, “controle da sala do PETe, finalmente me disse “sala 9, 1º andar. A professora ainda não chegou”.
Subi pelas escadas e fui até a sala. No caminho, pude observar que dutos de metal levam fios azuis, vermelhos e de outras cores pelo corredor, parecendo ser de Internet. Tubos pretos, como serpentes presas ao teto seguem pelo mesmo corredor, transportando a eletricidade. Estou à espera da professora em um banco azul de madeira, encostado em uma parede daquele tipo vazada, pela qual a circulação de ar é agradável e por meio da qual é possível observar um estacionamento.
À minha frente, noto agora, há uma rampa de acesso para cadeirantes, ligando o térreo ao 2º andar. Há um cano (foto) na parede para a passagem, provavelmente, de água da chuva.
Chego novamente na sala de aula. Há 8 alunos/as.
[...] A professora me recebe e diz que estou fazendo uma pesquisa e que sou de ciências sociais. Diz que é uma pesquisa sobre agrotóxicos.
[No slide] Características de agressividade das plantas daninhas.
8 características.
[...]
Retroprojetor exibe fotos de plantas em uma apresentação de slides.
“Competição entre plantas”.
A aula é expositiva.
“Há convivência entre as plantas, caso não falte condições de alimentação entre elas. Se tiver carência, então ocorre as competições entre daninhas e culturas, se há competição entre daninhas, não importa, [...] ” – Diz a professora.
perguntas para a turma que as responde acertadamente.

Os registros em diário de campo, mais as fotografias, apontam para o conjunto de participantes não-humanos que viabilizam as interações locais. Para Latour (2012), os objetos que participam da ação permitem com que as interações ocorram. Por isso, ele chama de localizadores as presenças transportadas de outros lugares para o local atual. No nosso caso, desde as pastas (ver fotos), até as paredes, o concreto das paredes vazadas, o cano para escoamento da água da chuva; além dos dados em negrito mencionados no diário: como a retroprojetor, os slides na tela, a própria sala de aula, os tubos com cabos coloridos, transportando internet e eletricidade, até as garrafas de água enchidas pelos discentes nos corredores do prédio; tudo pode ser classificado como localizadores.
Abaixo, localizadores encontrados no primeiro dia de observação no departamento de agronomia:
·         Locais: CEAGRI, recepção, escadas, estacionamento, rampa de acesso para cadeirantes, 2º andar, sala de aula.
·         Objetos: quadro de aviso, pasta do PET,  balcão, pasta de cor azul, papéis, dutos de metal, fios azuis e vermelhos, parede vazada, cano, Sementes, plantas daninhas. 
No quadro de aviso havia alguns cartazes informando sobre estágios na área de agronomia; sobre ações socioeducativas concernentes a crianças e Ensino Fundamental; sobre vivência em bioconstrução; estágio em química do solo. Creio ser importante informar sobre este assunto, pois aparentemente vê-se que se trata de um elemento surpresa que contraria as expectativas do analista, que não esperava encontrar oferta de elementos ou circulação de práticas vinculadas, por exemplo, a bioconstrução. Por isso, destacar que aqui existe uma oferta de conexões (LATOUR, 2012) alternativas para agrônomos/as parece importante.
Uma segunda parafernália de localizadores é encontrada quando, finalmente, adentramos em outro espaço: a sala de aula e, depois, a área conhecida como horta-didática. Vide abaixo:
       Objetos: (slides) referenciais bibliográficos: DECANDOLE, 1820, LOCATELLY & DOLL, 1977, PITELLI, 1985 DEUBER, 1007, 2003, SIMÕES NETO, 2009, ESALQ, 2008, 2010, SCHREIBER, 1992, STEVENSON ET. AL., 1997.
       Locais: horta didática, canteiros de plantas, sala de aula.
       Objetos: Retroprojetor, slides, cadeiras, vasilhas com sementes, caixa de papelão, celular, desenhos de colheitas, régua, granulado (agrotóxico), fotos; vasos, mesas, torneiras, canos...




É possível dizer que encontramos o que se chama de “global” nos pequenos espaços em que circulamos. Esse é um movimento que Latour (2012) diz que é necessário realizar para que se consiga fazer um relato de TAR, pois indica que o analista não “saltoupara a estrutura” sub-reptícia, ou a um “contexto” invisível que sobredeterminaria as relações locais. Nesse sentido, ao identificar toda a parafernália de actantes que participam da “formação de agrônomos”, também encontramos associações com multinacionais, com a história da república do Brasil, com as relações econômicas que mantém 70% do Produto Interno Bruto (PIB) vinculadas ao departamento de agronomia por meio do CONFEA. O que nos parece corroborar uma afirmação de Latour (LATOUR, 2012), segundo a qual todos os ingredientes do mundo são encubados em pequenos espaços e lugares, e não em contextos invisíveis como a estrutura”.
Além dos localizadores que identificamos, permitindo com que pessoas de diferentes origens se tornassem profissionais de agronomia, foi possível identificar também uma conexidade entre dois locais. A sala de aula se conectava com a horta-didática, sendo aquela, um centro (LATOUR, 2001) no qual as informações transportadas da horta foram traduzidas pela linguagem agronômica e, depois das decisões, novas atuações se deram sobre o ambiente conectado. O que acarretava em diferentes formas de se lidar com os outros actantes da cena: as plantas, as formigas – colocar “granulado” -, o milho, a soja e demais sementes plantadas.
Identificada a utilidade de agrotóxicos, na forma de herbicidas, no departamento de agronomia, cujo objetivo é auxiliar na formação de agrônomos/as, então resta saber que conexões os atores reais, e não o/a “agrônomo/a genérico”, estão desdobrando. É possível dizer, todavia, que no departamento de agronomia, agrotóxicos possuem cidadania e que circulam como uma caixa-preta (LATOUR, 2000; 2001; 2012). Isto é: é um elemento comum utilizado nas práticas de ensino do curso, sem que importe o que é ou que deixe de ser, apenas importando suas diferentes utilidades. Tal como ocorre em ciências sociais, com padrões sociais como gênero e pós-colonialidade que circulam em artigos e reuniões, participando das associações daquele departamento.
Tendo em vista nosso objeto de pesquisa, basta agora saber como lidam os e as agrônomos/as com agrotóxicos e, conforme nosso pressuposto, se os agrotóxicos realmente teriam utilidade para o departamento.
G: você diz que o uso de agrotóxicos deveria ser utilizado quando for o único método viável. O que você quer dizer quando diz que é quando for “viável”? Diz também que deve ser utilizado se forem levadas em considerações, as “boas práticas agrícolas”. Você poderia dizer o que são essas tais práticas?
Mario: Com “viável” me refiro a questão econômica, visto que para uma área muito grande alguns métodos podem ser bem mais caros que o método químico, o que vai implicar no lucro da produção; e me refiro também à questão ambiental e fenológica da cultura, visto que dependendo do tempo (se chuvoso ou ensolarado) a aplicação não é recomendável e dependendo da fase da cultura pode não ser recomendável também. Quando falo de boas práticas agrícolasme refiro ao respeito pela condição climática, lençóis freáticos, tipo de solo, dosagem correta, utilização de EPIs, entre outras questões.
G: Quando você diz que não se deve utilizar o método químico quando não forem atendidas certas condições, pois não seria seguro, você diz que não seria seguro para quem, ou o quê e, ainda, por quê?
M: Não seria seguro tanto ambientalmente, devido a interferência negativa que uma aplicação indevida pode causar na fauna natural e nos lençóis freáticos por exemplo, quanto para o trabalhador que lida com produto químico devido a toxicidade com o contato sem proteção individual.
Pode-se observar que “uso de agrotóxicos” está vinculado a boas práticas agrícolas, que significa levar em conta outros elementos e actantes que participam da ação relativa ao uso dos agrotóxicos: o clima, lençóis freáticos, solo, EPIs etc. Noutra entrevista, o uso de agrotóxicos” figura de outro modo:
G: Fala sobre a importância de ter informações sobre o uso de agrotóxicos para “assegurar resultados, já que o uso desses produtos em grandes áreas é necessário”. Pode especificar o que quer dizer com resultados e, também, por que o uso de tais produtos é necessário em grandes áreas?
Luigi: Quis dizer que através da informação adequada sobre o produto escolhido há a manutenção da qualidade ambiental e segurança de quem manipula esse produto. Em grandes áreas se faz necessário o uso de agrotóxicos por conta justamente da extensão, sendo ocupada por apenas um tipo de espécie vegetal, o que causa um certo desequilíbrio ambiental. Isso favorece o surgimento de pragas que antes sua população estava em equilíbrio. Assim, o agrotóxico, em conjunto com outras táticas de controle, tornam possível a produção.

Uso de agrotóxicos agora figura como “formas de controle de produção”. Notar que nosso objeto participa de ambas as ações, mas figura de maneira diferente. Noutra figuração, uma entrevista encena um ótimo panorama.

G: Qual sua opinião sobre a utilização de agrotóxicos ou defensivos agrícolas?
Bill: Tenho uma visão muito abrangente sobre o tema. Considero os defensivos como insumos necessários à produção em larga escala, produção essa que é necessária ao mundo, tendo em vista a sua alta produtividade e maior capacidade de “alimentar” uma maior parcela da população. Ao mesmo tempo em que sei que o uso DE FORMA INCORRETA, por parte de alguns, pode trazer riscos ao ambiente e também ao homem. Enxergo o ramo dos orgânicos com bons olhos, porém não acredito na capacidade que eles têm de substituir o cultivo convencional. Mas acredito que ambos podem conviver pacificamente, cada um dentro de suas limitações.

Uso de agrotóxicos agora figura em um ótimo contexto: “insumos necessários à produção em larga escala” e “produção essa necessária ao mundo”. Outro panorama muito interessante que justifica, segundo nossos atores, a necessidade do uso de agrotóxicos, agora é encenada pela porta-voz (LATOUR, 2000; 2001; 2012) das plantas invasoras:

Belinda: Ervas daninhas são extremamente poderosas, porque existem desde o início dos tempos e resistiram a sua passagem, se adaptando a diversos ambientes [...] é como se nossas plantas fossem fraquinhas, então elas não conseguem lutar contra ervas daninhas. Por isso os herbicidas dão força para nossas plantas e, por isso, elas conseguem enfrentar e vencer as daninhas.

Diário de campo,
14 de setembro de 2015

O panorama acima foi encenado em uma sala do departamento de agronomia. “Uso de agrotóxicos” foi referenciado em uma escala que vai de milênios de existência (passagem do tempo) até os dias atuais, sendo os herbicidas um “fruto” do presente, cujo uso “fortalece” as “nossas plantas”, corrigindo assim um desequilíbrio da natureza.
É notória a cautela dos/das entrevistados/as quanto ao uso de agrotóxicos, diga-se de passagem. Todavia, não se pode concluir que todo agrônomo e agrônoma é um publicitário do uso de agrotóxicos, nem que diariamente eles/elas saem do departamento em campanha com seus produtos para distribuir em outros lugares. Em outras palavras, que outros caminhos são trilhados pelos/as agrônomos/as que encontramos?

G: Participa de algum grupo de estudos, pesquisa, extensão ou PET e por que participa do referido grupo (caso participe)?
Bill: Atualmente estou numa disciplina optativa que se chama Pesquisa na Agronomia, que funciona basicamente como um grupo de estudos, porém sob tutoria de um professor e com provas e trabalhos com certa frequência.
G: O que vocês estudam no grupo - quais autores, que assuntos?
B: São assuntos sempre ligados à experimentação agrícola e estatística. Basicamente utilizamos um livro: Estatística Experimental Aplicado à Agronomia – Paulo Vanderley Ferreira. Usualmente são debatidos problemas estatísticos com análise de dados experimentais.
G: Na cadeira optativa que você diz que participa, vocês estudam que temáticas? E quais são as formas de estudo de vocês? O livro que você diz, de Ferreira, é digital ou há exemplares na biblioteca? Você pode falar um pouco sobre esse livro?
B: A temática é livre, são debatidos trabalhos acadêmicos, desde que envolvam ANÁLISES ESTATÍSTICAS dos dados apresentados pelos autores. Existem exemplares na biblioteca sim, apesar de poucos. Não sei se é possível fazer o download dele na internet.
Ferreira é um estatístico que trabalha com melhoria de plantas. Esse tema é muito dependente de análises estatísticas, com o intuito de definir melhores métodos de seleção genética de plantas. Dentro do livro, Ferreira aborda desde o início das análises mais simples, até as mais complexas, fornecendo todo um “know-how” acerca do tema que é bastante recorrente no mundo da Agronomia.

As conexões que Bill se vincula estão relacionadas a um livro sobre estatística; uma disciplina optativa; a Paulo Vanderley Ferreira e a biblioteca. Noutro momento Bill informou que é biomédico. Além dele, vejamos o que o jovem Luigi, de apenas 18 anos, nos diz:

G: Há quanto tempo está na graduação e por que escolheu este curso?
L: Estou na graduação a cerca de 2 anos e meio. Escolhi o curso por que sempre me interessei pela área de ciências agrárias, sobretudo ao que se refere as áreas de botânica e produção de alimentos em geral.
G: Participa de algum grupo de estudos, pesquisa, extensão ou PET[1] e por que participa do referido grupo (caso participe)?
L: Sim, participo de um grupo de pesquisa que trabalha com fitomorfologia funcional. Participo do grupo devido o meu muito interesse na área de botânica e suas aplicabilidades. e neste grupo estudamos a plasticidade fenotípica das plantas submetidas a condições ambientais diferenciadas, o que tem grande aplicabilidade na mitigação dos danos antrópicos aso ecossistemas.
G: Fitomorfologia funcional significa o quê? O grupo é do departamento de agronomia?
L: O grupo é do departamento de Biologia, na botânica. Fitomorfologia funcional são os caracteres morfoanatômicos que funcionam que apontam para uma adaptação a determinada condição em que a planta está submetida.
G: O que vocês estudam no grupo - quais autores, que assuntos?
L: Neste grupo estudamos, em geral, a plasticidade fenotípica das plantas submetidas a condições ambientais diferenciadas, o que tem grande aplicabilidade na mitigação dos danos antrópicos aos ecossistemas.
G: Você diz que os estudos sobre a plasticidade fenotípica das plantas submetidas a ambientes diferenciados, resultam em aplicabilidade na mitigação dos danos antrópicos aos ecossistemas. Você pode falar mais sobre como tais estudos podem ter esse resultado e ainda, por que meios vocês conseguem chegar a esses resultados?
L: O estudo é feito avaliando caracteres de fácil mensuração nas plantas, sendo uma alternativa a metodologias onerosas de determinação de poluição, por exemplo. Sendo assim, o estudo da plasticidade fenotípica é uma alternativa a tecnologia de difícil utilização, podendo ser uma informação rápida para a tomada de decisão na gestão de recursos naturais.

As conexões acima mostram tudo, menos agrotóxicos ou herbicidas. Novas conexões são tecidas pelos agentes. Assim como em ciências sociais não vimos apenas agroecologiacirculando ou mesmo, de um ponto de vista de senso comum, apenas marxistas” e “comunistas. Nossos atores estão preocupados com a plasticidade fenotípica de plantas” ou “análises estatísticase se utilizam de conexões comuns aos cientistas sociais, como a biblioteca central da mesma universidade. A grande diferença, como se pode perceber, é que a maneira de lidar com os agrotóxicos varia. Por outro lado, ambos os grupos estão, cada um à sua maneira, estabelecendo conexões e descrevendo como é o mundo em que desejam viver. Seria possível a convivência em um mundo comum, como diria Latour (2012)? Temos esperança que sim.

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